sexta-feira, 18 de outubro de 2024

A bloquear

Por Ronaldo Faria


O bloco está prestes a sair. Fantasiado de Prestes, o Cavaleiro da Esperança, Juarez espera sua Olga aparecer. A tarde, tardia diante de tal agonia da espera, surgia encardida entre uma nuvem aqui e outra acolá. E urgia o tempo que escorria nos passos dos casais e seus abadás. Na batida de tamborins e rufar de tambores, a bateria marcava os passos dos pés e passeava de coração em coração. “Ingratidão dela se não vier”, pensou Juarez. “Mas quem saberá o que se passa na cabeça dessa mulher...”
Olga era como um barco que navegava perdido em mil léguas do sonhador. Uma nau distante de qualquer porto que um mapa náutico conhecesse ou vislumbrasse. Galé sem convés a sucumbir nas calmarias. Dela, nenhum marujo se forjou sequer ser capitão. Suas velas, explícitas no corpo livre e cabelos que misturam ventos e maresia, eram o que a faziam singrar camas e mares sem leme ou âncora a lhe direcionar ou parar. Olga era sua própria bússola. “Vou sambar se assim quiser...”
No meio de toda essa batalha sem canhões e pólvora molhada, balas de ferro, ganchos e arcabuzes, na simétrica paz que a orgia monástica e o amor dão, Juarez e Olga esperavam, quiçá, um saque ao tesouro chamado juntar. Na cena, sirenas em cantilenas chamavam as sereias para cantarem as canções que fariam marujos bêbados na morte dos oceanos se encontrarem. A serpente gigante que embarcações devorava apenas espera a saga da epopeia terminar. Seu jantar não perdia por esperar.
Quando enfim o bloco decide partir em procissão de Orfeu e Momo, eis que a sentença que se pensava desde o início tem fim por fim. Feito estrupício que só a ilusão desdenha e dá, Olga e Juarez se juntam em corpos e ósculos. “Demorou, pensei que nem vinha mais”, balbuciou o homem. “Foi só atraso para descobrir se realmente queria no trio elétrico ir atrás”, respondeu a mulher. E assim, de mãos dadas e bocas juntadas e untadas, seguiram entre risos e gargalhadas, refrãos e toadas. No Carnaval, em suas etéreas ressacas, todos de uma forma ou outra se salvam. Aos amantes, botes e coletes, jogados na folia, não naufragam.
 
II
 
-- Esses escritos para o Maestro Moacir Santos são apenas um cântico no quântico desaguar de letras e sílabas que sibilam na página branca que abranda o final do chegar. Quem sabe um despertar de cândidas vozes intercaladas de metais. Como a história numa ladeira de Olinda onde o rapaz busca a amada que, disse, viria vestida de fada. Onde o descrédito que se dá ao crédito de uma paixão fugaz é de tal modo verdadeiro que nem mesmo o pierrô escondido faz findar a ilusão. A colombina, concubina do boneco gigante, ri por detrás dos casarios o casório de poucos dias. E senta-se no meio fio a beber entre paralelepípedos e epitáfios nunca escritos, circunscritos aos sonhos do poeta asceta.
-- Essas lembranças ínfimas e infinitas, forjadas entre mil versos e goles, alforjes e andarilhos, quarto de pedras que um dia foi senzala, exala na fala calada dos dedos que gritam no teclado. Malfadado, o aprendiz prefere o frevo ao fado. Volátil, a voar num quadrado que liberta além do que nunca foi ou será, passeia de meias e nudez num antro onde marginais e mulheres virginais não vão. E nele se atira e se esvai. “Oxalá, em teus lúgubres lugares me prometa nunca me encontrar!” Hoje, como epifania, todos os povos escondidos nas sombras da alma decidem fugir de si. Loucos, travestidos de alegria, paródias sórdidas do nada, parecem apenas ter pena da vida. Logo adiante, o dantes nunca vindo far-se-á.

Acabou...

 Por Ronaldo Faria Acabou! Acabou o Carnaval, o sal da areia colado no corpo, o suor que escorreu entre perfumes falsos e tresloucados beijo...