terça-feira, 15 de outubro de 2024

Elis e Toots

Por Edmilson Siqueira



Há uns 20 anos, eu estava em Barão Geraldo, mais precisamente numa galeria chamada Tilly. O que eu estava fazendo lá não tenho a mínima ideia, mas me lembro de uma loja de discos (de CDs, né?) e dentro dela o meu amigo Tatá. Amigo é modo de dizer, pois não éramos próximos, mas sempre que nos encontrávamos trocávamos grandes papos sobre música. A primeira vez que o encontrei foi na lendária Raposa Vermelha, onde ele trabalhava e dali eu saí com meu primeiro LP de jazz, "Three or Four Shades of Blues", do genial Charles Mingus. A segunda foi num sebo ali da José Paulino, no Centro de Campinas. A gente se encontrava também em bares, principalmente no City Bar, em noitadas de cerveja e sanduíche e muito papo musical.
A terceira vez que encontrei Tatá foi nessa discoteca de Barão. Ele me contou que, por discordância musical, tinha saído do sebo e agora estava ali. E, me conhecendo, perguntou se eu tinha um disco chamado "Aquarela do Brasil", com Elis Regina e Toots Thielemans. Não tinha. Comprei sem ouvir, não só pelo gigantismo dos nomes, mas também porque o Tatá falou que era bom demais.
E é mesmo, pois desde então ele tem audiência cativa na vitrola (CD player, né?) e não dá para se cansar das interpretações particularmente perfeitas de Elis e da gaita jazzística de Toots, sempre dando um molho especial à música.
Tatá, infelizmente, morreu há uns anos, mas, além da saudade dos grandes papos musicais, restaram essas duas lembranças, o CD do Mingus e esse desses dois artistas genais que se reuniram em Estocolmo, na Suécia, em 1969, para produzir essa joia rara.
Há dois textos no encarte, um deles sem autor, escrito apenas para o CD, que introduz o texto maior, do jornalista sueco Oscar Heldiund. No primeiro, ficamos sabendo que Elis não viveu para ver e ouvir o disco na versão digital além de outras informações. Diz o autor que se trata de um dos discos mais alegres e memoráveis de Elis: "Naquela época, em que Elis estava se apaixonando pela Europa pela primeira vez, tinha-se a impressão de que a juventude, energia e vitalidade aquela figurinha delicada irradiava eram eternas. Também pareciam eternos os ritmos que permeavam toda sua pessoa e a gama surpreendente de texturas, dinâmica e expressão contida naquela voz extraordinária, tão eternos quanto a garganta que os produzia."
Já o jornalista que assina o texto maior, que estava no LP original, é só elogios a ambos os artistas. Sobre o belga Toots: "... é capaz de tocar e assobiar e tocar para o sol da meia-noite de tal modo que os mosquitos caem mortos de tanta beleza."
Sobre Elis: "Nascida e criada no sul provinciano, onde deveria se tornar professora de jardim de infância. Mas não. Em vez disso foi para o Rio e começou a cantar. (...) o que foi bom para ela e para o Rio."
O CD não tem ficha técnica (talvez o LP tivesse) e, depois de muito pesquisa na internet, encontrei numa página chamada Discogs que parece ser de Portugal. Lá está que as faixas 3, 9 e 12 foram arranjadas por Claes Rosendahl. Que o contrabaixo esteve nas mãos de Jurandir Duarte, que o baterista foi o grande Wilson das Neves, que o violão foi do genial Roberto Menescal, a percussão de Hermes Contesini e o piano a cargo do também grande Antonio Adolfo. Com um time desse, Elis e Toots deitaram e rolaram...



O disco começa com nada menos que "Wave", um dos sucessos mundiais de Tom Jobim, cuja letra era para ser de Chico Buarque, mas ele demorou tanto que Tom só aproveitou a primeira frase, que Chico fez assim que ouviu a música pela primeira vez, na casa de Tom e levou a gravação para botar letra. Mas demorou...
E segue com "Aquarela do Brasil" (Ari Barroso) e "Nega do Cabelo Duro" (Rubens Soares e David Nasser) num mix que nem tinha esse nome quando foi gravado.
A gaita de Toots fica sozinha na terceira faixa, "Visão", de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar., mas Elis volta na faixa seguinte com "O Sonho" de Egberto Gismonti, apesar de na capa e no encarte essa música estar como a oitava.
Aliás, a relação das músicas está uma bagunça completa, por isso não vou dar aqui a sequência. Além das quatro já citadas, compõem o disco "Corrida de Jangada (Edu Lobo e Capinan); Wilsamba (instrumental, de Roberto Menescal); Você (Menescal e Bôscoli); o Barquinho (Menescal e Bôscoli); "Five for Elis" (T. Thielemans); "Canto de Ossanha"(Baden Powell e Vinicius de Moraes); "Honeysuckle Rose" (F. Waller e A. Razaf) e "A Volta" (Menescal e Bôscoli). 
Há vários sites de vendas de CD que têm o disco, com preços variados (alguns o chamam de raridade), mas ele pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=aIdrw46hOJU&list=PLVzIDK0SR6tAak9pFVnNdz7-B54Q8kHxy .

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