Por Edmilson Siqueira
Sarah McKenzie nasceu na Austrália, numa cidade chamada
Bendigo que, em 2016, tinha 92 mil habitantes. Ali, a partir dos cinco aninhos,
começou a ter aulas de piano. Quando tinha nove, um professor apresentou a ela
o rock, o blues e o boogie-woogie. Aos 15 anos ela ouviu um disco de Oscar
Peterson - "Night Train" - e aconteceu o que ela chamou de momento da
virada. "Era uma música tão alegre que eu soube na hora que era aquilo que
eu queria fazer na minha vida".
Ela também gostava de Gene Harris e Ahmad Jamal desde o
início, mas foi se tornando uma pianista de jazz muito habilidosa e uma cantora
altamente atraente. Por cerca de cinco anos, ela trabalhou semanas inteiras
tocando em clubes, hotéis e casamentos, construindo seu repertório e seu estilo
musical individual.
Como pianista e cantora, suas principais inspirações
foram Shirley Horn, Nat King Cole, Harry Connick Jr. e Blossom Dearie. Ela afirma que “todos eles contam histórias
por meio de seu canto e os ouvintes acreditam devido à sua sinceridade. Eles me
inspiraram a me preocupar mais em contar a história da música e alcançar os
ouvintes. A música é sobre evocar emoções e tem como objetivo tocar as
pessoas.”
Depois de alguns prêmios na Austrália, ela recebeu uma
bolsa integral para a famosa Berklee School of Music em Boston. Não demorou para que ela assinasse um
contrato com Impulse!, gravasse e fizesse turnês pelo mundo todo, realizando um
de seus sonhos ao tocar no Montreux Jazz Festival. Ela passou períodos vivendo
e trabalhando em Paris e Londres, e gravou cinco álbuns bem recebidos:
"Don’t Tempt Me", "Close Your Eyes", "We Could Be
Lovers", "Paris In The Rain" e "Secrets Of My Heart".
O sexto - "Without You" - foi lançado o ano passado e, em breve, será
motivo de um novo artigo sobre essa excelente cantora, pianista e compositora
de jazz, mesmo porque ele está recheado de músicas brasileiras.
Por enquanto vamos falar de "Paris in the Rain"
que me conquistou logo de cara pelo nome, já que, além de amar Paris sobre
todas as coisas, andei bastante por lá na chuva (no verão, claro) e depois
assisti ao filme de Woody Allen (“Meia-Noite em Paris”, ótimo, por sinal) onde
ele diz que Paris na chuva é ainda mais bonita. E é mesmo.
Vai daí que um disco com uma cantora bonita na capa e com
esse título, me conquistaria fácil, como de fato ocorreu. Só que o recheio
dele, com 12 ótimas interpretações de meia dúzia de standards e outra meia
dúzia de autoria dela, deixou tudo mais bonito.
"Paris in the Rain" foi gravado em junho de
2016 em Nova York para a gravadora Impulse! e dele participaram os músicos
Reuben Rogers (contrabaixo), Gregory Hutchinson (bateria), Dominick Farinacci
(trompete), Scott Robinson (sax alto), Ralph Morro (sax tenor), Jamie Baum
(flauta), Mark Whitfield (guitarra), Warren Wolf (vibrafone) e o brasileiro
Romero Lubambo no violão).
O disco abre com um clássico: "Tea for Two"
(Vincent Youmans e Irving Caesar) e Sarah aparece muito à vontade, passeando
pela rápida melodia sem problema algum. O solo do trompete completa o ótimo trabalho.
A segunda faixa é da própria Sarah e é a que dá nome ao
disco. "Paris in the Rain" é deliciosamente suingada, com Sarah,
autora da letra também, misturando inglês com francês e também mostrando que entende
de improviso ao piano.
A seguinte faixa é de Sarah também, "One Jealous
Moon". Com um arranjo inicial mais pesado, a "lua ciumenta" de
Sarah se desenvolve lisa pela batida jazzista, com o devido auxilio do saxofone
alto.
A quarta música, "Little Girl Blue" (Richard
Rodgers e Lorenz Hart) tem um início que nos leva ao pop, mas logo se percebe o
forte blues serpenteando na melodia ao som apenas do piano e do contrabaixo,
com a bateria entrando apenas de leve para manter o clima. Ótima faixa.
"I'm Old Fashioned", a quinta faixa, nos leva
para um tempo mais antigo, como o próprio nome diz, com os metais fazendo o
contraponto como nas antigas orquestras.
O ritmo latino prevalece na sexta faixa, a balançada
"When in Rome" (Cy Coleman e Carolyn Leigh) que nada perde para um
bom bolero.
Na sétima faixa, Sarah homenageia um de seus amores
musicais, no nosso maestro soberano Antonio Carlos Jobim. "Triste"
tem o acompanhamento adequado de piano, violão, flauta e bateira. Ela canta a
versão em inglês e não fica devendo nada às cantoras brasileira e
norte-americanas que também gravaram o sucesso mundial de Tom Jobim.
Outro clássico abre a faixa seguinte:"Embraceable
You" (George e Ira Gershwin). Respeitando os compositores, Sarah canta
lentamente o eterno sucesso dos irmãos Gershwin, acompanhada somente do violão
de Romero Lubambo. É o momento intimista, com muita classe, do disco.
"In the Name
of Love" (Kenny Rankin e Levitt Estelle) é a nona faixa, essa já com um
trio muito afinado composto por guitarra, bateria e contrabaixo. Destaque justamente
para o solo de guitarra, onde Mark Whitfield mostra rara habilidade.
Outra música de Sarah invade a décima faixa: "Don't
Be a Fool", uma canção lenta, mais próxima do pop do que do jazz, mas que
não fica devendo em qualidade às outras da autora.
A faixa número onze é outra de Sarah, "Onwards and
Upwards!". Como o próprio nome indica é uma canção rápida e otimista, onde
Sarah pode demonstrar também seu talento ao piano. Os destaques vão para os
belos improvisos de Jamie Baum na flauta e de Dominic Farinacci no trompete.
A volta dos clássicos acontece na faixa número doze, com
"Day In Day Out" (Rube Bloom e Johnny Mercer) que Sarah interpreta
como uma veterana da canção, se acompanhando ao piano. O solo de sax de Ralph
Moore também é ótimo.
Por fim, encerrando os trabalhos, "Road Chops",
também de Sarah. E, surpresa! trata-se de um instrumental que, tanto Sarah ao
piano como toda a trupe de músicos se encarrega de dar uma aula como se uma
orquestra fosse. Sensacional!
O CD está à venda nos bons sites do ramo e pode ser
ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_n1JE1je1zmxD-n8hSnMS3KzWTmTihzI-s.