Por Ronaldo Faria
“Eu podia estar roubando e matando, mas sou viciado em rock
n’roll”. A frase do Erasmo Carlos no seu show de 50 Anos na Estrada, em julho de 2011, diz muito do que foi o
Tremendão. Devia ter publicado esse texto que agora escrevo no dia posterior a
sua morte (como propôs o meu escudeiro neste singelo blog, o mestre Edmilson
Siqueira), mas estou e me considero aposentado das coisas corriqueiras da vida.
As coisas para mim agora acontecem assim, devagar. Devagarinho. Cansei de
emitir razões e palavras no instante de um deadline.
Não tenho mais o “parem as máquinas” como ordem suprema. É bom e ruim. É ruim
mas é bom. Hoje, um pouco recuperado da vida, a viver cervejas, decidi escrever. Assim,
como um "orgasmo quase inenarrável", como disse Erasmo no show por estar no palco
naquele momento, sigo sem expor grandiloquências de conhecimento musical, mas
prometo reviver minha infância criada no mesmo bairro que o Erasmo nasceu e
viveu sua infância, assim como eu - a Tijuca carioca.
Sou tijucano da gema, nascido às quatro da manhã do dia 20
de novembro de 1957, quando meu pai, no dia seguinte, como juiz da capital
federal, ouviria o histórico comunista baiano Carlos Marighela numa ação do
Estado brasileiro contra ele. Já escrevi sobre este dia, logo deixarei de lado
esta questão (não leiam cuestão,
coisa que devemos esquecer em nome da sanidade cultural e nacional) e apenas
revelarei de novo que nasci em casa, com parteiro, na cama que meu pai deveria
estar dormindo se há nove meses antes não tivesse me feito com a Dona Staël.
Mas, voltemos à Tijuca. Erasmo e Tim Maia nasceram em rua colada a minha, ou
vice-versa. Aliás, eu nasci depois numa rua perto (colada) da que eles vieram
para engrandecer a MPB e a vida. Em tempo: tijucano é o único gentílico carioca
reconhecido e registrado.
Nunca curti muito a Jovem Guarda, mas devo dizer que sei
cantar uma porrada de músicas dela e assistia aos filmes do Roberto Carlos no
Cine Santa Terezinha, na Tijuca, uma sala de cinema mirrada que fazia parte do
complexo da Igreja de Santa Terezinha. Lá eu tentava enganar o bilheteiro antes
de completar 14 anos para assistir os filmes “impublicáveis” de 14 anos, em
vão. Sempre fui mais ligado na MPB que Vinicius, Tim, Tom, Chico, Caetano,
Milton, Gil, Geraldo Vandré, Gal, Bethânia, Elis, Mutantes e o Mestre Lua
representavam. Como era um analfabeto em inglês (por opção de não querer
aprender a língua do “opressor” naqueles anos de chumbo), não curti como
deveria Beatles ou Rolling Stones. Errei, talvez... Mas a gente só aprende com
o tempo. Mesmo sabendo que esse aprendizado não se leva para lugar nenhum. Arrependo-me?
Sei lá, foda-se!
Mas, como disse o Erasmo no show, “eu não quero ninguém
triste aqui hoje”. Mesmo que a tristeza tenha feito residência eterna para mim
no dia 9 de outubro último e irá me acompanhar até a derradeira cremação e
união. Enfim, voltemos ao Tremendão. Acho que ele foi um ícone na MPB. Foi
parceiro do dito Rei, virou o jogo na rebeldia do rock e seguiu sem mesuras a
própria estrada. Foi rebelde, roqueiro, genuíno, ele próprio. Suas canções,
suas estrofes, suas letras, seu jeito de ser, certamente foram muito mais
autênticos do que o Roberto “bom moço”, que posava com os generais-presidentes
da ditadura em sorrisos largos e se eternizou nos especiais globais. Enfim,
cada um segue rumo que quer seguir e que faça bom proveito dele. Contudo, para
quem bateu cabeça e deu muro em ponta de faca (e dá até hoje), rompendo
contratos e fatos como eu, em troca de uma consciência exígua e plena, prefiro o
Erasmo.
Não vou aqui discorrer sobre o DVD de 50 anos de carreira (fantástico) e os discos
dele (tenho quase todos). Não sou de me achar um crítico exemplar. Na verdade,
sou sequer um ser exemplar, quanto mais crítico. Mas me rendo ao Erasmo como fã
de alguém que abriu mão de estar no ápice da MPB como o seu parceiro de canções
para ser ele próprio: um roqueiro na essência e um ser múltiplo, com seus "disparates", seus "erros", acertos, loucuras, entregas à vida, incongruências,
dias fatídicos e por vezes prazerosos. Que na velhice, ao contrário do Rei, não
pintou os cabelos. Ou seja, alguém como eu e você, raríssimo leitor. Que se
sabe mortal e imortal na própria e única existência terrena. Afinal somos seres de alguns
momentos, algumas quirelas de felicidade, alguns irrisórios ditames capazes e incapazes
de sorver os mistérios que se abrem e se fecham em cada amanhecer e morrer de
um dia. Coisa frugal e letal. Eterna para uns e finita para tantos. Como
sabedor de ser finito por apenas uma geração a mais, declino aqui minha
homenagem ao Erasmo. Grande Tremendão, uma singela homenagem do seu “parceiro”
de bairro. Maravilhosa e bendita Tijuca. É isso aí, bicho, que a eternidade lhe
seja tudo de bom. E que tudo seja uma brasa, mora! Afinal, é assim que a quero
logo mais. E que não esteja errado...
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