Por Ronaldo Faria
No forfé que Jeremias armou,
sobrou pra todo mundo. De Epaminondas a Mané Piraju. Os meganhas chegaram
batendo geral em todo mundo. Sobrou bordoada até para o Seo Gastão, senhor de
90 anos que batia ponto na birosca só pra achar que ainda estava vivo. Foi um
tal de dizer “não sei quem foi” e “nem estou aqui” que o eco de qualquer
caverna seria mentira de taverna. Os homens da lei não quiseram nem saber:
desceram o porrete sem fé e nem dó. Da cintura pra cima, era tudo melhor. Do
lado de fora, o sargento, que não aguentava ver sangue nem com unguento, só
gritava “bate mais e manda ver que a cerveja depois é por minha conta”.
Jeremias, o causador de tudo, apanhava sem dó e dor. Seu crime: amar a bela
Marinalva, filha do doutor da cidade e das leis. Do lugar, o grande burguês.
“Quem tirar mais sangue desse meleca de gente ganha um final de semana de folga
inteirinho!”
-- Jeremias, tu me ama mesmo?
-- Claro, Marinalva. Daqui até depois do sol.
-- Que coisa mais linda de alguém falar.
-- Pra você eu serei sempre poeta. No funeral ou na festa!
-- Como você consegue rimar coisas tão díspares?
-- Disparo?
-- Deixa pra lá. Vem aqui me beijar.
O juntar dos dois surgiu de repente, no rompante que o amor dá e flerta em querer ser. Viram-se num entardecer na praça da igrejinha dedicada a São Simão. Ela comprava um sorvete de graviola. Ele ouvia a viola de Mestre Longuinho. Entreolharam-se de soslaio e dali surgiu um amor cheio de beijos e saudades afins. No outro encontro, sob o tronco de ingazeira, juntaram lábios e afagos, fogosos desejos e tragos de uma descansada em imburana que ele tinha trazido. Dali para depois não faltou nem um segundo. O mundo era pequeno para tanto calor e tocar, sublimar tristezas e desabrochar de riquezas. Eram potes e baús de gozo, salivas e trocar de gostos e gestos num gestual que nem mesmo o ser mais animal conseguiria fazer. E assim foram de encontro em desencontro a ver o mundo que não vai acabar. Mas, como em todo o conto de louvor há um Calabar, aos ouvidos do coronel Otílio a história foi chegar. Ferido no desejo de ver a filha casar com o varão do major Hermes Cançandão e juntar terras e riquezas, não pensou duas ou três vezes. “Antônio da Peixeira, vai na cidade e manda o sargento Pedro de Tonha descer o cacete geral. ” Nem precisou de resposta. O capanga montou o alazão e disparou pela estrada forrada de luar.
No bar do Crispim, ali aonde ainda tinha um pouco de felicidade, invadiram os oito soldados da lei que o grupamento dispunha. Coronel Otílio prometeu dar moedas que eles nem na melhor das loucuras saberiam dispor em alcunha. “Mas é só pra quem bater gostoso e bem dado. E em Jeremias vale isso e mais mil”, professa o cabra que dá as ordens do doutor. Depois de tal profecia, nem precisava cobrar que a coisa fosse bem feita. Rolou cacete e a cobra piou e a maritaca se arrastou. Quando os meganhas deixaram o lugar, estava tudo em cacos. Havia feridos, corpos ardidos, gritos urdidos. E lá num canto, sem encanto ou pranto algum, Jeremias jazia numa poça de sangue que parecia igual quando sua mãe teve seu cordão primeiro rasgado e partido.
-- E aí, tudo ajeitado?
-- Coronel, nem se você eu teria feito melhor ou igual.
-- Pague todos e deixe um troco para consertar o bar do Crispim. Diz pra ele que não foi nada de rixa. Só um acerto de contas. Senão, diga o que quiser. A vida é mesmo um faz de conta.
Seis meses depois, no dia de se casar com Carlão, filho do major Hermes Cançandão, Marinalva foi achada enforcada no pé de ingazeira, vestida de vestido de noiva e com um bilhete em que dizia sim para Jeremias. Nessa noite não houve folia. Deitado na rede a ver o mundão além das vistas que lhe pertencia, coronel Otílio disparou um tiro certeiro no coração.
-- Jeremias, tu me ama mesmo?
-- Claro, Marinalva. Daqui até depois do sol.
-- Que coisa mais linda de alguém falar.
-- Pra você eu serei sempre poeta. No funeral ou na festa!
-- Como você consegue rimar coisas tão díspares?
-- Disparo?
-- Deixa pra lá. Vem aqui me beijar.
O juntar dos dois surgiu de repente, no rompante que o amor dá e flerta em querer ser. Viram-se num entardecer na praça da igrejinha dedicada a São Simão. Ela comprava um sorvete de graviola. Ele ouvia a viola de Mestre Longuinho. Entreolharam-se de soslaio e dali surgiu um amor cheio de beijos e saudades afins. No outro encontro, sob o tronco de ingazeira, juntaram lábios e afagos, fogosos desejos e tragos de uma descansada em imburana que ele tinha trazido. Dali para depois não faltou nem um segundo. O mundo era pequeno para tanto calor e tocar, sublimar tristezas e desabrochar de riquezas. Eram potes e baús de gozo, salivas e trocar de gostos e gestos num gestual que nem mesmo o ser mais animal conseguiria fazer. E assim foram de encontro em desencontro a ver o mundo que não vai acabar. Mas, como em todo o conto de louvor há um Calabar, aos ouvidos do coronel Otílio a história foi chegar. Ferido no desejo de ver a filha casar com o varão do major Hermes Cançandão e juntar terras e riquezas, não pensou duas ou três vezes. “Antônio da Peixeira, vai na cidade e manda o sargento Pedro de Tonha descer o cacete geral. ” Nem precisou de resposta. O capanga montou o alazão e disparou pela estrada forrada de luar.
No bar do Crispim, ali aonde ainda tinha um pouco de felicidade, invadiram os oito soldados da lei que o grupamento dispunha. Coronel Otílio prometeu dar moedas que eles nem na melhor das loucuras saberiam dispor em alcunha. “Mas é só pra quem bater gostoso e bem dado. E em Jeremias vale isso e mais mil”, professa o cabra que dá as ordens do doutor. Depois de tal profecia, nem precisava cobrar que a coisa fosse bem feita. Rolou cacete e a cobra piou e a maritaca se arrastou. Quando os meganhas deixaram o lugar, estava tudo em cacos. Havia feridos, corpos ardidos, gritos urdidos. E lá num canto, sem encanto ou pranto algum, Jeremias jazia numa poça de sangue que parecia igual quando sua mãe teve seu cordão primeiro rasgado e partido.
-- E aí, tudo ajeitado?
-- Coronel, nem se você eu teria feito melhor ou igual.
-- Pague todos e deixe um troco para consertar o bar do Crispim. Diz pra ele que não foi nada de rixa. Só um acerto de contas. Senão, diga o que quiser. A vida é mesmo um faz de conta.
Seis meses depois, no dia de se casar com Carlão, filho do major Hermes Cançandão, Marinalva foi achada enforcada no pé de ingazeira, vestida de vestido de noiva e com um bilhete em que dizia sim para Jeremias. Nessa noite não houve folia. Deitado na rede a ver o mundão além das vistas que lhe pertencia, coronel Otílio disparou um tiro certeiro no coração.