quinta-feira, 24 de março de 2022

Pro Zeca Pagodinho em 2003

Fundo de tela de mesa de bar. Do Zeca. O bicho! E-mail para os amigos de mesa. Saudades e cheiros da noite. Cerveja, pinga e vodca. Vida. Enquanto esta durar... Obrigado enquanto este agrado em engradados tiver! Obrigado à vida enquanto esta durar, ou viver! Nas mesas, nas fragrâncias, odores e gostos notívagos. No computador, mistura de lembranças e mansidão. Rompimento da eternidade, da dor e da solidão. 

quarta-feira, 23 de março de 2022

Nat, um verdadeiro rei

Por Edmilson Siqueira 

Em 5 de novembro de 1956 estreava na televisão americana, mais precisamente na NBC, um programa musical, semanal, em horário nobre. Até aí, nada demais, pois todas as emissoras tinham programas musicais, alguns até em horários nobres.  


Só que este tinha algo diferente, além do enorme talento do seu astro principal e apresentador: ele era negro. Seu nome: Nat King Cole. 


A ousadia da rede teve um preço: o programa jamais conseguiu um patrocinador exclusivo e durou pouco mais de um ano. Foi encerrado por iniciativa do próprio Nat que não quis continuar sem o tal patrocinador nacional. 

Só que o sucesso do programa, se não conseguiu tanta audiência, foi exatamente de abrir as portas para muitos outros artistas que, embora tivessem talento de sobra, eram deixados de lado pela televisão por serem negros.  


E alguns desses talentos todos podem ser conferidos num DVD de pouco mais de uma hora, com o filé desses programas. O DVD se chama ""When I Fall in Love / The One And Only NAT KING COLE" e está à venda nos sites por um preço camarada.  


Só que o DVD não é apenas um desfilar de ótimos números musicais, com Nat dando o show de sempre na companhia de grandes nomes da música norte-americana. Ele traz também depoimentos exclusivos dos familiares de Nat - a esposa Maria, seu irmão mais novo e também músico Freddy Cole e suas três filhas, Natalie, Casey e Timolin - além de interessantes comentários de Bob Henry, diretor e produtor da série original.

 

Com isso, além do prazer de ouvir grandes músicas com excelentes interpretações, também vamos nos emocionar com a família falando do pai, do marido, do irmão que, além das qualidades artísticas (ele não era só um dos maiores cantores dos EUA, mas também grande pianista de jazz, que, aliás, foi como começou sua carreira artística) era um ser humano fantástico, alegre, honesto e sempre bem-humorado. 


Pelos artistas que estão no DVD fazendo grandes números ao lado de Nat, percebe-se que seu programa atraiu a nata musical norte-americana. Muitos viam nele a oportunidade de aparecer a um público bem maior e combater o racismo do qual eram vítimas.  


Na parte musical do DVD, depois de três números só com Nat, ele aparece cantando seu grande sucesso Sweet Lorraine ao lado de ninguém menos que Oscar Peterson Trio. Em seguida, para cantar Somewhere Along the Way, Nat tem a companhia do genial Sammy Davis Jr. The Mills Brothers, um conjunto vocal com quatro negros, canta, com Nat, Opus One.  

Um dos pontos altos do show é a presença de Ella Fitzgerald para cantar Too Close for Confort, num dueto sensacional. Mas a melhor surpresa fica por conta de num número no teclado a quatro mãos, com a música Blueberry Hill. Cantando junto com Nat, um garoto prodígio nos seus 12/13 anos: Billy Preston, que viria a ser um dos maiores pianistas do pop e do rock americano, participando, inclusive, da gravação dos últimos discos dos Beatles, em Londres, em 1969. A cópia colorizada dessa apresentação tem rodado as redes sociais por aí, com grande aceitação. 


Ao todo, são vinte números musicais completos, além dos depoimentos e várias fotos extras. Trata-se, sem dúvida, de um documento histórico, que não só homenageia um dos maiores cantores de todos os tempos, como mostra que Nat King Cole era uma pessoa extraordinária, que soube enfrentar o preconceito e o venceu com seu talento, seu carisma e sua bondade. 


Nat morreu cedo, aos 45 anos, em 1965. Os três maços de cigarros que fumava por dia causaram-lhe um câncer fatal.  

terça-feira, 22 de março de 2022

Na espera do fim da espera que vai chegar (a ouvir Wando, no dia da sua morte)

Por Ronaldo Faria

No salão, a mulher fuma quieta num canto, a beber um drinque qualquer. Enfia o dedo no copo, roda o gelo e o leva à boca num gesto onde a língua chupa as gotas que caem sem querer. Ao seu redor, um ou outro casal rodeia de lá para cá, troca carícias, sevícias, sorrisos, mãos leves e bobas, toscas declarações de amor e lábios cruzados a se lamberem e arderem a cada mordida mais forte do amado. Mas, lá no canto, a ouvir o cantar trôpego de um artista de bolero, a mulher desvia os olhares dos homens que se entreolham nas pernas lisas, sobem até os seios e param no meio para acariciarem o umbigo farto. E se envolvem nos cabelos longos e terminam na nuca que se torna carne e desejo, com gosto de sal.

Ela, mulher de tantos loucos a querê-la, apenas catando quirelas jogadas pelo chão do salão no seu andar que requebra ancas e curvas pela madrugada. Seu vestido, vermelho, contrasta com o batom que risca a boca na mesma cor. Seus olhos verdes brilham mais do que o néon que pisca lá fora. Sua risada escancarada, largada, dissonante entre as quatro paredes, é como se chamasse a cada um que a deseja à fria realidade de querer o intocável. Naquele dia, ela não seria de ninguém. Nem no escuro que escondia a lua na penumbra e nem quando o sol viesse clarear a embriaguez do andarilho perdido na sarjeta abjeta que agora o abraça e aquece. 

Naquele dia, sem calcinha, ela estava a viver cada momento como se este fosse apenas um louco tempo em que amantes não se tocam mais, não suam juntos, não se encontram entre camas e janelas abertas à vida, a ouvirem o silêncio que apenas o gemido do prazer e o suspiro do depois conseguem expressar. A mulher-objeto se metabolizava numa metamorfose e, feito borboleta, voava a ver-se finalmente na eterna e última canção. 

                                                   II

Entre o céu e a terra há quimera. Há campos com verde e rios de água clara e cristalina. Há Maria e há Cristina. Gente para dar de tombo. No Nordeste tem pitomba. Existe cavalo que corre louco e sem rédeas. Há goleiro que busca o fim da carreira nas redes. Tem vontade de beber e sede. Garganta seca. Secura no sertão. Existe a cerca que prende gado e gente. No alto do Brasil, tem quem diga “atente”. Ouve-se sanfona e fala-se de Intentona. Intenções de beijos e mãos a correrem a pele que desliza sobre mim. Há o começo e o fim. O luar que pulsa no alto escuro e a escuridão eterna que se abate quando o corpo da gente deixa de ver a prata celestial. Há ternura de gesto. Mansidão em presto. Ódio e verso. Incomunicável voz sobre o fazer ou não. A mulher amada a andar pelas areias que brincam de ondas a lavarem os pés. Uma infinidade de Amélias. Uma pancada de Zés. E assim, a colocar fim no espaço, tem uma estrada a se dobrar lá na frente. E uma coruja vesga a piar em fé. O adeus de um até...

segunda-feira, 21 de março de 2022

Ney Matogrosso interpreta o mestre Cartola

Por Edmilson Siqueira 

A música de Cartola, como bem já demonstrou aqui o Ronaldo, se presta a linda intepretações instrumentais, como no disco Chora Cartola, onde um time de grandes solistas deita e rola nas lindas melodias do mestre mangueirense.  


Mas a música de Cartola também é uma festa para cantores e cantoras. De Beth Carvalho a Cazuza, de Gal Costa a Paulinho da Viola, de Caetano Veloso a Nelson Gonçalves, de Zeca Pagodinho a Luiz Melodia (e muitos outros), todos tiveram o prazer de cantar pelo menos uma música de Cartola.  


E quem não deixou por menos foi o grande intérprete Ney Matogrosso. Pois ele dedicou um disco inteiro ao mestre, em 2002. O disco virou show que andou pelo Brasil e, diferente de outras apresentações de Ney, essa é contida, com figurinos especiais, o que mostra o respeito de Ney pelo autor. 


Numa entrevista, Ney disse que já havia cantado Cartola em shows, e que sempre achou que havia espaço para outras músicas. Sobre o mestre, Ney disse o seguinte: "Cartola é um pilar da cultura Brasileira. Cartola é muito importante no nosso panorama cultural. A gente tem do que se orgulhar, então é bom que a gente saiba de nós mesmos, que a gente saiba disso que nós somos a música mais rica do planeta, o mundo sabe disso, nós não sabemos e não temos essa informação, o mundo respeita a música brasileira e Cartola tá dentro desse universo maravilhoso. Pra mim assim é um privilégio pegar esse repertório do Cartola e cantar. É maravilhoso, muito difícil, porque exige muito de mim, é um show que não tem espalhafato é muito contido na interpretação mesmo." 


O disco navega por 12 músicas de Cartola que são praticamente o filé de sua produção. 

O Sol Nascerá (A Sorrir), parceria de Cartola com Elton Medeiros, abre o disco, seguida de Sim (parceria com Osvaldo Martins); Cordas de Aço; Corra e Olha o Céu; As Rosas Não Falam; Acontece; Tive Sim; a fantástica O Mundo É um Moinho (que Cartola fez para uma de suas filhas que estava tendo um comportamento que ele não aprovava); Peito Vazio (outra parceria com Elton Medeiros) e Senões (parceira com Nuno Veloso).


 É um desses discos que você pode colocar pra tocar a qualquer hora que o prazer de ouvi-lo preencherá qualquer momento. Ney Matogrosso, um dos grandes intérpretes brasileiros, já havia gravado dezoito discos antes de se dedicar a Cartola. Ou seja, já maduro, com 60 anos, colocou sua voz na obra de Cartola, acompanhado não dos grupos aos quais se acostumara em seus shows, com guitarra, bateria, contrabaixo e teclados. Aqui, ele reuniu um time com violão, violão de sete cordas, cavaquinho e um baixo de madeira que dão aquela qualidade à música e a aproxima de sua concepção original. 

No YouTube dá pra ouvir todas as músicas separadamente nesse link: https://www.youtube.com/watch?v=2o5oREcZo5w&list=OLAK5uy_nq66mWYxwtRwnM3vzF-1-OHtpP15GAn4E. É também possível assistir, no YouTube o show ao vivo: https://www.youtube.com/watch?v=BLP9_UFeTiY&list=PLN8pd0LK0ZiicbYJIdHGMujlfsxpwOX26 

sábado, 19 de março de 2022

MPB 4 + Quarteto em Cy + Chico Buarque + Tom Jobim

Por Edmilson Siqueira 

Cerca de três anos depois da morte de Tom Jobim, o MPB4 e o Quarteto em Cy, mais Chico Buarque de Holanda, se reuniram para gravar um disco em homenagem ao maestro soberano e às parcerias que ele realizou com o próprio Chico.  


O resultado da união entre dois afinadíssimos grupos vocais, além da presença de Chico Buarque em algumas das faixas, é um trabalho que emociona não só pela mais que justa homenagem, mas, também, pelo excelente repertório, pois não há nada que tenha a mão dos dois compositores - sozinhos ou em dupla - que possa ser considerado mais ou menos, é tudo muito bom.  


O disco, lançado em 2007, fez sucesso e virou um show que andou pelo Brasil inteiro com grandes plateias.

O sucesso não foi por acaso. Uma grande produção da Polygram dirigida por Guto de Graça Melo com arranjos de Dori Caymmi e a participação de músicos como Paulo Jobim, Luiz Carlos Ramos, João Lyra, Cristóvão Bastos e Jacques Morellenbaum, entre outros. E até a volta triunfal de Julinho de Adelaide numa das faixas. Pra quem não sabe, Julinho da Adelaide foi uma criação de Chico Buarque para enganar a censura da ditadura. Como bastava ver seu nome numa música que os censores se assanhavam para descobrir entrelinhas e segunda intenções, o que geralmente terminava em cortes e mais cortes nas letras, Chico registrou duas músicas em nome de um tal de Julinho da Adelaide. Um heterônimo pra enganar a censura.
Falando de Amor, só de Jobim, mostra que nosso maestro soberano era bom de letra também. E com dois conjuntos vocais, um masculino e outro feminino, a música ganhou interpretação de gala. Pois É, outra canção de amor junta os dois novamente numa pungente letra de Chico para a belíssima melodia de Jobim. 

Para dar mais veracidade ao personagem, o "novo compositor dos morros cariocas" deu até uma entrevista que saiu em página inteira do jornal Última Hora. O autor da entrevista foi o amigo Mário Prata. Detalhes, deliciosos por sinal, dessa entrevista, podem ser lidos em http://www.chicobuarque.com.br/sanatorio/julinho.htm. Nessa página há inclusive dois outros links: um para a entrevista como foi publicada e outro para a transcrição integral da fita, gravada na casa dos pais de Chico. Três músicas de Chico - Acorda Amor, Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro - foram enviadas para a Censura Federal (na época era obrigatório enviar as letras para os censores) e passaram sem qualquer problema. Quem as ouve hoje, não vê nada demais, mas pra a época, década de 70, com a ditadura comendo solta, eram letras "altamente subversivas" na imbecil visão da censura. Seriam proibidas na íntegra se soubessem que eram de Chico. 


Voltando ao disco, ele é inteiro bonito. Começa com Meninos, Eu Vi, de Jobim e Chico, uma marcha-rancho muito bem definida e uma letra perfeita. Eu Te amo, a segunda música, também da dupla, feita para o filme de Jabor do mesmo nome, já ganhou gravações e traduções em algumas línguas, inclusive no francês. É aquele do "meu paletó abraça seu vestido". Obra prima. 

Piano na Mangueira, a última parceria entre eles, é uma festa que ambos escreveram para comemorar a presença de Jobim no samba-enredo da Mangueira. Em A Violeira, Chico aproveitou um baião moderno de Jobim e colocou uma letra feminina, com a sina de uma mulher, trágica e cômica, pelo Brasil quase inteiro.  


Em seguida aparece Anos Dourados, grande sucesso dos dois, música feita para uma minissérie da Globo na qual Chico botou letra depois. A música seguinte teve o mesmo esquema. Era uma instrumental de Jobim, que chegou a gravá-la sem letra e com o nome original: Amparo. Depois da letra de Chico em parceria com Vinicius, virou Olha Maria. Biscate, só de Chico, é a música que fez Julinho da Adelaide voltar à cena, ainda que por apenas uma faixa.


A faixa seguinte teve o mesmo percurso de Olha Maria. Era mais uma grande música sem letra de Jobim. Chegou a ser gravada por ele mesmo, com grande orquestra, nos EUA, e até por Chet Baker com o nome original, Zíngaro (Cigano). A letra colocada por Chico, a pedido de Jobim, mudou tudo: Retrato em Branco e Preto, pela excelência da música e da letra, caminha para entrar no panteão dos clássicos da MPB. 


Um grande sucesso de Chico, Noite dos Mascarados, gravada como primeira música do seu segundo disco de carreira, faz o MPB4 e o Quarteto em Cy se sentirem muito à vontade, já que a música é um diálogo entre um Pierrot e uma Colombina.  


Sabiá, a vencedora do III Festival Internacional da Canção da Globo, em 1968 - e que recebeu uma tremenda vaia no Maracanãzinho, pois a plateia, com muito estudante de esquerda, queria que Geraldo Vandré ganhasse - foi uma canção que, com o tempo, foi tendo sua importância reconhecida. Hoje é um clássico e não há dúvida que se trata de uma nova canção do exílio. 


A canção seguinte não é tão conhecida, mas Imagina tem uma história bonita. Ela está na biografia de Jobim, escrita por Wagner Homem e Luiz Roberto de Oliveira. Dizem que "a canção foi uma das primeiras músicas compostas por Tom, em 1947, e que ficou sem letra por mais de 30 anos. Era puramente instrumental e considerada como impossível de receber letra. Em 1983, Chico Buarque resolveu colocar a poesia na música 'iletrável'". Conseguiu, claro. E ficou muito bonita. 


A última música desse disco maravilhoso é de bater uma saudade danada. Aproveitaram uma gravação caseira de Tom Jobim mostrando a música Bate-Boca para Chico, que ia botar a letra e já tinha até escolhido um nome. Só que Jobim morreu antes e Chico não conseguiu botar a letra. Depois da introdução de Jobim, tocando piano e falando, o MPB4 e o Quarteto em Cy assumem a canção, sem letra. Memorável. E lindo.

 

Esse disco pode ser ouvido inteiro, faixa por faixa, no YouTube: https://www.youtube.com/watchv=IhOADfLVNV8&list=OLAK5uy_keTYV58QHa4T6etgOLsWSV8TWXpmA6l8k.


E também na página oficial do MPB4: http://www.mpb4.com.br/mpb4-e-quarteto-em-cy-dedicado-a-obra-de-tom-jobim-e-chico-buarque/ . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...