quinta-feira, 16 de junho de 2022

David Sanborn, o gênio do sax

 Por Ronaldo Faria

Noite, o que será de ti? Tardia, ínfima, eterna, antes da quaresma, na quaresmeira que invade a esmo o fim da tarde? E chega quieta, sócia emérita do ócio, oscilando entre a lucidez e a embriaguez. Taciturna, retorna frenética e imaginária àquilo que a fez viajar entre raios de sol, luares perdidos e poemas inebriantes, distantes e fugidios. Logo, bem-vinda seja...

Timeagain, CD do David Sanborn, me levou a voltar a escrever sobre “avaliação” de discos. Sei que não sou crítico de música, mas amo a música. Na verdade, ela me fez e faz companhia quase que diariamente. À música, os músicos e todos aqueles que a amam ou a devoram sem pudores, dediquei um livro, de 553 páginas: Botecos, Madrugadas, Poesias e Afins (https://www.amazon.com.br/Botecos-madrugadas-poesia-afins-Ronaldo-ebook/dp/B01BVML6RG/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=34KDMMIMRZSE9&keywords=botecos%2C+madrugadas%2C+poesias+e+afins&qid=1655250400&s=books&sprefix=botecos+madrugadas+poesias+e+afins%2Cstripbooks%2C172&sr=1-1). Vale a pena ver e ler. E está barato. Ajude um escritor a curtir escrever e ouvir música.


Mas, feita a propaganda pessoal, vamos ao CD. David Sanborn, para quem não o conhece, vou apresentar após chupar uns dados da Wikipédia. Ele é um saxofonista norte-americano que já ganhou seis prémios Grammy, além de ser um dos campeões mundiais de vendagem no gênero instrumental, com cerca de sete milhões de cópias. Ele já acompanhou  Eric ClaptonRoger DaltreyStevie Wonder, Burt Bacharach, Paul SimonJaco Pastorius, The Brecker BrothersDavid BowieLittle FeatBob JamesJames TaylorAl JarreauGeorge BensonJoe BeckDonny HathawayElton JohnGil EvansCarly SimonLinda RonstadtBilly JoelRoger WatersSteely DanWeenThe Eagles, Michael Stanley, o grupo alemão Nena e a pop star japonesa Utada Hikaru, além do nosso Djavan, entre outros.

No seu currículo ele tem, segundo a Wikipédia, 27 discos. No seu site oficial (https://www.davidsanborn.com/) são marcados 24. Vou me ater a um CD de 1994: The Best of David Sanborn. Ao todo são 16 músicas que juntam Smooth JazzJazz-FunkContemporary Jazz por rápida uma hora e 15 minutos. Afinal, como diz o ditado popular, tudo que é bom dura pouco. Nele, há Chicago Song, The Dream, Let's Just Say Goodbye, Slam, Lesley Ann, Carly's Song, Anything You Want, A Tear for Crystal, Over and Over, It's You, Hideaway, Rain on Christmas, As We Speak, Lisa, Neither One of Us e Lotus Blossom.



A única coisa incrível e crível é que após este CD, que se propunha ser o melhor dele, vieram outros dez discos. Ou seja, veja esta obra discográfica como a antologia até 1994. Ele fez depois mais coisas e muito melhores. Aliás, David Sanborn é daqueles músicos que a gente fica a decifrar se a sua mágica não esteja em ter acompanhado tanta gente boa e abstraído, por osmose, um pouco de cada um deles. Se eu fosse você, buscaria saber mais dele. Vale a pena. 


Eu o descobri através do Pedrinho, que tinha uma loja musical na Barão de Jaguara, nos áureos tempos dos anos 80 e 90 do século passado e me apresentava sempre o que havia de bom. Diria que ele foi o meu mestre para abrir a mente ao inusitado de qualidade. Logo, se você tiver condições, segue aqui o roteiro de shows do David Sanborn para este mês em https://www.davidsanborn.com/tour. Se eu pudesse, iria. Mas com o dólar nas alturas, fico daqui curtindo os discos que tenho dele. Posso até ter bom gosto musical, mas me falta o vil capital.


Ps.: um rápido aviso – vou retomar a análise de discos e algumas escritas pessoais intercaladas. Afinal, há que se viver aquilo que se achar melhor. E a vida, creiam, é rápida e voa.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Brasileiro Profissão Esperança. Ainda

Por Edmilson Siqueira 

Em 1974, um espetáculo musical e teatral estreou no Rio de Janeiro, com Clara Nunes e Paulo Gracindo. "Brasileiro Profissão Esperança" tinha músicas de Dolores Duran e seus parceiros e Antonio Maria também com parceiros. Clara cantava tudo, fugindo até ao seu estilo, já que havia se tornado uma cantora de samba. Paulo, com sua enorme experiência radiofônica e como excelente ator, deitava e rolava nos textos. Os textos eram de outro craque: Paulo Pontes e mostrava, de modo poético e com grande desenvoltura cenas da vida de Dolores Duran e Antonio Maria. A direção coube a ninguém menos que Bibi Ferreira.  


O espetáculo, comme il faut, foi um enorme sucesso de crítica e público e o melhor de tudo é que dele saiu um disco, gravado ao vivo e que, depois, se tornou um CD. E eu tenho o CD.  


Paulo Pontes e Bibi Ferreira, no texto do encarte, nos revelam o motivo da união num só palco de dois compositores distintos que, acho eu, jamais foram parceiros: "Antonio Maria e Dolores Duran se tivessem sido irmãos não seriam tão parecidos. Os dois gostavam de viver mais de noite do que de dia, os dois faziam canções, os dois precisavam de amor para se inspirar, eram puxados pra gordo e, mesmo na hora da morte, os dois foram atingidos por um só inimigo: o coração." 


Os depoimentos de artistas e de críticos que assistiram ao show e que o encarte do CD preservou nos dão conta da grandeza do show e da emoção que ele provocava na plateia.  


"Já assisti ao Brasileiro três vezes, aos prantos, não nego. É um espetáculo grandioso, comovente, verdadeiro." (Maysa)  


"Não preciso dizer que fui atendido num Instituto de Cardiologia ao final do show..." (Mário Lago) 


Um trabalho inteligentíssimo de Paulo Pontes. Não é preciso dizer nada sobre o espetáculo: é maravilhoso." (Chico Buarque) 


"Afinal um programa obrigatório para quem gosta de ver sua inteligência respeitada mesmo nas horas de lazer." (Maria Helena Dutra - Revista Veja) 


O repertório não deixa por menos. Afinal, Dolores Duran e Antonio Maria foram autores de algumas das canções mais icônicas do repertório romântico da MPB. 


"Ternura Antiga", que ainda hoje arranca suspiro dos apaixonados, abre o espetáculo, criando com perfeição o clima que virá a seguir. E segue com "Ninguém Me Ama", Valsa de Uma Cidade", "Menino Grande", "Estrada do Sol", "Manhã de Carnaval", "Frevo Número Dois do Recife", "Castigo", "Fim de Caso", "Por Causa de Você", "Pela Rua", "Canção da Volta", "Suas Mãos", "Solidão", "Se Eu Morresse Amanhã de Manhã" e "Noite de Paz". 


As músicas são todas intercaladas por textos fantásticos de Paulo Pontes, extraídos, em parte de artigos de Antonio Maria e poemas de outros autores, misturados a letras de canções, num trabalho da mais alta qualidade. O auge desses textos, numa magnífica interpretação de Paulo Gracindo, ocorre quase ao fim do show, com o poema Cântico Negro, do escritor português José Régio. 

Na última participação de Clara Nunes, que se revelou também excelente intérprete de um repertório diferente do que costumava cantar, ela descreve a morte de Dolores Duran, em 24 de outubro de 1959, aos 29 anos. Antonio Maria viveu um pouco mais. Morreu em 15 de outubro de 1964, aos 43 anos.  


Paulo Gracindo morreu em 1995, aos 84 anos. Já Clara Nunes, talvez a cantora de maior sucesso no Brasil quando morreu, foi vítima de uma anestesia indevida para uma operação de varizes e teve um choque anafilático, em 1983, quatro meses antes de completar 41 anos.   


Por fim, dizer que, quase meio século depois da estreia desse espetáculo, a profissão de todos nós continua sendo, principalmente, a esperança, é uma triste constatação de que nosso país continua patinando na amargura, no desespero e no deboche dos políticos todos que insistem em roubar e desgraçar, cada vez mais, um povo cuja maioria não tem nada a não ser a própria ignorância para oferecer.  


O CD e até o LP ainda podem ser encontrados nos bons sites do ramo. E também pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Hz5Gpl0WAn8 .

terça-feira, 14 de junho de 2022

Ele não é da música, mas poderia sê-lo... de boa.

 Por Ronaldo Faria


Ao poeta Antonio Contente, meu mestre

10/02/2017

 “O que melhor conta a história de certas casas são os telhados. Pois é sobre eles que caem as chuvas e se formam as cascatas dos beirais. Quando fortes, lavam; quando apenas pingam, falam aos bicos dos passarinhos. Tive telhados que abrigaram meu coração. Sem se importar, depois, de cobrir as saudades.” (Antonio Contente)

Telhados molhados que escondem os corpos de dois amantes a se embriagarem de beijos e cheiros, suores e ardores mil. Que protegem o desmesurado e calado depois do que vem como imensidão do mar. Que versejam sílabas e sábados, dias úteis e fúteis na imensidão finda do amar.

Telhados secos e ofegantes, carnais e lancinantes, a protegerem saudades de um poeta maior, a abrigarem anuviadas intempéries que teimam em atrapalhar os corpos que copulam além do arfar. E são apenas tremas que não mais existem, tramas que unem a rosa aberta e o chegar em riste.

Telhados feitos e refeitos em jeitos que a gente nem sabe o que será. Mistérios que só dois sabem descrever. E tudo ficará neles, porque o mundo não tem o que viver ou dar. Entre o quadrado que for, às mais saudosas horas de um poema qualquer, dormirão, refeitos, homem e mulher.

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Jazz em Paris não tem fim

Por Edmilson Siqueira 

"Il n'y a jamais de fin à Paris et le souvenir qu'en gardent tous ceux qui y ont vécu diffère d'une personne à l'outre (...) Paris valait la peine, et vou receviez toujours quelque chose  en retour de ce que vou lui donniez" ("Paris nunca tem fim e a memória que todos os que lá viveram têm dela difere de pessoa para pessoa (...) Paris sempre valeu o esforço, e você sempre recebia algo em troca." (Hernest Hemingway, 1960, extraído de "Paris É Uma Festa") 


Pra quem, como eu, já esteve em Paris algumas vezes e ainda guarda pela cidade um amor que é, ao mesmo tempo, fácil e difícil de explicar, encontrar um disco que traz em sua capa a foto de um café parisiense na Place de la Madelaine, nos anos 1950, lotado, numa tarde que parece ser de verão e tem por título "Jazz in Paris", é praticamente impossível  deixar de comprá-lo. E pra completar, logo no início do texto do encarte, uma citação de Hemingway justo de seu romance mais famoso, escrito na capital francesa, onde ele cunhou a famosa frase "Paris nunca tem fim" iniciando um parágrafo que  se tornou icônico ao amantes da cidade. Aí você nem quer saber o preço e já se dirige ao caixa com o disquinho e o cartão de crédito nas mãos. 


Só que não se trata de um disco único e sim parte de uma coleção que, pelo que deu pra pesquisar no Google, tem mais de 150 títulos, todos produzidos pela francesa Gitanes Jazz Productions retratando sessões de jazzistas em suas passagens por Paris. Eu tenho apenas esse que, descobri, é o número 06 da coleção.  

E quando se começa a ouvir o prazer aumenta. Percebe-se que se trata de um primoroso trabalho de seleção de músicas, divididas em três sessões distintas, a cargo de Buck Clayton, Peanuts Holland e Charlie Singleton respectivamente. Os nomes podem não ser tão conhecidos, mas garanto que se trata de jazz de ótima qualidade.  


A primeira sessão, composta de cinco músicas, está a cargo do trompetista Buck Clayton e foi gravada em novembro de 1953, em Paris. Clayton está acompanhado, em todas as faixas por Michel de Villers (saxofone barítono e tenor), Gérard "Dave" Pochonet  (bateria), Jean-Pierre Sasson (guitarra) e André Persiany.  


A segunda sessão nos traz o também trompetista Herbert Lee "Peanuts" Holland. As quatro músicas que ele gravou, em 1954, para a coleção, foram acompanhadas de Charlie Blareau (contrabaixo), Baptiste "Mac Kac" Reilles (piano), Guy Lafitte (sax tenor) e Géo Daly (vibrafone). 

A terceira sessão, com mais seis músicas gravadas em 1955, tem à frente Charlie Singleton (foto), saxofonista, acompanhado de Eddie de Haas (contrabaixo), Reggie Jackson (bateria), André Persiany (piano), Charles Verstraete (trombone e acordeom) e Bernard Hulin (trompete). 


Na seleção de músicas encontram-se alguns clássicos do jazz como "It's Wonderful", tocada de maneira rápida e completamente diferente do que hoje se ouve, "Yesterdays" e "Lullaby of Birdland", entre várias outras, com belos improvisos em todas elas. 


Claro que eu gostaria de ter a coleção inteira, mas acho que ela não foi lançada no Brasil (meu único exemplar é importado). Há vários discos avulsos da coleção sendo oferecidos nos bons sites do ramo. E há uma relação completa de todos eles, sem som, infelizmente, em https://wiki.musicbrainz.org/Series/Jazz_in_Paris . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...