sábado, 30 de abril de 2022

Mestre Marsalis

Por Edmilson Siqueira 

Wynton Marsalis há muito deixou de ser apenas um excelente instrumentista de jazz e de clássico dos EUA. Ele já é uma entidade que, do alto dos seus mais de cem discos gravados, esbanja talento, inteligência e preocupação em formar novas gerações de jazzistas. Tenho alguns discos dele e já assisti várias vezes, ao vivo, pela página no YouTube, a seus concertos de jazz no Lincoln Center de Nova York, onde é diretor do Jazz at Lincoln Center, organização fundada em 1987 e inaugurada no Time Warner Center em outubro de 2004. Além de diretor, Marsalis é o líder da Orquestra de Jazz do Lincoln Center.   


Um dos CDs dele que tenho é o duplo The Wynton Marsalis Quartet Live at Blues Alley. Gravado nos dias 19 e 20 de dezembro de 1986, foi lançado dois anos depois. Foi seu décimo-primeiro disco e, sobre ele, o Marsalis escreveu em seu blog: “Nos anos 80, eu adorava tocar Blues Alley em Washington DC. Sempre me lembrei de qualquer clube que teve a coragem de me contratar quando comecei. Blues Alley nos deu um de nossos primeiros shows em 82. Todo mês de dezembro, tocávamos e o clube ficava lotado com uma grande diversidade de pessoas de todas as gerações. Eu estava tão feliz por estar tocando com Marcus Roberts e Bob Hurst e Tain Watts, estávamos tentando todos os tipos de coisas diferentes e o clube foi tão solidário quanto o público. Foi um momento lindo musicalmente e socialmente.” 

E essa felicidade de tocar num clube muito especial para ele e seu grupo está traduzida em todas as 16 faixas dos dois CDs. Nelas, Marsalis passeia por vários clássicos do jazz, destilando improvisos que remetem a todas as referências possíveis dos gênios do trompete, de Louis Armstrong a Chet Baker. Marsalis é, sem dúvida, um dos gênios do jazz, só que seu talento não cabe apenas nesse ritmo. Já ganhou até prêmio Grammy pelo melhor disco clássico no mesmo dia em que ganhou pelo melhor disco de jazz. 

 

Há quem o critique pelo excesso de técnica, o que poderia deixar um pouco “fria” as interpretações que exigem um pouco mais de feeling. Ledo engano: sua refinada técnica adquirida em estudos que começaram muito cedo, permite que ele entre e saia com a mesma competência em todos os caminhos que o improviso jazzístico pode levar.  

 

Esse CD ao vivo é uma prova cabal dessa genialidade. Pode-se pensar que se trata de Coltrane ou Bird quando o be-bop impera. Ou de Chet Baker quando o som melodioso envereda por entre as nuances de uma balada. É apenas Wynton Marsalis, elevado à categoria de mestre há muitos anos e que continua preocupado com a história da música que seus ascendentes criaram nos EUA. Prova disso é série Jazz, onde ele aparece em vários momentos comentando e louvando a história e a música que alguns de seus ídolos criaram e que hoje ele tão bem representa. 

 

O CD ao vivo gravado no Blues Alley passeia por clássicos como Cherokee, Just Friends, Autum Leaves ou Do You Know What It Means To Miss New Orleans. E tem todo um clima que só pode ser fornecido por uma casa como essa, que existe desde 1965 e pela qual já passaram muitos dos gigantes do jazz, como Dizzy Gillespie, Sarah Vaughan, Nancy Wilson, Grover Washington Jr., Ramsey Lewis, Charlie Byrd, Maynard Ferguson, Eva Cassidy etc... 


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube neste endereço: https://youtu.be/A-h1l5of82g?list=OLAK5uy_mK5ErGLGbTYemMxEJsNEYnROP41dfK2_I  

E também pode ser encontrado em alguns bons sites do ramo. Preste atenção aos preços, pois há diferenças exorbitantes entre eles.  

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Ao Flávio Venturini

 Por Ronaldo Faria

Coisa de dedilhar e ficar no pandemônio que existe entre o início e o fim. Talvez um tempo extemporâneo ou coisa volátil qualquer. Segundos de ver alguém a fumar e depois vê-la morrer. E tudo segue normal como se nada fosse frigir. No ribeirão da iniquidade de ser, a premente canção do porvir. O descrer de uma chaminé que já não há. Volúpias de voltar a ser. Parcimônias de um ser franzino onde a paisagem parece não crer. Brincadeira de acalantos e prantos tão demasiados que o mundo parece não lhes dar cânticos. Nos cantos de um escuro qualquer haverá um Papai Noel a tentar, sem conseguir, descer. E fuligens cairão da chaminé como fossem um grão de pó. Narizes irão cheirar féculas brancas de loucura. Ares de maresia irão margear impróprios falsetes que tornearão o tempo que ainda se vai viver. No calor de cada corpo, o trocar de paixões em tudo. Ao clímax de algo, o ultrajante querer daquilo que se sonhou.   

quinta-feira, 28 de abril de 2022

O primeiro disco de Ricardo Matsuda

Por Edmilson Siqueira 

Ricardo Matsuda é hoje um artista reconhecido e muito respeitado no meio musical brasileiro. Se não é conhecido do grande público é porque seu talento o levou para um tipo de música que não frequenta rádio e televisão populares. Mas é bom, muito bom.

 

Violonista, compositor e arranjador, há passeou por alguns estilos, já gravou vários discos, já tocou outros instrumentos de corda, participou de vários grupos e sempre deixou a marca de sua personalidade musical. 


Já formou trios com gente do quilate de Pepe D’Elia (baterista) e Ronaldo Saggiorato (contrabaixo); já participou, por vários anos e com muitos prêmios, do Grupo Anima. O grupo ficou conhecido pelo trabalho original a partir da pesquisa de repertório da música antiga ibérica e da tradição oral brasileira. Entre 2001 e 2008, período em que participou do grupo, gravou dois discos, que renderam turnês por 18 estados brasileiros e concertos na Argentina, Bolívia, Canadá, Colômbia, Estados Unidos, México, Paraguai e Uruguai. 


Formou um duo com a cravista Patrícia Gatti e com ela gravou dois discos "Contos Instrumentais" e "O Cravo e a Rosa - Suítes Populares para Cravo e Violas Brasileiras", com uma inédita e bonita sonoridade obtida da união entre a viola caipira e o cravo. Ambos os discos foram muito bem recebidos pela crítica especializada. 


Só que quando gravou "Dança das Estações", o disco que vou sugerir hoje, Ricardo nem pensava nisso tudo. Foi antes de sua entrada no Anima que, no inverno de 2001, ele entrou no MM Estúdio para gravar 9 músicas de sua autoria e uma de Kosaku Iamada e Rofu Miki e outra de Mané Silveira. 


Para a empreitada estavam presentes duas cantoras - Isa Taube e Érika Sasazaki - e os músicos Mané Silveira (sax e flauta), Guilherme Ribeiro (acordeão) e Dalga Larrondo e Magrão (percussionistas). 


Ricardo Matsuda toca violão em todas as 11 faixas, algumas solitariamente. O que se ouve por todo o disco é uma música instrumental rica em detalhes, com duas delas soladas pelo sentido canto de Isa e Érika, e que guardam uma característica comum: são de alta qualidade. 


A voz de Isa passeia pelo Canto do Povo do Vale, primeira faixa, lentamente, e a todo momento se pensa em Milton Nascimento, tal a beleza da música e a sonoridade do solo vocal.  

Coqueiral, Akatombo, Invernal, Latina, Marcha da Praia, Outrora, Aleijadinho, Boya, Outono e O Pequeno Tigre, completam o disco, num verdadeiro show de música instrumental da maior qualidade.  

Infelizmente não encontrei cópia do CD no Youtube e nem à venda nos bons sites do ramo. Se alguém encontrar por aí pode comprar, que é muito bom. 

quarta-feira, 27 de abril de 2022

Charlie Brown Jr

 Por Ronaldo Faria

Noite, abismal abismo entre a realidade e o cismo. Cataclismo e sofismo. Ínfimo cântico no ir e vir. Versejos e tracejos entre o ir e vir.  Gracejos de quem ainda estar por se ouvir. Cansaço, asco, grasso querer. A morte está perto de viver. 


terça-feira, 26 de abril de 2022

Mojo Mamas, o grande blues de Chicago

Por Edmilson Siqueira 

Foi o Osny, na saudosa Hully Gully Discos da Dr. Quirino, no Centro de Campinas, quem me mostrou o CD. Logo de cara ele me disse: "Olha só que capa!" E realmente a capa é linda, como vocês podem ver mais abaixo. Trata-se de um quadro do artista plástico John Carrol Doyle. O nome do CD é o mesmo do quadro, Mojo Mamas e, embora a capa apontasse para um grupo tocando blues num local que leva a pensar ser um cabaré do sul dos Estados Unidos (na verdade a turma é de Chicago), eu confesso que nunca tinha ouvido falar das Mamas que aqui se apresentam. São todas da cena musical negra de Chicago e só essa informação já nos leva para uma música forte e vibrante, com detalhes jazzísticos, de rock, mas principalmente de blues que é a fonte onde todas beberam desde criancinha. 


Mojo é uma palavra do inglês que tem origem numa crença folclórica, mas com o tempo passou a significar uma qualidade que pessoas têm para atrair outras e que faz de você uma pessoa bem sucedida e cheia de energia.   

Linda Cain, no longo texto do encarte que acompanha o disco, destaca que "Mojo Mama é um personagem criado pelo artista para encarnar o espírito indomável da atemporal cantora de blues. As mulheres talentosas do Blues de Chicago definitivamente têm seus "mojos" trabalhando horas extras: basta ouvir uma vez e essas mulheres chorosas lançarão seu feitiço em você!" A maior parte do texto é para falar de cada uma das oito mulheres que cantam as 14 músicas do CD. Não são cantoras que estão em filmes ou em paradas de sucesso por aí. Na verdade, acho que no Brasil, poucos as conhecem. Mas nada disso quer dizer que lhes falta alguma qualidade no que se propõem a cantar. Muito pelo contrário: todas são ótimas.  


É o mais puro blues de Chicago. Alguns podem pensar que a cidade, por ficar no centro-norte dos Estados Unidos, à margens do Lago Michigan, não estaria geograficamente adequada para ser berço do blues, pois este nasceu no Sul, nas plantações das fazendas tocadas pelos escravos negros vindos da África. 


Mas, diz a história que o tal do "Chicago blues é uma forma de música que foi criada em Chicago com a adição de instrumentos elétricos, bateria, piano, baixo e algumas vezes saxofone ao estilo básico de cordas/gaita do Delta blues."  


E, para deixar claro que a origem é a mesma, o texto pinçado da Wikipédia, completa: "Este estilo desenvolveu-se principalmente como consequência da grande migração de trabalhadores negros pobres do sul dos Estados Unidos para as cidades ricas do norte, Chicago em particular, na primeira metade do século XX." 


Como se vê, o blues de Chicago tem berço e isso fica mais que provado nesse Mojo Mamas, gravado nos dias 6 e 7 de dezembro de 1999, no Riverside Studio em, naturalmente, Chicago.  

As cantoras que fazem uma verdadeira festa nas 14 faixas do disco são: Graná Louise, Shirley Johnson, Sarah Streeter, Zara Young, Gloria Shannon, Maggie Burrell, Mary Lane e Pat Scott. 


Quando o Osny botou pra rodar o disco na lendária lojinha da Dr. Quirino, eu percebi que iria comprá-lo para ouvir sempre em casa. E foi o que aconteceu. Hoje, as mamas do Chicago Blues comparecem nas caixas de som sempre que o ambiente requer uma recompensa musical para atenuar os tristes dias que vivemos, cheios de corrupção, ignorância e guerra.  

O CD que tenho é importado e acho que não há edição brasileira. Mas tem na Amazon americana à venda. Preste atenção se for comprar porque o preço é em dólar. 

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...