Por Ronaldo Faria
Garganta seca e cabeça cheia
de picuinhas, Venâncio vê a vida procrastinar e vaticinar que ainda deve haver
um lugar aonde chegar. E para tanto ele sai a procurar. Ser teimoso na prosaica
metamorfose que sofre a cada dia, percorre as ruas com seus asfaltos
remendados, seus passos cansados, seus parcos trejeitos refeitos de pouco ardor.
Malandro de si mesmo, catatônico, parte do aparte volátil e tátil do corpo da
amada perdida sabe-se lá quando, é o limite entre a morte que povoa cada veia
do seu coração.
Para Venâncio, a cortar bêbado
o trânsito da avenida que os carros irrompem sem pudor, o mundo virou um grande
labirinto retinto de sangue e solidão. Nas esquinas onde retinas e mulheres
transitam em casais, desamor e amor, surgem lampiões acesos de olhares e
trevas. Nalgum lugar, no inclemente dedilhar de um violão, um homem faz a
serenata que acorda o pai da amada ainda de pijama. “Seu filho da puta, são
duas horas da manhã! Ou para com essa merda ou te dou um tiro.” Atrás da
veneziana, a lágrima de Ana.
Venâncio, na crueldade que a
maldade da separação traz, prefere continuar seu prumo a ver o rumo que a
discussão irá tomar. “Afinal, cada um que busque o seu porém.” Logo mais na
frente, quase defronte dos arcos que fazem um bondinho correr sobre a
malandragem que o Rio desemboca em maré, irá se sentar num boteco qualquer. Na
sua mesa talvez se achegue um Zé Mané. Tanto faz. Ele nada ouvirá. Banido do derredor,
viverá a sua dor. Talvez quando o dia resolver renascer ele rirá da cena onde é
sempre mero aprendiz.
Na imaginação que apenas os
loucos profetizam em razão, a vazão banal de rimas na prosa que o coração
profana a beira do infindo torpor. Em louvor, o estupor do desejo que, mesmo benfazejo,
não virá. Quem sabe, porém, no último suspiro, quando tudo resolver parar,
Venâncio não veja que, como diz o poeta, há um mal ainda maior do que aquele
que ele vive. Sob os arcos brancos, dois mendigos mancos pedem esmolas e um
teco do baseado que o casal, amofinado e já louco, tem como derradeira razão de
viver.
(Ao som de Eduardo Gudin)