Por Edmilson Siqueira
Nesses tempos de grandes discussões políticas, onde o racismo é um dos temas mais frequentes, estou ouvindo aqui uma ativista que não só sofreu na pele a discriminação por ser negra, como lutou contra o preconceito em praticamente toda sua carreira.
Estou falando de Nina Simone (1933-2003) e, para ter um bom conhecimento sobre sua carreira, nada melhor que uma coletânea com 14 gravações de vários gêneros.
Sim, porque embora seu nome seja relacionado mais ao jazz e ao soul, Nina passeou, como sua voz marcante, pelo folk, R&B, gospel e pop, tendo iniciado seus conhecimentos musicais no piano clássico.
Eunice Kathleen Waymon era seu nome de batismo. O nome artístico foi adotado aos 20 anos, para que pudesse cantar blues escondida de seus pais, em bares de Nova York, Filadélfia e Atlantic City. Eles não aceitavam sua opção de ser cantora, pois ela estudava para se tornar uma pianista clássica. "Nina" foi tirado de uma corruptela de "Niña", apelido que recebera de um antigo namorado de língua espanhola, enquanto "Simone" foi uma homenagem à atriz francesa da qual era fã, Simone Signoret.
Quando jovem foi impedida, por ser negra, de ingressar no Instituto de Música Curtis na Filadélfia, apesar de ter cursado piano clássico no famoso Juilliard School, em Nova York. A partir daí, se destacou por posicionar-se contra o racismo na crescente onda que tomava os Estados Unidos na década de 1960. E seu envolvimento foi tão grande que foi escolhida para cantar no enterro de Martin Luther King.
A coletânea que estou ouvindo (O Melhor de Nina Simone) começa com um clássico pop, "Don't Let Me Be Misunderstood" (Benjamin Marcus Caldwell), onde suas qualidades vocais se aliam a uma sincera interpretação, não deixando qualquer dúvida da qualidade de tudo que virá pela frente.
A segunda faixa já é um jazz dos melhores: "Do Nothin' Till You Hear From Me" (Ellington e Mills) com uma interpretação meio funkeada, ajudada pelos metais. Um show.
A faixa seguinte entra num campo onde Nina era craque: o jazz lento, que exige esforços vocais acima do normal e que só grandes cantoras conseguem. Trata-se de "Solitude" (De Lange, Ellington e Mills).
O jazz continua em alta na quarta faixa com o clássico "I Love You Porgy" (George Gershwin, Ira Gershwin e Heyward), do musical "Porgy and Bess" que ganhou com Nina uma de suas mais marcantes interpretações.
"Love Me Or Leave Me" (Donaldson e Khan) é a quinta faixa, também no estilo jazzístico, mas bem mais rápida e com um ótimo piano. Nina passeia pela música com a natural desenvoltura.
Um blues marcante aparece na próxima faixa e de ninguém menos que Bob Dylan - "I Shall Be Released"). O estilo pop segue em toda música, com um acompanhamento firme de uma guitarra e de teclados. Ótima faixa também.
"Work Song" (Adderley Brown Jr) é a sétima faixa. Mais um pop agitado que cai muito bem na voz de Nina.
A oitava faixa já nos remete à canção francesa (Nina viveu na França, onde morreu, aliás). E é um clássico: "Ne Me Quitte Pas" (Jacques Brell). A interpretação clara e meio seca de Nina retrata fielmente o sentido que o compositor quis dar ao apelo à amada para que não o deixe.
"Gimme" (Stroud) já mostra uma Nina emprestando sua voz marcante para o mais puro rock and roll. Uma faixa que dá vontade de afastar os móveis e sair dançando ao melhor estilo dos anos 1960.
A décima-faixa - "Nobody Knows You When You're Down And Out" - é uma daquelas baladas que ficaram famosas nas vozes de grupos vocais, só que com uma qualidade melódica superior e que se encaixa muito bem na voz de Nina.
A faixa seguinte - "He Needs Me" (Arthur Hamilton) - traz o bom e velho jazz de volta. Uma canção lenta e triste, com um trio (piano, baixo e bateria) muito competente a acompanhar Nina.
A décima-segunda-faixa é "Spring Is Here" (Duke e Gershwin - há controvérsias sobre a autoria) e é também um belo exemplar da canção jazzística que as grande cantoras negras americanas costumavam embalar os cabarés. Nina mantém a tradição.
"My Babe Just Cares For Me" (Khan e Donaldson) é outro clássico do jazz gravado por muita gente. Nina não deixa por menos, captando toda a intensidade e ironia da canção. Destaque também, novamente, para o trio que a acompanha na faixa. Infelizmente, o CD não tem uma ficha técnica, apenas o nome das músicas e seus compositores, assim mesmo com algumas dúvidas sobre eles.
O disco se encerra no puro rock and roll, com um clássico do grupo The Animals dos anos 1960. Trata-se de "The House Of Rising Sun" (Holmer e White). Nina dá uma nova intepre,tação à música, puxando para o country e mostrando uma nova possibilidade para a famosa gravação.
O CD pode se comprado no Mercado Livre e em outros bons sites do ramo. Não encontrei no YouTube a gravação para ser ouvida, mas lá está quase toda obra de Nina Simone.