segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Presente de Natal de Diana Krall

Por Edmilson Siqueira 

Já escrevi aqui que tenho quase todos os discos de Diana Krall. E hoje vou escrever sobre mais um deles. Um dos melhores, por sinal. É o trabalho que ela fez sobre as músicas de Natal. Tradicional entre grandes artistas da música nos Estados Unidos, o "disco de Natal" está presente no catálogo de Frank Sinatra, Nat King Cole, Elvis Presley e muitos outros.  


Diana, jazzista das melhores, abre seu disco, lançado em 2005, com a mais que tradicional "Jingle Bells", de James Pierpont, mas a seu modo. Uma interpretação bem rápida, com muito swing e com acentuada participação dos metais da Clayton/Hamilton Jazz Orchestra que, aliás, está presente em quase todas as faixas do disco. Ficou ótimo. 

"Let It Snow" de Julie Styne e Sammy Cahn, é outra das mais tradicionais e presentes em quase todos os discos natalinos. Aqui Diana também força no swing fazendo um espetacular duo com a orquestra. 


A terceira faixa é "The Christmas Song", de Mel Tormé e Robert Wells. Suave, ela serve para aliviar o clima acentuado das duas faixas anteriores. É mais uma ótima interpretação intimista de Diana, com seu piano discreto e correto. 


"Winter Wonderland", de Felix Bernard e Richard Smith, vem a seguir, retomando a marcação mais forte, desta vez feita, inicialmente, pelo contrabaixo, mas que se completa com a sessão de metais da orquestra.  


Outra tradicional dessa época: "I'll Be Home For Christmas" de Kim Gordon, Walter Kent e Buck Ram, volta às baladas românticas que Diana domina tão bem.  

O clima romântico prossegue com "Christmas Time Is Here", de Vince Guaraldi e Lee Mendelson, para ser quebrado logo em seguida com "Santa Claus Is Coming To Town", de Fred Coots e Haven Gillespie, que foi gravada como rock por Bruce Springteen, mas aqui ganha ares mais jazzísticos e calmos, sem perder o balanço, com outra grande participação dos metais da orquestra. 


"Have Yourself A Merry Little Christmas", de Ralph Blane e Hugh Martin, volta o aconchego da balada romântica, preparando o espírito do ouvinte para a, talvez, mais gravada música de Natal de todos os tempos: "White Christmas", de Irving Berlin, num arranjo especial, apenas com piano, guitarra, contrabaixo e bateria. Outra gravação intimista, fugindo um pouco à regra de outras gravações dessa música, mas que destaca a belíssima melodia do grande Irving Berlin.  


A décima música do álbum é "What Are You Doing New Year's Eve", de Frank Loesser, que começa com um belo solo de guitarra, preparando o clima meio tenso da música, que tem Tamir Hendelman a bordo de um piano Fender Rhodes, dando um toque especial à faixa.

"Sleigh Ride", de Leroy Anderson e Michael Parish, vem a seguir, numa interpretação alegre e bem marcante de Diana, com alguns bons solos de trompete e trombone. 

Encerrando a seleção, temos "Count Yours Blessings Instead Of Sheep", quase uma oração sussurrada por Diana no início, para depois ganhar os ares de balada natalina escrita por Irving Berlin. 


Taí uma boa sugestão de presente natalino, já que estamos quase entrando nesse clima.  


O CD está à venda ainda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido no YouTube em https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_kATE-Vs06L3ewWiOC-atMIlgkm9JbyoSs . 

sábado, 29 de outubro de 2022

A "Bahia" de John Coltrane

Por Edmilson Siqueira 

"Bahia", com John Coltrane. É o que estou ouvindo agora. Sim, "Bahia" de Ary Barroso, gravada em julho de 1958. Tá bom, você conhece por "Na Baixa do Sapateiro"? Ok.  


Pois essa música abre o disco do mesmo nome e, no encarte, Robert Levin explica que, "durante os meses finais de seu trabalho e parceria com Miles Davis, John Coltrane participou de várias sessões de gravação para o selo Prestige e New Jazz, sem Miles e, às vezes, usando um ou mais integrante do grupo na sessão rítmica. Esse disco, "Bahia", é uma continuação da grande série de gravações daquele período, que teve um significado muito grande na obra de Coltrane." 


Em "Bahia", que tem 6 minutos e 15 segundos, Coltrane, entra de sola na bela melodia de Ary Barroso por cerca de 40 segundos. Depois, a música vai saindo de sua cabeça e seu sax se torna o condutor de uma sequência de sons que apenas seguem o ritmo da bateria de Art Taylor, até parar para dar vez ao piano de Red Garland que também viaja no improviso. Do mesmo modo, Paul Chambers no contrabaixo, faz com o arco sua participação solo na faixa. Só aos 5 minutos e 23 segundos, Coltrane volta com a melodia que os inspirou a todo esse improviso.  


A segunda faixa é "Goldsboro Express", do próprio Coltrane, e serve para ele mostrar suas qualidades de instrumentista, num som rápido com uma bateria meio insana, por 4 minutos e 41 segundos. É a menor das cinco faixas do disco. 

Depois vem "My Ideal", de Richardson Whiting. Trata-se de uma balada, que lembra outras fantásticas que ele gravou em "Coltrane For Lovers", um disco clássico de jazz, inclusive com a participação do cantor Johnny Hartman. Só que essa é mais longa, com seus 7 minutos e 30 segundo.  


A quarta faixa é  I'm a Dreamer (Aren't We All?)", de Sylva, Brown e Henderson, e ela serve para Wilbur Harden mostrar todo seu talento ao trompete. E Coltrane volta a frequentar o jazz mais contido, mais próprio de orquestras, mas sem perder a velha e grande categoria. 


Por fim, "Something I Dreamed Last Night", de Yellen, Magidson e Fain, também é uma belíssima balada, que cai muito bem no estilo de Coltrane. Por 10 minutos e 48 segundos, ela nos leva, ao som do sax, do contrabaixo e do piano a pensar num bom uísque ou num bom vinho para acompnhar seus lenmtos compassos.  


Apesar da música título do disco ser brasileira, o disco é importado. E está à venda em alguns sites, como Mercado Livre, por um preço um tanto quanto salgado. Não encontrei o disco inteiro no Youtube, mas todas as músicas estão lá, separadas. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Ao Gato Barbieri

 Por Ronaldo Faria

Estrada longa à frente. “Xongas”, diria um qualquer. “Milongas”, outro ninguém. O sax se solta ao entardecer. No escuro, um urro. Desejo incrédulo da mesa de bar e figura transfigurada do homem ao gole derradeiro. Espantalho num campo sem centeio. Na rua a mulher emudece diante dos faróis que rebrilham no asfalto enegrecido da fumaça que volatiza dos escapamentos. À espera do nada, filigranas de paixão se espalham no espelho que a tudo reluz. Desnudo, o dia se embriaga de beijos e trejeitos, carícias mil. Vozes roucas e rubras se desvanecem na penumbra tardia da vida. Entre um gole e outro, o abraço solto do louco que se entrega à orgia da solidão. Em sofreguidão. Afinal, na estrada longa à frente há um percurso, o transcurso entre o tátil e o taciturno. O limite entre o homem e o semideus. A incerta realidade entre a chegada e o adeus. A brincadeira sem eira e nem beira às margens do mar. No barco distante, o pescador enche a rede de incertezas e senões. Um peixe aqui e outro acolá se atiram para a morte. Uma sereia dança aos cânticos das conchas que brincam nos ouvidos dos menos precavidos. Na ponta do cais, a mulher chora seus derradeiros ais. Perto, o bonde se bandeia para qualquer lugar. O menino sobe no estribo a gargalhar. Da calçada, o moço vê os joelhos da moça na saia que o vento faz rodar. Ao som do sax, o tempo parece parar. Acima, uma pipa parece papear com a noite que chega por chegar...

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Um disco que entrou para a história

 Por Edmilson Siqueira 

O genial Miles Davis volta à tona nos meus prazeres musicais. Dia desses, recebi de um amigo as histórias dele com Hermeto Paschoal quando se encontraram em Nova York e gravaram juntos algumas músicas. No disco em que elas foram publicadas, não há créditos pra Hermeto. O Bruxo se zangou? Não. Disse que se Miles achava que as músicas eram dele, então eram. 


Mas essa fase de Miles com Hermeto já era, para mim, outro Miles. O genial trompetista de jazz já havia desaparecido há uns tempos para ser substituído por um músico totalmente inquieto, buscando novas formas de exprimir, pela música, o que seu cérebro engendrava. O resultado, para mim, ficou a desejar. Não gosto de música experimental e é com isso que se parece quase tudo que Miles fez depois que abandonou o jazz que fazia e que andou revolucionando a música. 


Mas o que está tocando aqui por esses dias é seu mais perfeito trabalho: "Kind of Blue", lançado em 17 de agosto de 1959 e, até hoje, considerado por muitos como o melhor disco de jazz de todos os tempos. Eu, particularmente, não chego a tanto e, confesso, tenho dificuldade para definir um disco, ou mesmo um artista, como o melhor de todos. Gosto de muitos e passo ao largo dessas listas.  


Com Davis, havia um time do maior respeito, alguns músicos que também podem ganhar o título de geniais.  Senão vejamos:  Julian "Cannonball" Adderley (saxofone alto); John Coltrane (saxofone tenor); Bill Evans (piano); Wynton Kelly (piano em "Freddie Freeloader"); Paul Chambers (contrabaixo) e Jimmy Cobb (bateria). Só cobra criada. 

"Kind of Blue" foi gravado em duas sessões realizadas no 30th Street Studio da Columbia Records, em Manhattan. Em 2 de março de 1959, as músicas "So What", "Freddie Freeloader" e "Blue in Green" foram gravadas para o lado A do LP original e, em 22 de abril do mesmo ano, foi a vez das canções "All Blues" e "Flamenco Sketches", perfazendo o lado B.  


Em 2008, antes mesmo dos 50 anos do lançamento, a Columbia lançou uma edição comemorativa do cinquentenário do antológico disco. É o CD dessa caixa e que reproduz o LP original que estou ouvindo agora. Ela é chamada de "Edição de Colecionador" e, a versão brasileira, vem numa caixa com dois CDs, um DVD e um folheto com 12 páginas, como ótimos textos e belas fotos da gravação. Havia também uma camiseta com a estampa de Miles em corpo inteiro, da gola até a barra. Só que eu precisaria ser um jogador de basquete para preenchê-la. Dei de presente para um amigo da minha filha que tinha (ou tem) mais de 1,80m. Na versão dos EUA há ainda um livreto com 60 páginas. 


O primeiro CD, com a obra original de "Kind of Blue" completa tem, além da tomada alternativa de "Flamenco Sketches", um raro início falso para "Freddie Freeloader" e uma seleção de diálogos de estúdio registrados durante as gravações do disco. No segundo, há mais materiais musicais raros das sessões com o sexteto, incluindo alguns do encontro de 26 de maio de 1958, os quais já haviam sido lançados em The Complete Columbia Recordings: 1955–1961 e em 1958 Miles. Também no segundo CD, há a primeira versão disponibilizada legalmente de uma gravação de performance ao vivo estendida da música "So What" num concerto de 1960 em Haia. 


Há, ainda, um DVD com um documentário que aborda a concepção e gravação de "Kind of Blue". O DVD conta também com vídeos do programa de TV "Robert Herridge Theater: The Sound of Miles Davis", que foi ao ar originalmente em 2 de abril de 1959, estrelado por Miles Davis e John Coltrane.  


É, sem dúvida, um disco soberbo, feito quase todo ele sem uma definição anterior do que se iria tocar. Segundo Bill Evans, que assinou a contracapa do disco original e cujo texto é reproduzido no encarte da edição comemorativa, "Miles planejou tais definições poucas horas antes das datas de gravação". 'So What' consiste em dois modos: dezesseis escalas do primeiro, seguidas por oito do segundo, e então outras oito escalas do primeiro. 'Freddie Freeloader' possui forma padronizada de blues de doze compassos. 'Blue in Green' é composta por um ciclo de dez escalas seguindo uma curta introdução de quatro. 'All Blues' é caracterizada como um blues de doze compassos em 6/8 tempos. 'Flamenco Sketches' configura-se com cinco escalas, cada uma executada tão longamente quanto foi de desejo do solista, até que ele completasse a série". 


Claro que o melhor de tudo isso é ouvir o que esses músicos geniais, Miles em particular, fizeram há 63 anos e que até hoje continua sendo ouvido, comprado, estudado e serve como referência a quase tudo que se fez de jazz posteriormente. 

O CD está à venda nos bons sites do ramo e há várias versões no YouTube para se ouvir, mas a que reproduz fielmente o LP original (e traz um bônus com um vídeo de "So What") é essa:  https://www.youtube.com/watch?v=ylXk1LBvIqU&list=PLrhkpF1bKMG_D2sxTpxG63WGmIxYGB-Jt . 

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...