Por Ronaldo Faria
O dia seguinte é sempre o preço a ser pago. Mas, ao apreço da criação,
haverá melhor padecer que girar em 180 graus o tempo do norte ao sul e viajar
na ausência que a premência traz?
Na night, suburbana e aleatória memória além de um ademais, o trem transita em trilhos que levam vidas e pesares mil. No frigir de ovos, ovnis e óvulos, o passado volta em beijos mil e buscas do senil querer ser. Na eletrola ou vitrola, fichas agora caem no orelhão que consome frases e sentimentos em tormentos loquazes. Na central da telefônica de cabines e segundos que pingam vorazes, palavras curtas e contumazes. No barulho de ligar o Windows cadavérico em seus disquetes sem esquetes prévios, o sofisma insofismável de vencer milhares de quilômetros que odômetros fariam em várias dezenas de horas. No bar natural e floral, batuque que o ding e o dong, num dengo rosa de veredas tropicais, faz junto no derramar do mar que não há. Aqui e acolá, a certeza de que o tempo não se desfez menestrel.
Na república de três quartos,
opacos e fátuos de forma presencial, o limite entre o ser e o letal. Copos
quebrados e salvos, sálvias em chá e ervas verdes e alucinógenas a darem o
momento e o prazer. Uma rede onde o corpo em torpor se deita para amar e
deleitar o que a vida traz. Talvez a tez da amada a lamber em línguas e tesões
o corpo agora torto, tensões promíscuas e lúdicas a gravitarem em vazios
espaços calculados. Possíveis cálculos renais ou daqueles que nos fazem
prescrever receitas tardias de um acerto, deixemos para décadas depois. Agora é
hora de brindar a madrugada tragada e sorvida, de revolver canções e unções,
comer pratos e pródigos corpos, se deixar comer. Na liturgia do relembrar,
passos, jurisprudências que nos livram no crime de pecar, o salivar que volta a
dizer que erramos mesmo sem querer.
Mas nessa hora, nos bares agora inexistentes, a saudade emergente que se esvai solitária e frágil. Cafonice de um boneco pendurado no retrovisor, do arrancar o toca-fitas do carro ao estacionar, caminhar na madrugada sem medo de definhar na calçada com um tiro na cara. Talvez a rima que deixa o pombo mais rápido que o correio que nos dava dias de dor a esperar as linhas da amada. Afinal, no desencontro é que se junta o livramento de um mero lembrar. Assim, como faca amolada, a entrega de se saber nada. Por fim, na malfadada lembrança, a moça no chuveiro dependurada no corpo do homem, o trem cheio de barro e gente com suas galinhas. Ou a frágil amada a quem o pesadelo acorda na cama do seu desmazelo.
E assim, entre um não e um sim, que cheguem o aconchego de ladeiras, campinas mil, espaços grassos, derradeira certeza. No depois, quando a gente descobre que o cano é de plástico e não de cobre, que surjam as águas fugitivas da vida e se entreguem ao chão sobremaneira. Na noite que floresce como fosse brincadeira de eira e beira, a solidão que à porta bate certeira. Portanto, na bancarrota que a rotunda do palco da vida dá, a doidivanas e célere lembrança do retrato que, sem trato, já amarelou. Por aqui, na busca de juntar frases múltiplas, o parágrafo que podia ser ágrafo tivesse nascido proscrito, vamos a subscrever o antever do dia que se diz amanhã. Na sorte que ninguém explica um Zé Ninguém se sente pica, não morto...
(Ao som dos Anos 80)