Por Ronaldo Faria
-- Você viu a lua rosa?
-- Qual?
-- A lua rosa, cheia, mas da mesma cor. Branca.
-- Por acaso, não. Não tenho tempo de olhar para o céu.
No palco inexato da paródia, como um paradoxo ácido e ávido de ser algo real, os dois traziam a verborragia dos bêbados à cena ideal. Letal, a cachaça descia tardia pela Rua do Lavradio. Pelos paralelepípedos, em epíteto trágico e volátil das palavras, escorria o verbo do verso no esgoto cercado de lodo. Um louco vaticinava o cenário que a cidade desbravava. Um grupo de idosos descia tempo a fora com suas bengalas e passados em passadas curtas. Uma pomba cagava sobre o carro importado sem se importar com a pintura cristalina. Uma ou outra nuvem iluminava o rosto da jovem anuviada pelo amor perdido e perfeito. No vazio de um peito atormentado, dentadas de bocas banguelas comiam o resto de farofa que o restaurante de luxo jogava no lixo. Nos lábios molhados e sedentos dos amantes púberes, a plúmbea lua rasgava as nuvens que se misturavam cinzas e límpidas. Em alguma nau catarineta o poeta marginal buscava o que rimar com ...
O carro supersônico e atômico
do super-herói percorre a cidade. Precoce ao crime que ainda não aconteceu, o
homem de uniforme desforme e amarrotado arrota a cerveja que tomou na caverna
que é seu esconderijo. Rijo, riste, risível e errôneo, erra de mão na esquina e
quase bate na contramão o automóvel no poste onde a luz há muito queimou. Dá a
volta e liga o turbo. Do seu veículo sai uma labareda imensa de fogo amarelo,
verde e azul. “Colocaram gasolina batizada”, pensa ao ver a fumaça cinza que
sobe também. “Nunca mais deixo o Alfred levar no posto perto de casa”,
sentencia. Mas o bandido, cruel e covarde, desses que ri da morte e zomba da
justiça, certamente estará com uma donzela sem zelo para mal fazer. “Aguarde-me
(ele falava o português correto),
Miriam Lane”, sem saber que estava a invadir a história de outro herói
interplanetário. Acelera o carro e o velocímetro marca 150, 180, 200, 270, 300
quilômetros. “Faltam agora só alguns metros”, vaticinava. Seu erro foi passar
numa blitz da polícia militar. Teve de parar o carro e soprar o bafômetro. “Seu
esquisitão, desce do veículo, mostra a carteira e fica na boa pra não ter
sacode-iaiá” – disse o PM pragmático. Foi enquadrado por velocidade acima do autorizado,
usar roupa estranha fora de época, falta de documentação e pagamento do IPVA,
além de estar acima do nível alcoólico permitido. “Tu vai conversar com o delegado,
otário. Só pode ter fumado um baseado pra esquecer que o Carnaval foi em
fevereiro”, exclama o policial.
Como, raro leitor? O que aconteceu com Miriam Lane? O chá de bebê dela e do Pinguim está marcado para o próximo mês. Eles pedem, encarecidamente, por fraldas descartáveis. O super-homem, que poderia salvar a trama, estava de férias em Andrômeda e não ouviu os gritos da ex-amada do morcego que descansava em Bangu 8.
-- Qual?
-- A lua rosa, cheia, mas da mesma cor. Branca.
-- Por acaso, não. Não tenho tempo de olhar para o céu.
No palco inexato da paródia, como um paradoxo ácido e ávido de ser algo real, os dois traziam a verborragia dos bêbados à cena ideal. Letal, a cachaça descia tardia pela Rua do Lavradio. Pelos paralelepípedos, em epíteto trágico e volátil das palavras, escorria o verbo do verso no esgoto cercado de lodo. Um louco vaticinava o cenário que a cidade desbravava. Um grupo de idosos descia tempo a fora com suas bengalas e passados em passadas curtas. Uma pomba cagava sobre o carro importado sem se importar com a pintura cristalina. Uma ou outra nuvem iluminava o rosto da jovem anuviada pelo amor perdido e perfeito. No vazio de um peito atormentado, dentadas de bocas banguelas comiam o resto de farofa que o restaurante de luxo jogava no lixo. Nos lábios molhados e sedentos dos amantes púberes, a plúmbea lua rasgava as nuvens que se misturavam cinzas e límpidas. Em alguma nau catarineta o poeta marginal buscava o que rimar com ...
II
Como, raro leitor? O que aconteceu com Miriam Lane? O chá de bebê dela e do Pinguim está marcado para o próximo mês. Eles pedem, encarecidamente, por fraldas descartáveis. O super-homem, que poderia salvar a trama, estava de férias em Andrômeda e não ouviu os gritos da ex-amada do morcego que descansava em Bangu 8.