Por Ronaldo Faria
-- Amanhã é dia de ressaca?
-- Bem provável. Quase certo.
-- E isso não te deixa
preocupado?
-- Claro que não. É o reverso
do verso. Ainda bem que tem. Senão não teria poesia ou escrita a se fazer...
Na verdade, a verve do diálogo
é sobremaneira certeira no âmago do pseudo poeta. Estafeta de quinta categoria
quando o escrever se inscreve na multidão, Gabriel vira anjo de si mesmo. A
esmo, ensimesmado, cravado de suas próprias flechas, povoa as províncias que o
sismo da vida deixou em escombros sobreviver. Em esverdeados campos,
descampados da alma, emaranhados destravados de tanajuras fincadas pelo rabo e
juras, o juramento juramentado em cartório que o inglório subjugado não viu no
céu anil. Há apenas as estradas cheias de terra e poeira, a semeadura dura de
uma terra que só dá lágrimas no rosto.
-- Será esse meu último
escrito e dito? Desdito e proscrito? Finito e crível?
-- Por quê?
-- Sei lá. A loucura é como
semente em campo bom. Procria, cria raízes, se faz, traduz lamúrias antigas,
fracassadas escrituras. De pai para filho...
-- Virou tradutor do seu
futuro?
-- Quem sabe...
Do lado, um xote arrasta no
fole da sanfona que geme sem parar. Nalgum lugar, vestido de escuridão e
mansidão, a imensidão se despede de sê-la. Na sela o homem corre o agreste que
não sabe o que é cipreste que preste ou cela. Rompe estradas, vastas vastidões,
solidões, saudades imperfeitas, promessas benfazejas, lembranças anchas em ser,
certezas de que o amor rompe escuridões e sertões. Mesmo quando não havia luz
elétrica, enfáticas ou fétidas razões. Para o menino e homem, velho e
sertanejo, cria do nordestino ser, o derradeiro crer se faz promíscuo naquilo
que o desejo de acreditar se refaz em somente dedilhar. Em letras brancas num
teclado negro, o destino que em desatino se propôs.
(No som de Dominguinhos e saudades eternas)