Por Ronaldo Faria
Para o Jessé Gomes da Silva Filho (vulgo Zeca Pagodinho)
Pés no chão. Cadê as mãos? Por onde
andará a fita azul de Nossa Senhora que largou do braço depois de sete dias?
Está acima de mim, junto com um macaco de coco e um pedaço de cana que serve
para sorver a cachaça de raiz. Aqui, sob o cheiro do maracujá com a pinga
Abaína que era para o Maneco - mas eu não resisti (me perdoe). Aqui, com o início da noite batendo na brisa da cidade do interior, fica ao menos a saudade implícita
na visão de um samba carioca com seu mestre de Xerém. Amém...
Sobe o morro e desce correndo, feito
passeio desbragado de versos e gestos largos e prestos numa folha em branco,
vendo ancas e seios. Sobe como pássaro esquálido que se debate de árvore em
árvore após nuvem sobre nuvem e se deixa abater no primeiro poste torto. Desce feito
chuva abrupta que molha corpos e olhos a pingar feito palavras na tela que
brilha bits e bytes. Esbarra em postes e luzes estroboscópicas por cada néon
que chama ao amor. E faz-se performática. Ao mesmo tempo, estática, como
cenário e palco no meio do asfalto. Tudo entre bordéis e hotéis de baixa
permanência. Porque o amor é isso: um ser impertinente que chega, contamina e
sai para vadiar. Tudo na alta rotatividade de uma cidade que se esconde entre
prédios cheios de gente e tédios pessoais.
Sobe, morre e desce menino insano e
criativo. Coisa de morador do subúrbio, nascido na Zona Norte e crescido entre
ruas de casas acanhadas e árvores em flor. Com direito a estátua de cães e praça para
brincar nas manhãs de luzes, céu a torrar. Com clube de vermelho, porque o
vermelho mete medo e impõe respeito (no futuro, chegou o preto para rimar). O
que faltou então? Cadê os peitos acariciados na Central do Brasil, depois dos
trilhos, com a índia de cabelos negros feito as noites de carícias íntimas e
tempo fugaz? Cadê os tambores de macumba, com santos de esquina e entregas na
mata, velas para Exu e batismos mil?
Sobe o morro e brinca de pipa, embica
pelas esquinas tortuosas e íngremes e desce de carrinho de rolimã pelas plagas esquecidas
do passado furtivo e fugidio. Coisa de roda de samba a bambear de lá para cá e de
cá para lá, entre batuques, vozes e o que mais e puder dar. Feito rodada de
cerveja sobre a mesa, copos a dedilhar mãos sublimes que se entregam à alegria
de estar por aqui, nesta brincadeira que é tentar, a cada dia, vencer a dor.
Que o asfalto quente se misture ao cheiro de mar, brinquedos da paixão e saliva do tesão, na sensação mágica e trágica da paixão. Que o universo, aberto
entre a cama e o teto, cercado de quatro paredes pintadas de branco âmbar, não
termine nunca porque futuras gerações, em gestações múltiplas e ímpares,
únicas, aprenderão que não podem perder a magia que é viver...
“Me encontrem em
qualquer botequim por aí.”
(Zeca Pagodinho)
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