quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Um sensacional show de blues

Por Edmilson Siqueira 

"Quando Eric Clapton e eu nos conhecemos, começamos uma amizade baseada no amor pela música, nutrida na herança mútua que compartilhamos e, em última análise, expressa na maneira como lidamos com os outros. Desde a nossa primeira interação, reconheci sua intensidade e fidelidade sobre a música." 


O trecho acima faz arte do encarte do disco e é assinado por um dos artistas, ninguém menos que Wynton Marsalis. O disco se chama Wynton Marsalis & Eric Clapton Play The Blues. E, claro, a união desses dois comandando uma sessão inteira de blues, com o grupo de Marsalis do magnífico teatro do Lincoln Center de Nova York, só podia ter um excelente resultado.  


Gravado ao vivo em abril de 2011 e lançado em CD em setembro, o disco tem uma sucessão de aplausos já em vários trechos da primeira música: "Ice Cream" (Howard Johnson, Robert King e Billy Moll) um blues à la dixieland, onde quase todos os componentes da orquestra - inclusive o cantor podem mostrar suas virtudes, num ritmo contagiante. Eric é o cantor na maioria das faixas.  

A segunda faixa, "Forty-Four" (Chester Burnett), já é mais lenta, mas sem perder a intensidade de um vocal bem mais próximo do blues tradicional.  


Depois de dois blues pesados e rápidos, muito bem interpretados, o clima se acalma um pouco para "Joe Turner’s Blues" (Willian Handy  e Walter Hirsch). É a deixa para Wynton soltar o sopro em seu trompete e a guitarra de Clapton chorar sentida. 


Um clássico clarinete solta as primeiras notas para ser seguido pelo firme trompete de Winston na quarta faixa - "The Last Time" (Bill Ewing e Sara Martin). Depois de um solo aplaudido do clarinete, entra a parte cantada do blues, acho que na voz de Clapton. 


A quinta faixa é "Careless Love" (Willian Handy, Martha Koenig e Spencer Willians) e, não fosse a parte cantada, poderia ser confundida com aqueles velhos blues que acompanham enterros de artista no sul profundo dos Estados Unidos. 


O disco prossegue com ótimas performances não apenas dos dois principais astros, mas de todo conjunto que atua sob o comando de Wynton Marsalis no Jazz AT Lincoln Center, uma escola de jazz das mais notáveis, encravada no portentoso prédio do Lincoln Center, ao lado do Central Park em Nova York.  


Outras cinco faixas completam o maravilhoso disco de blues: "Kidman Blues" (J. Willianns), "Layla" (Eick Clapton e James Gordon), "Joliet Bound" (Joe e Minnie McCoy, "Just A Closer Walk With Thee" (Tradicional), "Corrine, Corrina" (Amelia Chatman, Michel Parish e J. Willians). 

Quando dois artistas geniais se encontram e se propõem a gravar um CD/DVD ao vivo e se cercam de ótimos músicos, o resultado não pode ser menos que sensacional.  


O DVD está inteiro à disposição de quem quiser ver e ouvir o ótimo show dos dois: https://www.youtube.com/watch?v=8s7xUCe89qk . 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

À música dos Anos 80

Por Ronaldo Faria

Tempos loucos e perdidos, entre os minutos e o desatino. Coisa sem graça e gracejos, ensejos e beijos mil, lambidos e jogados a esmo aos corpos no cio. Cânticos e vozes vorazes entre o ser e estar, ficar e deixar, feito gato e sapato, capacho. Tudo tão perto e desperto que parece o limite de tempo entre o sexo e o feto. Talvez um copo despejado e desejado nas pernas da amada, quem sabe um pólen disperso de qualquer fada.

Tempo de exorcismos, de crenças descrentes, enchentes desbragadas e passadas, ansiadas, caladas, presas em cada peito que sonha com sinhá para despertar sem algemas, grilhões e pelourinhos cheios de corações pelados. Tudo em algoritmos que não juntam alhos e bugalhos, fagulhas e fogos em brasa, gracejos e graças louvadas. Talvez um devaneio sem razão. Um razoável momento de embriaguez entrecortado de segundos que logo são, foram e nunca mais serão.

Tempo de Verão, de praias espraiadas entre ondas e espumas, corpos jogados na areia e embebidos de vodca e cerveja, madrugadas ritmadas de sons do mar e a brisa de um coqueiro que o poeta chamaria de fagueiro. Tudo entrecortado de delírios alcoólicos, sonhares melancólicos, gestos fálicos, silêncios eólicos. Na folia da mansidão, a mansa forma de amar sabendo que nada volta dos tempos passados. Talvez um beijo gravado em som e imagem, talvez a derradeira viagem.

Tempo de pensar e repensar: valeu tudo? Onde querer recomeçar, como fosse a saudade um túnel do tempo? Nos erros e acertos, certo desterro de quem fez o que deu quando deu e valeu. Sem gracejos e sequer ensejos de podia ter sido diferente, vendo a vida de frente. Se não há como voltar, nos volteios voláteis que o tempo nos dá, que fiquem o momento do agora, o aforismo de outrora, a sedenta demência daquilo que há de vir para ser o derradeiro e terno (eterno) lugar.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Chet Baker brasileiro

Por Edmilson Siqueira 

Quando Chet Baker gravou um disco como o Boto Brazilian Quartet, em Paris, a música brasileira não era novidade para ele. Segundo o blog "Borboletas de Jade", Chet participou de várias gravações tendo o ritmo brasileiro como tema variável de seus álbuns. Em 1966 participa do antológico "Brasil! Brasil! Brasil!" de Bud Skank com João Donato e Laurindo Almeida representado a terra verde amarela no ginga da bossa nova. Em 1977, gravou com Astrud Weinert (Astrud Gilberto), uma baiana, de Salvador, filha de pai alemão e mãe brasileira, o álbum “The Girl From Ipanema” (Tom/Vinícius) que além de contar com o clássico do título, traz uma boa seleção de bossa nova com a participação especial de Chet Baker, nos vocais e trompete na faixa "Far Away". Diga-se de passagem que no medley com a marchinha “Mamãe Eu Quero”, e “Chica Chica Boom Chica”, Chet até tentou cantar em português, mas passando a bola para Astrud Gilberto, numa versão em inglês de arrasar." 


Mas, por não conhecer essa faceta de Chet Baker (eu conhecia a gravação dele de "Zingaro" de Tom Jobim, música que depois de receber letra de Chico Buarque virou "Retrato em Branco e Preto), fiquei surpreso ao encontrar, na lendária Hully Gully Discos que funcionava ali na Dr. Quirino, centro de Campinas, o CD "Chet Baker and the boto brazilian quartet" (na capa o nome do grupo está em minúsculas). Uma produção bem cuidada, com textos em francês e inglês, e com informações precisas, como "Recorded at Studios Davout - Paris, on July 21, 22 e 23 - 1980." 

Ainda pelo blog "Borboletas de Jade", fico sabendo também que o mesmo grupo, comandado pelo pianista Rique Pantoja, gravou outro disco com Chet, que leva o nome dos dois. 


Mas o que tenho é o primeiro, com Rique Pantoja ao piano, o francês Richard Galliano no acordeom, Michel Peyratoux no baixo e José Boto na bateria e percussão. 

O repertório, composto por oito faixas, é todo de autoria de brasileiros, com exceção da terceira faixa, "Forget Full", cuja autoria deve ser desconhecida, já que no lugar do autor, há apenas um "x". E nessa faixa Chet Baker canta.  


No geral, o que temos, é um Chet Baker um pouco diferente do que estamos acostumados a ouvir nos discos gravados com repertórios extraídos na música norte-americana. Aqui, o ritmo brasileiro se impõe, o trompete de Chet é mais alto, mais agudo e mais rápido em várias músicas. Das oito faixas, seis são de Rique Pantoja Leite - "Salsamba", "Balsa", "Inaiá", "Sheila", "Balão", e "Julinho" - uma é sem autor e a nona faixa - “Novos Tempos” - é de Marcos Rezende. 

O CD é importado, mas está à venda nos bons sites do ramo. E pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Y0F4gnsftUM . 

sábado, 7 de janeiro de 2023

Bossa nova: um programa histórico

Por Edmilson Siqueira 

Tenho assistido a um depoimento - dividido em várias partes - de um dos fundadores (se é que existe essa categoria) da bossa nova. Trata-se do grande compositor e violonista Roberto Menescal, hoje com 85 anos e esbanjando saúde e talento. Esses depoimentos estão no YouTube e como já acessei várias vezes, o logaritmo da rede colocou como sugestão um musical que ele fez com Nara Leão, em 1987, na TV Manchete. Claro que não se trata de uma raridade, pois publicado no YouTube está ao alcance de muita gente. Mas, pelo registro, menos de 54 mil pessoas assistiram ao programa. E pouco mais de mil deixaram seu "like". Ou seja, o público amante da bossa nova não conhece e o público mais jovem, que não conhece o que foi a bossa nova, está perdendo uma boa chance de assistir a dois de seus maiores expoentes num show de técnica, vocal e repertório. Além da beleza de Nara, que paira acima de qualquer suspeita.  


Nara, também chamada de "musa" da bossa nova (o que ele detestava, diga-se), era filha da classe média alta, com apartamento grande em Copacabana, de frente para o mar. Por sorte ficou amiga, na juventude, de alguns compositores que, num futuro bem próximo, estariam fazendo uma música que sairia das areias das praias do Rio e ganharia o mundo, começando pelos Estados Unidos, onde chegou a virar febre e influenciou nada menos que o jazz, uma música com as mais profundas raízes norte-americanas.  


Menescal era um desses amigos, frequentava o apartamento com outros amigos, que também levavam o violão, e o local ficou conhecido como onde nasceu a bossa nova. As noites eram preenchidas com um uisquinho, muita conversa e música cantada baixinho para não incomodar os vizinhos. Menos às quartas-feiras, dia em que o pai de Nara reunia os amigos, entre eles Paulo Francis, para um pôquer. 

O programa da Manchete não se restringe às apresentações de Nara e Menescal - ambos ao violão - mas, dirigido por Aloisio de Oliveira (o maior produtor da bossa nova) o programa tem alguns trechos em que artistas (e o próprio Aloisio) falam sobre o que foi o movimento que ganhou o mundo. Aloisio abre o programa apresentando Nara e Menescal. 


O repertório é clássico, como não poderia deixar de ser. Começam com "A Felicidade" (Jobim e Vinicius) e o que vemos são dois artistas descontraídos, cantando e tocando como se ainda estivessem no apê de Nara, por volta de 1956.  

""Desafinado" (Jobim e Newton Mendonça), a segunda música, começa com um prólogo que não consta das gravações todas que se fizeram dessa música, mas era algo comum nos anos 1950.   


E, completando a trilogia de clássicos de Jobim, entra "Chega de Saudade", que ele fez com Vinícius e é considerada a música que despertou os brasileiros para a nova forma de cantar e tocar samba, também conhecida como bossa nova.   


A quarta música nos apresenta outro fundador da bossa nova: Carlinhos Lyra, amigo de Menescal e Nara, autor também de clássicos do movimento, principalmente em parcerias com Vinícius. Aqui, a música é "O Negócio é Amar", cuja letra é de Dolores Duran, então uma cantora de sambas canção, mas que entrou muito bem no espírito da moçada da época. 


Só na quinta música é que o maior sucesso de Roberto Menescal (em parceria com Ronaldo Bôscoli) é apresentado: "O Barquinho", cujo história é curiosa. A turma toda havia saído para passear na Baía da Guanabara num barquinho. Já longe da praia, o motor pifa e, ao tentarem fazê-lo pegar novamente, ele produzia um som com ritmo que ia sumindo e Menescal e Bôscoli até brincaram com ele, fazendo ligeira melodia que combinava com a vã tentativa. Até que apareceu um barco maior que os socorreu, amarando o barquinho e levando-o de volta para perto da praia. Na volta, Menescal começou a cantar "o barquinho vai, a tardinha cai", mas ficou nisso. Dia seguinte, no apê da Nara, Bôscoli pediu para repetir a melodia que haviam feito com a batida do motor tentando pegar. Depois de algumas tentativas, conseguiram a melodia e Boscoli fez a letra, aproveitando como refrão o trecho "o barquinho vai, a tardinha cai". E assim, nasceu, de uma brincadeira, uma música que é cantada e gravada até hoje em todo o mundo. 

As seguintes músicas, intercaladas de depoimentos de alguns personagens do movimento, como Carlinhos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Armando Pittigliani e os próprios Roberto Menescal e Nara Leão, são cantadas a seguir: "O Pato" (Jayme Silva e Neusa Teixeira), "Manhã de Carnaval" (Luiz Bonfá e Antônio Maria),  "Você e Eu" (Caros Lyra e Vinicius de Moraes),  "Você" (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), "Eu Gosto Mais do Rio" (Pacífico Mascarenhas), "Dindi" (Jobim e Aloisio de Oliveira), "Wave" (Tom Jobim) e "A Banda" (Chico Buarque). 


O link para assistir o programa é https://www.youtube.com/watch?v=LPBCV8fS3ZU&t=513s . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...