quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Trapizonga - Tavinho Moura

 Por Ronaldo Faria

Trapizonga cômica masculina como empedernido sonho feito formicida colocado no nosso dia findo ao infundado. Mais uma etapa tracejada de sonhos e perdas. Quaresmas mil, bazófias quaisquer, emblemáticas auroras que nunca vão raiar.

Trovões, nem por isso, far-se-ão. Talvez um pingo ou outro respingo onde ele haverá de se fazer. No caminho sôfrego, o âmago a se tragar na draga que o pó a estrada há de levar.

No abrir da rosa visceral, um desigual porvir entre a realidade e o senão. No meio de tudo, um sermão. Ser ou não ser, eis a questão? À loucura utópica e ótica, alguém por certo saberá grassar. Daqui, tudo o que o mestre irá mandar. E se ele não o fizer, creiam valerá ter sido o mais rápido esperma numa corrida entre o sabugo e o gavião. Na vida, osmótica e ótica, vale o que for nas teclas tardias e lógicas. Há prosódia no mundo?

Trapizonga cônica e afônica como nada ser. Calandras nunca viradas em ideias e teias tragicômicas. Mistura de histórias mal contadas e palavras nunca ditas, inauditas ao ouvir do senão. Brincadeiras repaginadas em maresias da Zona Sul, augúrios férteis em estrelas douradas. Canções de reis sem coroa, como um faminto a comer sua broa. Um tempo atemporal, casual, far-se-á como qualquer decrépito dia.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

A era do swing com o Flashback Quartet

Por Edmilson Siqueira 

E lá vou eu novamente com uma deliciosa hora de jazz. A coleção que já comentei aqui é das mais completas em termos de história do jazz, abrangendo, em seus mais de cem discos, praticamente o século 20 inteiro. Eu só tenho 24 discos da coleção, mas um dia ainda a completo. 


O disco de hoje se chama "The Flashback Quartet & Friends" e tem por subtítulo "Clarinet Games". É uma descarada e amorosa homenagem a Benny Goodman (1909-1996), o artista que causou uma pequena e maravilhosa revolução no jazz com seu clarinete e seus grupos e orquestras.  


No encarte, um artigo assinado por Skip Voogd diz que "Benny Goodman foi uma daquelas raras personalidades do jazz que se tornaram uma lenda antes de morrer. Seu nome e seu clarinete serão sempre indelevelmente associados à era do swing. Sua banda atingiu o auge de popularidade durante o verão de 1935, depois que ajudou a dar origem à era do swing no Palomar Ballroom em Los Angeles. A partir de então, com suas gravações, abriu caminho para uma recepção entusiástica em todo o mundo." 


(...) "Durante muitas décadas Benny Goodman inspirou toda uma escola de clarinetistas de jazz e um de seus admiradores holandeses é Bop Kaper, atualmente com 83 anos, justamente quem toca clarinete e comanda esse "The Flashback Quartet".   


"Bob Kaper consegue improvisar com os melhores colegas, mas nunca deixa que uma ideia se torne tão importante que o impeça de 'falar' com vocês.  Ele opera com base na teoria de que a linha melódica é importante demais para ser descartada", diz Voogd 

Com Bob Kaper neste disco estão os seus habituais companheiros do grupo, como Marcel Hendricks e seu piano swingado, Adrie Braat esbanjando categoria no baixo e a sólida bateria de Huub Janssen. Em algumas faixas, amigos de Kaper, como três clarinetistas holandeses e o vibrafonista francês Dany Doriz. 


Por fim, Voogd afirma que "para muitos amantes mais velhos do jazz esse disco é um testamento de amigos que proporcionam uma lembrança nostálgica da esfuziante era do swing. Já para os mais jovens esse disco significará a descoberta de um novo mundo musical. 


O CD ainda está à venda por aí e pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=kJ_-S4V6xfk&list=OLAK5uy_mGwLICFynlHW7G7BhHZaVOgDsgFpOcm5U . E eu garanto: é ótimo! 

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Ao Geraldo Azevedo

 Por Ronaldo Faria

No tambor cheio de dor, desando a andar no mar da China para onde for essa tal ensimesmada sina. A produzir um pouco ou tanto para mim mesmo, ou quem ninguém mais existe. Serei início, começou ou fim? Não sei ou sequer saberei. À areia aérea cercada de abelhas, urubus, gaivotas ou pombas, que o porvir seja megalômano ou atônito em si a esmo. Ensimesmado e autômato, trilho caminhos e descaminhos tracejados de sílabas e fonemas. Poucas verdades, enclausuradas maldades, sobre tais maneiras surpresas. Eu sou a presa. Não cobrem muito de mim. Talvez tenha ido além do por fazer mais. Se não o fui, talvez ainda busque esse canal, letal. Hoje, sei, esse fim que eu temo é tão pequeno e rarefeito que ninguém sabe onde estará. Na catança sem nuvem ou pajelança, que valha cada andança. Afinal, no final, nada será a chama que me ilumina. Um dia sairei da minha esquina e um clube criarei...


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Os Beatles do Garganta Profunda

Por Edmilson Siqueira 

A obra dos Beatles deve ter sido reproduzida dezenas de milhares de vezes por aí. E vai continuar sendo, para alegria dos novos ouvidos que poderão tomar contato com um conjunto de canções de extrema qualidade. Eu tenho na minha modesta discoteca, mais de 20 CDs de outros grupos ou cantores apenas com obras do Beatles. De grandes coletâneas como da Montown com seu fabuloso cast de artistas a discos mais, digamos, humildes, como de Emerson Nogueira ou de Rita Lee.  


Mas hoje quero falar de uma dessas tentativas de mostrar a obra dos Beatles de outra forma, sem fugir das melodias, mas aplicando nelas uma nova sonoridade. É o caso do Garganta Canta Beatles, um CD gravado ao vivo nos dias 29 e 29 de março de 1993, no Teatro João Teothônio, no Rio de Janeiro. 


O Garganta Profunda, nome do conjunto, é um grupo coral e era formado, à época, por Kristine Stenzel, Kátia Lemos, Regina Luccatto, Dagoberto Feliz, Celso Branco, Jorge Sá Martins e Pedrão. Esses dois últimos, além de cantar, também tocavam, respectivamente, baixo elétrico e sax soprano no conjunto que acompanha a apresentação, que tinha ainda Marcos Leite ao piano e Lauro Junior na bateria. 

O CD começa com inspirada introdução feita com trechos famosos de músicas dos Beatles, para cantar, sem intervalo, "Hey Jude" e, a partir daí temos uma bela mostra da capacidade vocal do grupo e, principalmente, dos bons arranjos que veremos a seguir. A própria "Hey Jude" é cantada num ritmo pouco mais rápido que o original, com vozes sobrepostas, próprias de corais. Um belo cartão de visita para o que se verá depois.  


E depois vem "If I Fell", precedida de um solo de teclado com trechos de "Michelle". "Help" é motivo para uma pequena comédia com a mezzo soprano Kátia, cuja punica função em toda a música é cantar a palavra "help" e "help me" nas várias notas e modulações em que ela se apresenta. 


A quarta e a quinta músicas do disco são as únicas que não são dos Beatles e jamais foram gravadas por eles. São os megassucessos "Monday Monday" (John Philips) dos Mamas and Papas" e "Aquarius" (Mac Dernot, James Rado e G. Ragal) que estourou no mundo com o grupo Fifth Dimension. 


Voltando aos Beatles, é a vez de "The Long And Winding Road", seguida de "Oh Darling" e "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band".  


Enfim, quase todas as músicas até a décima-quinta, são do repertório oficial dos Fabfour, com exceção de duas - "Imagine" e "My Love", sucessos de John Lennon e Paulo McCartney gravados depois da separação da banda.  


Para o dos Beatles, mesmo os mais fanáticos, o disco não decepciona. Claro que comparações seriam injustas diante de algumas obras primas gravadas na Abbey Road, mas a qualidade vocal do grupo - e também individualmente - não compromete em nada a genial obra dos Beatles. 


O show fez sucesso, tanto que em 1994 ainda estava em cartaz e é a gravação de uma apresentação desse ano que está inteira no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=vdt4To2YA1s . 

sábado, 15 de outubro de 2022

A chuva sobre Santiago de Piazzolla

Por Edmilson Siqueira 

Astor Piazzolla é um desses gênios da música que a Argentina e o mundo vão cultuar para sempre. Sua obra, quase toda instrumental, é de uma qualidade ímpar. Ao enveredar em novos caminhos para o tango, Piazzolla acabou por criar sons e melodias que, embora fincadas em raízes argentinas, têm todo um contexto universal, daí a merecida veneração que ele obteve em vida em vários países do mundo. Sua música tem influência do jazz, pois viveu em Nova York a partir dos quatro anos e onde, aos nove, ganhou seu primeiro bandoneon. Estudou música e até apareceu num filme de Carlos Gardel (El Dia Em Que Me Quieras) rodado em NY, como um entregador de jornal.  


Quando os mais tradicionais argentinos diziam que o que ele fazia não era tango, respondia que se tratava de "música contemporânea de Buenos Aires". E era, sem sombra de dúvida, a melhor representação da capital argentina. 


Tenho nove CDs de Piazzolla, que abrangem boa parte de sua obra, embora falte muito ainda pra ouvir. E um dos meus preferidos nem é muito reverenciado por aí. Trata-se de "Il Pleut Sur Santiago", com seis músicas da trilha sonora que ele compôs para o filme do mesmo nome, drama franco-búlgaro de 1975 dirigido por Helvio Soto, detalhando o golpe de estado chileno de 1973. Em apenas dois anos, Piazzolla percebeu exatamente o que seria o período da ditadura Pinochet.  


A trilha é toda sombria e forte, mas tem melodias formidáveis. Ela é composta de "Salvador Allende", "Combate en la Fabrica", "La Maison de Monique", "Bidonville", "Il Pleut Sur Santiago" e "Jorge Adios". Todas são ótimas, mas a quinta, justamente "Il Pleut Sur Santiago", é obra prima.  

Das outras seis músicas, cinco delas, "Pulsacion", números 1 a 5, foram para um filme experimental sobre o pintor argentino Carlos Páez Vilaró 

O disco se encerra com outra de suas obras primas, talvez a maior,  "Adios Nonino". Essa música foi feita em homenagem ao seu pai, Vicente "Nonino" Piazzolla, quando ele estava no leito de morte, em 1959. Após vinte anos, Astor Piazzolla disse em uma entrevista: "Talvez eu estivesse rodeado de anjos. Foi a mais bela melodia que escrevi e não sei se alguma vez farei melhor". E, por muito tempo, ele se recusou a escrever ou colocar uma letra na sua grande obra-prima, porém, aceitou a proposta da cantora argentina Eladia Blázquez, que lhe apresentou um poema que havia escrito sob a versão musical. Piazzola, comovido, concordou. Eladia renunciou a quaisquer direitos autorais sobre a obra. 


No YouTube você pode assistir tanto ao filme completo como também ouvir o disco inteiro. Disco: https://www.youtube.com/watch?v=rE8USXSpcSc. Filme: https://www.youtube.com/watch?v=pJQwX8kbJAY . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...