quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Vários mestres do jazz num só disco

Por Edmilson Siqueira 

"The Mainstream Masters" é o nome do CD, mais um da coleção "A Jazz Hour With", que reúne, como o nome diz, um bando de cobras que gravou com várias formações entre os anos de 1954 e 1967. A maioria das faixas foi gravada em Nova York, mas há uma gravada em Essen, outra em Viena e mais outra em Londres.  


Mas o que é "mainstream"?  No encarte do CD está uma explicação bem suscinta, feita por Skip Voogd: "Para ir direto ao assunto: Mainstream é o nome dado ao estilo de swing que se desenvolveu nos palcos de jazz dos anos 30, e também é tocado atualmente com influências dos estilos de jazz posteriores, como bebop, cool e hard bop. A base do campo incomensuravelmente amplo do mainstream é formada pela execução de esquemas de acordes de padrões ou de composições de jazz. E como isso é feito principalmente de uma maneira fácil de ouvir, o mainstream é popular entre um público de milhões." 


Pelo que se ouve nas dez faixas do discos, trata-se de jazz da melhor qualidade, com influências de vários estilos, mas todas elas aproveitadas pela genialidade dos jazzistas, tornando tudo muito agradável aos ouvidos. Parece que o jazz antigo, dos anos 1930, de que fala Voogd no encarte, baixou no espírito desses ótimos jazzistas que, já conhecendo tudo que viria depois - bebop, cool e hard pop - retiraram o melhor de cada um dos estilos para formarem seus próprios modos de tocar. 


E tudo isso torna esse CD memorável. Logo de cara, a faixa "Maud's Mood" (Benny Bailey) vai ser facilmente reconhecida, pois já se tornou prefixo de muitos programas de jazz mundo afora.  Nos solos Beny Balley (trompete), Phil Woods (sax alto e clarineta), Julius Watkins (trompa francesa), Les Span (flauta e guitarra) e Tommy Flanagan (piano). No baixo, Buddy Catlett e Art Taylor na bateria.  

Depois do frenesi da faixa inicial, um velho, bom e triste blues - "Fine and Mellow", cuja autora é ninguém menos que Billie Holiday, ocupa os próximos sete minutos do disco. Na faixa, destaque para o piano de Kenneth Kersey e o trompete de Ruby Braff. 


Ouro clássico vem a seguir: "Blues For Yesterday" (Les Carr) e, desta vez além do excelente trabalho instrumental de um time de primeira, temos a deliciosa voz de Nacy Harrow. Destaque para o sax tenor de Buddy Tate. 


"Wrap Your Troubles in Dreams" (Mohl, Khoeler e Barris) é a quarta faixa, que volta ao jazz mais tradicional, com piano (Tommy Flanagan), contrabaixo (Charles Mingus) e bateria (Jo Jones) fazendo a cozinha (e que cozinha!) para o ótimo trompete de Roy Eldrige. Há um ótimo solo de bateria também.  


Na rota dos clássicos, a quinta faixa traz o megassucesso jazzístico "All The Things You Are" (Kerne e Hammerstein) até hoje gravada por aí.  O sax tenor de Coleman Hawkins, um dos mestres de todos os tempos, é o destaque da faixa que conta ainda com ninguém menos que Bud Powell no piano, Oscar Pettiford no baixo e Kenny Clark na bateria. 


"King Size" (Wilkins) surge em seguida, também facilmente reconhecida de tanto ser tocada em rádios de jazz. A seção de metais é o destaque da faixa, tocando todos juntos ou solando ou improvisando, numa integração que só o jazz dos mestres pode proporcionar.   


"Khons Limit" (Hans Koller), gravada em Viena, tem uma formação menor, mas nem por isso menos atraente: um sax tenor (Hans Koller), uma guitarra (Attila Koller), um baixo (Oscar Pettigord) e uma bateria (Kenny Clarke). Atentem para o belo solo da guitarra. 


A oitava faixa é "All Too Soon" (de Ellington e Sigman), retomando a levada mais leve que permeia o disco, desta vez na suave clarineta de Pee Wee Russel, no tranquilo sax tenor de Coleman Hawkins e no belo trombone de Bob Brookmeyer. 


O nome da nona música define bem o que ela é: "Nashstyle Blues" (Clark Terry), um mais que sofisticado blues que ganha cores especiais no trompete de Clark Terry e nos saxes tenor de Yusef Lateef e Seldon Powell.  


Por fim, "Pound Horn" (de Coleman e Webster), outro clássico facilmente identificável, onde, claro, o trompete de Coleman e o sax tenor de Webster, os autores da faixam ganham destaque especial.  


Como se pode notar, me derramei de elogios ao disco e ele merece até mais. E, embora não tenha encontrado o disco para se ouvir na íntegra, ele está à venda por aí, nos bons sites do ramo. 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Rápida e curta, sem ser grossa

 Por Ronaldo Faria

Para o Jessé Gomes da Silva Filho (vulgo Zeca Pagodinho)

Pés no chão. Cadê as mãos? Por onde andará a fita azul de Nossa Senhora que largou do braço depois de sete dias? Está acima de mim, junto com um macaco de coco e um pedaço de cana que serve para sorver a cachaça de raiz. Aqui, sob o cheiro do maracujá com a pinga Abaína que era para o Maneco - mas eu não resisti (me perdoe). Aqui, com o início da noite batendo na brisa da cidade do interior, fica ao menos a saudade implícita na visão de um samba carioca com seu mestre de Xerém. Amém...

Sobe o morro e desce correndo, feito passeio desbragado de versos e gestos largos e prestos numa folha em branco, vendo ancas e seios. Sobe como pássaro esquálido que se debate de árvore em árvore após nuvem sobre nuvem e se deixa abater no primeiro poste torto. Desce feito chuva abrupta que molha corpos e olhos a pingar feito palavras na tela que brilha bits e bytes. Esbarra em postes e luzes estroboscópicas por cada néon que chama ao amor. E faz-se performática. Ao mesmo tempo, estática, como cenário e palco no meio do asfalto. Tudo entre bordéis e hotéis de baixa permanência. Porque o amor é isso: um ser impertinente que chega, contamina e sai para vadiar. Tudo na alta rotatividade de uma cidade que se esconde entre prédios cheios de gente e tédios pessoais.

Sobe, morre e desce menino insano e criativo. Coisa de morador do subúrbio, nascido na Zona Norte e crescido entre ruas de casas acanhadas e árvores em flor. Com direito a estátua de cães e praça para brincar nas manhãs de luzes, céu a torrar. Com clube de vermelho, porque o vermelho mete medo e impõe respeito (no futuro, chegou o preto para rimar). O que faltou então? Cadê os peitos acariciados na Central do Brasil, depois dos trilhos, com a índia de cabelos negros feito as noites de carícias íntimas e tempo fugaz? Cadê os tambores de macumba, com santos de esquina e entregas na mata, velas para Exu e batismos mil?

Sobe o morro e brinca de pipa, embica pelas esquinas tortuosas e íngremes e desce de carrinho de  rolimã pelas plagas esquecidas do passado furtivo e fugidio. Coisa de roda de samba a bambear de lá para cá e de cá para lá, entre batuques, vozes e o que mais e puder dar. Feito rodada de cerveja sobre a mesa, copos a dedilhar mãos sublimes que se entregam à alegria de estar por aqui, nesta brincadeira que é tentar, a cada dia, vencer a dor. Que o asfalto quente se misture ao cheiro de mar, brinquedos da paixão e saliva do tesão, na sensação mágica e trágica da paixão. Que o universo, aberto entre a cama e o teto, cercado de quatro paredes pintadas de branco âmbar, não termine nunca porque futuras gerações, em gestações múltiplas e ímpares, únicas, aprenderão que não podem perder a magia que é viver...
 
“Me encontrem em qualquer botequim por aí.”
(Zeca Pagodinho)

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Uma jam session de peso

Por Edmilson Siqueira

Imagine reunir, em 1955, no mesmo palco os trompetes de Dizzy Gillespie e Roy Eldridge; o trombone de Bill Harris; o sax tenor de Flip Phillips; a guitarra de Herb Ellis; o contrabaixo de Ray Brown; a bateria de Louis Bellson e, como se tudo isso não bastasse, o piano de Oscar Peterson. 


Bem, isso aconteceu em Estocolmo, na Suécia, e fez parte de um projeto chamado "Jazz At The Philarmonic". E, claro, foi gravado, virou disco e, em 1990, virou CD. É esse CD que eu tenho. O projeto JATP começou em 1944 e só terminou em 1985. Há muitos discos gravados nos palcos por onde o projeto andou. Esse de Estocolmo é um deles, e aconteceu no dia 2 de fevereiro. O frio que devia estar lá fora parece que ajudou a esquentar o clima no placo e na plateia. A jam session arrancou vários aplausos no fim dos solos e pelo que se ouve da performance dos músicos, o título dado ao disco - The Exciting Battle - vem a calhar. 


São apenas quatro faixas, mas que somam 50 minutos e 29 segundos. Logo de cara, "Little Davis", com mais de quinze minutos, é uma criação coletiva de Gillespie, Eldridge, Philips, Peterson, Brown, Ellis e Bellison. Só o trombonista Bill Harris não participa dos créditos. Trata-se, praticamente, de uma apresentação do grupo todo, com muito swing para exibir a performance de cada um. 

A seguir, surge um "Drum Solo Medley", com um apequena introdução do trompete de Gillespie e 9 minutos da bateria de Louis Bellson. 


A terceira faixa é também um "medley" só que de baladas. "The Man I Love" (dos irmãos Gershwin); "I'll Never Be The Same" (Malneck, Kahn e Signoreli) e "Sky Lark "(Carmichael e Mercer).  


Por fim, com quase 15 minutos de duração, "Birks", outra criação coletiva de Gillespie, Eldridge, Philips, Peterson, Brown, Ellis e Bellison. 


Para se ter uma ideia mais precisa da empreitada do Jazz AT The Philarmonic, Bene Green escreve no encarte: "Em 1955, quando "Jazz At The Philarmonic" chegou a Estocolmo, suas convenções haviam sido estabelecidas, seus preceitos estabelecidos e sua fama mundial. Talvez a característica mais notável, e também a mais louvável, dos grupos que aparecem sob a bandeira do JATP seja sua natureza heterogênea. Deve-se lembrar que, em 1955, a estúpida guerra interna no jazz entre o antigo e o moderno ainda não havia diminuído completamente, e que lançar, digamos, Roy Eldridge e Dizzy Gillespie para a mesma plateia exigia uma pitada de coragem moral. Em alguns casos, muitos idiotas consideravam músicos como Coleman Hawkins antiquados." 


O disco é uma delícia para quem aprecia jazz como eu. São artistas que se tornariam lendas nos anos seguintes e já demonstravam que mereciam a consagração. Não encontrei o CD à venda.O que tenho é importado. Há alguns sites que oferecem o LP. Dá pra ouvir na íntegra no Spotfy - https://open.spotify.com/album/0HYkozKTDgRhOsbNnJT22D . 

sábado, 26 de novembro de 2022

Um mestre do jazz

Por Edmilson Siqueira 

Ele morreu há pouco mais de dois meses, aos 87 anos. Em 1965, aos 30 anos, gravou uma música chamada "The 'In" Crowd" (Billy Page) e o sucesso, totalmente inesperado para uma mistura de jazz e blues, tocada por um trio de piano, contrabaixo e bateria, foi tão grande que o grupo ganhou disco de ouro por ultrapassar um milhão de cópias vendidas.  


O autor da façanha é Ramsey Lewis e ele mesmo conta o que o sucesso lhe fez: "Em junho de 1965 nós estávamos ganhando alguma coisa como 1.500 a 2.000 dólares por semana. Em setembro nós estávamos ganhando alguma coisa como 15 mil a 20 mil dólares por semana..." 


Mas ele já era um nome conhecido do mundo do jazz. No final dos anos 1950 ele tocava com Sonny Stitt, Clark Terry e Max Roach e causou grande impacto no Randall's Island Jazz Festival, em Nova York.  


O disco em questão, mais um da coleção "A Jazz Hour With..." mostra o trio de Ramsey Lewis, formado por ele no piano, Eldee Young no contrabaixo e cello e Isaac 'Red' Hole na bateria, em uma de suas últimas apresentações, já que logo depois eles se separaram. O disco é todo gravado ao vivo num concerto no The Bohemian Caverns em Washington, em 1964, e mostra o entusiasmo do público que aplaude no meio de várias músicas.  

Mesmo depois da separação, Lewis construiu prolífera carreira, se tornou um mestre do jazz, gravou quase 80 álbuns, ganhou três Grammys e recebeu o maior prêmio do Fundo Nacional para as Artes dos Estados Unidos em 2007.  


O CD abre com o maior sucesso de Lewis, "The 'In' Crowd", um gostoso blues no qual o ágil piano insere um balanço que leva a plateia ao delírio.  


"Since I Feel For You" (B. Johnson) acalma o clima eufórico da primeira música, com um blues marcante e sentido que a plateia ouve em silêncio para aplaudir muito no final.  


"Tennessee Waltz" (W. King e R. Stewart) traz a interação com a plateia novamente, num gostoso folk, onde o contrabaixo se incumbe do solo e dá até pra imaginar vaqueiros dançando no saloon ao som do trio. 


"You Been Talkin' 'Bout Me Baby" (Garnet, Hirsch e Riviera), a quarta faixa do disco, já é mais jazzística, mas sem perder o swing característico do piano de Lewis, onde a melodia se mistura nas teclas com sua batida forte e percussiva. 


A quinta faixa é o tema de amor do filme "Spartacus", de A. North. A delicadeza do início da apresentação ganha um crescendo que culmina com a entrada da bateria e do baixo para dar ares mais semelhantes ao que se viu no filme.  


E quem duvida da enorme penetração que teve a música de Jobim nos EUA, a sexta faixa é nada menos que "Felicidade" (sem a vogal "A" do nome origina) e creditada apenas a Jobim, sem Vinicius, autor da letra. Lembrem-se que o disco foi gravado em 1964. A música faz parte da trilha sonora de Orfeu do Carnaval, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960, concorrendo pela França. 


"Come Sunday" (Duke Ellington) retoma o piano suave de Lewis, uma das poucas faixas em que a bateria só aparece no final para ilustrar, com o prato, o final eloquente da bela melodia de Ellington. 


A oitava faixa é outro hit do trio de Ramsey Lewis. Trata-se do clássico "Summertime", dos irmãos Gershwin, onde os três demonstram não só toda a qualidade que sempre marcou suas apresentações, como um entusiasmo contagiante. É, sem dúvida, uma das melhores gravações instrumentais do megassucesso escrito para a ópera Porgy and Bess, de 1935. 


O disco prossegue todo no mesmo tom, alegre e ritmado, dançante mesmo, em seus quase 70 minutos. 


Há muitas gravações do trio de Ramsey Lewis no YouTube, mas esse disco em particular eu não encontrei. Mas ele está à venda nos bons sites do ramo. 

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...