quarta-feira, 5 de outubro de 2022

New Jazz é uma ótima seleção

Por Edmilson Siqueira

Mais uma seleção de jazz muito bem escolhida num CD da Som Livre e com uma grata supressa para quem quer saber quem são os intérpretes e gosta de conhecer as letras das músicas: um encarte muito bem elaborado. O CD se chama New Jazz e, embora seja jazz - e dos bons - não é tão "new" assim, mesmo em 2005, quando foi lançado. 


Jamie Cullun que canta e toca piano na primeira faixa - "Twentysomething", de sua autoria - por exemplo, pode ser considerado uma novidade à época, pois em 2005 tinha 25 anos. Mas John Pizzarelli que comparece com sua guitarra e vocal na segunda música - "I'm Your Guy", dele mesmo e de Gorver Kemble -, já estava com 34 anos quando gravou essa música e tinha vários LPs na praça, inclusive dois sensacionais dedicados à nossa bossa nova.  


Outra veterana está na terceira faixa - Blosson Dearie (1924-2009) - com a deliciosa "Deed I Do" (Fred Rose e Walter Hirsch) e, apesar de toda modernidade que a música apresenta, foi gravada em 1956. 

A quarta faixa é um belo duo com as vozes de Reneé Olstead e Peter Cincotti. No caso é ele cantando no disco dela, gravado em 2004, quando Reneé tinha apenas 25 anos. Reneé gravou até hoje apenas cinco discos de jazz, tendo dedicado sua carreira mais a filmes no cinema e na televisão. Mas é ótima cantora. 


Toda a classe de Steve Tyrel está na quinta faixa do disco - "I've Got A Crush On You", de George e Ira Gershwin. É uma das melhores gravações desse clássico dos irmãos Gershwin, escrito quando a palavra "crush" ainda não era usada, pelo menos no Brasil, com o sentido que tem hoje, era apenas um refrigerante. 


A grande Diane Krall também está presente na ótima seleção, com seu sucesso "Let's Fall In Lover, de Harold Arlen e Ted Koehler, gravado em 1998 e que fez parte do disco "When I Look In Your Eyes".  


Jane Monheit está hoje com 44 anos, mas quando surgiu ganhou prêmios e, logo depois, mais madura, chegou a ser comparada a Diana Krall e Ella Fitzgerald. A música que ela canta aqui é "Love Me Or Leave Me" (Donaldson e Kahn), um clássico do jazz.

 

O consagrado Michael Bublé é outros dos grandes cantores que comparecem nesse disco. E vem com um de seus maiores sucessos: "For Once In My Life", de R. Muller e O. Muiden, gravado em 2003 no disco que leva seu nome. A música, que já era um clássico do jazz, ganhou um novo fôlego com Michael.  


O genial saxofonista David Sanborn convidou a cantora Lizz Wright para juntos apresentarem o sucesso que James Taylor compôs - "Don't Let Me Lonely Tonight" - e o fazem de maneira apaixonante. Uma das melhores faixas do disco, apesar da seríssima concorrência.  


April Barrows gravou a música seguinte aos 42 anos, ou seja, no auge da forma. "My Dream Is You" foi a música que deu o título ao álbum gravado em 1996. O que temos aqui é uma cantora sofisticada e madura nos dando um belo exemplo de uma interpretação leve e prazerosa. 


A faixa número onze foge um pouco ao jazz mais tradicional, esbarra no pop com pitadas de blues. Mas tem dois grandes artistas a executá-la: a voz marcante de Norah Jones e a talentosa guitarra de Peter Malick. A música é a ótima e amargurada "New York City", do próprio Peter.  


O encarte do disco afirma que mesmo antes de nascer, Gwyneth Herbert já ouvia música. Sua mãe, grávida, ouvia muito Steve Wonder e Carole King. E, depois de nascer, seu pai cantava Ray Charles e Paul Robeson para fazê-la dormir. E, claro, aos três anos, começou a aprender piano. A música que ela canta aqui é "Almost Like Being In Love" de Alan Jay Lerner e Frederick Loewe.  


Outra que começou cedo é Alma Thomas. Novaiorquina, aos 7 anos já cantava em corais. Depois passou por óperas encenadas e teatro, até encontrar sua vocação no jazz. Só que hoje ela é praticamente brasileira, pois se casou com brasileiro, vive no Brasil e estreou em disco com essa faixa dessa coletânea de jazz: "Here's Your Chance", pareceria entre ela e o marido Pedro Milman, que também é pianista e arranjador. Nada melhor que ouvirmos a estreia de uma ótima cantora. 


E, por fim, na décima-quarta faixa, outro brasileiro: Peter Jones. Segundo o encarte, trata-se da segunda música que ele interpreta a chegar nas paradas. Ele canta no "Sinatra's style", e bem. A música é "Where Or When", de Richard Rodgers e Lorenz Hartz, tema do filme Babes in Arms.   


O disco ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

terça-feira, 4 de outubro de 2022

A Gil e Caetano

 Por Ronaldo Faria

Dois cantores se encantam de entrelaçar sons e tracejar claves de sol numa noite qualquer. Entre as notas denota-se o refrão. No verso translúcido da sofreguidão, a descrente canção.

E lá ia ele a cantarolar “lalaiá, iaiá, iaiá” a misturar fim do mundo com onomatopeias. Mudava de calçada como fosse buscar uma nova caçada ao nada. No boteco bem perto, cheiro de carne assada. Com os pés em brasa de tanto correr atrás do amor final, a anterior ida na próxima pisada.

E lá seguia ele a dançar num desandar trôpego e sôfrego de tanto tropeço pelo asfalto que, fausto à imensidão, parece não ter trajeto igual à mão da morena sem jeito. Sob a luz dos postes iluminados, acordes de mariposas que buscam a claridade feito caça noturna da raposa.

E lá caminhava o homem a esperar o galo fazer sua sinfonia tardia ao despertar da vida. Sobre ele, uma lua desbragada e largada brilhava solitária e entregue aos sonhos de todos amantes. Discreta, entrava pelos veios que uma cortina ou outra deixava e caía ao lado dos corpos nus.

E lá se perdia, na perda mais vazia do que ninho largado pela cotovia, entregue a embriaguez e azia. Vez ou outra se prostrava diante do nada e nadava por si mesmo, em mares e oceanos profanos e insanos, tempestades e marés sem pé e nem cabeça, num afogar sem cercanias.

E lá, depois de se cansar de tanto querer, diriam os descrentes da paixão, se deixava dormir tendo como lençol as nuvens que passavam sem saber aonde chegar. Puxava, então, um taco de coberta e ressonava patético e lúdico a se entregar aos pesadelos que o levavam sem saber voar.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Um brinde que valeu!

Por Edmilson Siqueira 

Uma vez, há um bom tempo, movido pelo entusiasmo, comprei um CD da Diana Krall direto do site dela. Só depois percebi que o preço do frete - do Canadá até minha casa! - superava o preço que havia pago no CD. E em dólares. O CD comprado se mostrou à altura da grande cantora, pianista e compositora, mas no pacote que abri havia um brinde. E esse brinde praticamente compensou o preço elevado que paguei. 


O brinde era mais um CD, distribuído pela Verve e produzido pela Desert Land Discs. Só uma capinha fina, de papelão, mas nele há 10 músicas cantadas por 12 artistas que podem ser considerados quase um Olimpo do jazz. Só grandes artistas cantando e tocando grandes clássicos do jazz.  


Logo de cara, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong cantam "Check to Check", de um dos LPs que ambos gravaram juntos e que entraram para a história da música norte-americana. A seguir, a grande Dinah Washington com "I Remember You". Count Basie, uma das três melhores orquestras de jazz dos anos 1940 e 50, toca "Corner Pocket". 

Outra dupla, esse legendária, aparece na quarta faixa. John Coltrane e Johnny Hartman, tocando e cantando uma faixa do LP que gravaram juntos só com baladas românticas. "You Are Too Beautiful" foi a faixa selecionada.  


A eterna Billie Holiday não poderia faltar. E ele comparece com "I Must Have That Man!", do clássico disco Lady Sing The Blues". John Coltrane volta, agora só com sua maestria no sax, para interpretar "Acknowledgement".  


A primeira participação de um brasileiro surge na faixa seguinte. Do Disco Stan Getz/João Gilberto, gravado pela Verve Music, foi extraído o sucesso mundial "Só Danço Samba".  


Sarah Vaughan preenche a oitava faixa do CD, com You're Not The Kind", sucesso dela nos EUA e em boa parte do mundo. 


O segundo brasileiro a aparecer no disco não poderia ser outro a não ser nosso maestro soberano, Tom Jobim. Ele toca "Once I Loved", título em em inglês para "Amor Em Paz".  


E pra encerrar a fina seleção, temos a volta de Ella Fitzgerald com o clássico "The Lady Is A Tramp". 


Como se vê, o "disquinho" que veio de brinde é coisa de gente grande. Ele está à venda em https://www.discogs.com/master/623051-Various-Desert-Island-Discs-Music-You-Gotta-Have  (é importado e tem uma faixa a mais "But Not For Me", com Diana Krall) e, infelizmente, não o encontrei à disposição no YouTube para ser ouvido. 

sábado, 1 de outubro de 2022

O fabuloso Time Out

Por Edmilson Siqueira 

Em 1959, o quarteto de Dave Brubeck lançou um disco que se tonou legendário: "Time Out". Eu poderia escrever muita coisa sobre esse disco pois tenho dois CDS dele: um é cópia fiel do LP original e outro, uma edição comemorativa dos 50 anos do disco, lançado, obviamente, em 2009. Essa é de luxo, vem numa caixinha com dois CDs e um DVD, além de um encarte do 24 páginas, com lindas fotos da gravação e um longo texto especial para a edição, assinado por Ted Gioia que, além de músico é também escritor, tem livros sobre jazz e é fundador do site www.jazz.com. 


Mas, sobre esse disco especial, reproduzo aqui o artigo de Graham l. Flanagan, também escrito em 2009 e publicado no site All About Jazz (https://www.allaboutjazz.com/). Ele diz tudo.

"O ano de 1959 poderia facilmente ficar marcado como um dos anos mais importantes da história do jazz gravado. Além de "Kind of Blue" (Columbia), de Miles Davis, foi lançado o inovador LP "Time Out", do Dave Brubeck Quartet. A Columbia Records teve a arriscada decisão de lançar na terceira faixa do álbum, a música-título escrita por Paul Desmond, como um single e se tornou o primeiro single de jazz a vender um milhão de cópias. 


Apesar do fato de que "Take Five" pode ser uma das três principais gravações de jazz mais reconhecidas de todos os tempos, a história do álbum mostra que ele quase nem foi lançado. De acordo com Brubeck (em uma entrevista incluída no DVD bônus), a Time Out deixou os executivos da Columbia extremamente céticos em três pontos principais. Primeiro, Brubeck queria apresentar nada mais do que uma pintura abstrata na capa.


Em segundo lugar, os executivos temiam que as marcações de tempo inovadoras e não convencionais do álbum não se sustentassem nos salões de dança. Terceiro, todas as músicas eram originais, o que significava que padrões como "Stardust" ou "Body and Soul" não preencheriam as obras mais desconhecidas. Felizmente, o presidente da empresa, Goddard Lieberson, acreditou na visão de Brubeck, resultando no que permanece hoje como uma das obras-primas indiscutíveis da música. 

O DVD que o acompanha inclui uma entrevista de 30 minutos realizada em 2003 com um animado e reflexivo Brubeck onde ele discute em detalhes a origem do álbum, bem como a origem de cada faixa individual. O DVD também apresenta uma "aula de piano" interativa e multi-ângulo, onde o espectador pode alternar entre quatro ângulos de câmera diferentes que simultaneamente filmam Brubeck realizando uma versão solo de "Three to Get Ready". 

Mas a jóia da coroa desta edição, no entanto, é o disco bônus com o mesmo quarteto da Time Out em várias apresentações no Newport Jazz Festival em 1961, 63 e 64. É difícil descrever a emoção de ouvir este conjunto clássico tocando no seu melhor e para um público cujo entusiasmo é igual ao dos artistas no palco. Os destaques incluem a assombrosa e noir "Koto Song", bem como o magnífico trabalho solo de Brubeck em "Pennies From Heaven".  


O disco, tanto a versão simples como a edição de luxo ainda estão à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido também no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=_1d-Axi4mhY 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...