segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Breganejomo-nos

 Por Ronaldo Faria


Wandeilton, que era para ser chamado de Wando não fosse o moço do cartório contra homenagem a ídolos e defensor dos nomes que nem precisariam de CPF para não ter outro igual, era desses que distribuía rosas vermelhas às futuras ou nunca feitas amantes, fazia versos em dodecassílabos, fosse lá o que isso fosse, declamava poemas de outros criadores e se dizia às portas da morte se a desejada decidisse nem um beijo no rosto dar.
Wandeilton, trabalhador de obra civil, onde a civilidade não volta apesar do esforço sol a sol de carregar tijolos e sacos de cimento, era um a mais. Mal-ajambrado, desequilibrado no fio da navalha, desconjurado nas fés que a vida dá, ia a cada dia a tentar se achar. Acabadas as tantas horas de trabalho, corria para o boteco mais próximo onde uma dose de pinga fosse maior que o salário mirrado do término do mês. E lá ouvia que a dor um dia iria acabar.
Na estrada que o sortilégio se faz descrédito e demanda, Wandeilton surgia enamorado da orgia que o desejo previa ser real. Mas, ao fim de cada madrugada, quando o dia tragava as gotas que ainda teimavam em descer do copo em embriaguez, voltava ao alojamento da obra para dormir a ouvir o ronco do Alcino, paraibano atarracado e altaneiro. Assim, a cumprir seu capítulo fagueiro, lembrava de ter construído o viaduto de mão única e primeiro.
No dia seguinte, quando o mesmo pedinte tentava conseguir um pão dormido da sopa de pacote de letrinhas, Wandeilton molhava o corpo na água fria que corria dos canos que vinham da rua e retomava sua sentença tensa. Na cabeça, além do capacete obrigatório que fervia a moleira, a esperança de encontrar um amor. Como diria Wando, uma moça para se abraçar e que mesmo não sendo tão pura pudesse, ao menos, embolar nos cabelos.
Assim, por fim, foi com Francineide, em homenagem às avós Francisca e Neide, por parte de mãe, que bateu o pé na maternidade e disse que sua filha não se chamaria Gretchen, que o pai queria colocar, que Wandeilton se encontrou. Numa esquina escura, onde gente pura não vai, se encontraram e se agarraram, se beijaram, desceram as roupas, se penetraram, gozaram, disseram foi bom pra você e pra mim, se desejaram e foram curtir o Wando cantar.
A partir desse dia, na mesmice de nossos todos dias (e deles também), passaram a ser um só. Depois, num casebre de periferia ou subúrbio, fizeram que nem lebre: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete filhos. Hoje, Wandeilton é chefe de obra e Francineide faz faxina pra quatro madames de bairro chique. Quando eles não estão em casa, Wancleide, filha mais velha, cuida dos outros rebentos. E assim, com esforço e bolsa-família, vão tocando a vida. Na parede, um pôster do Wando, que Deus o tenha, ganha destaque na sala. No quarto brilha solitária uma moldura com Nossa Senhora.

Acabou...

 Por Ronaldo Faria Acabou! Acabou o Carnaval, o sal da areia colado no corpo, o suor que escorreu entre perfumes falsos e tresloucados beijo...