quarta-feira, 20 de abril de 2022

Curare, onde a música e a cantora se completam

Por Edmilson Siqueira 

Quando meu carro tinha um CD player, fiz cópias de muitos discos e botei tudo num porta CD para ouvi-los enquanto dirigia. Um dos campeões de audiência dessa época é Curare de Rosa Passos. Era, e é, na minha opinião, o trabalho de Rosa que mais se aproxima da bossa nova, ela que já foi chamada de João Gilberto de saia. 


Claro que Rosa é uma das melhores intérpretes do Brasil, além de ser inspirada compositora e exímia na arte de tocar violão. Seus discos são produzidos com o mesmo cuidado com que se dilapida diamantes e é difícil dizer que um é melhor que o outro.


Talvez esse Curare tenha caído tanto no nosso gosto por essa afinidade com a bossa nova, com um repertório irrepreensível. Evidente que a interpretação da moça, sensível, delicada e afinadíssima ajuda muito.  

A primeira música é a que dá nome ao disco e seu autor é Bororó, um nome não muito relacionado com a bossa nova, mas nem por isso fora do alcance dos ouvidos mais sensíveis. Apesar do nome sugerir o apelido de um compositor do morro, Bororó é Alberto de Castro Simões da Silva (1898-1986), sobrinho da Marquesa de Santos, funcionário público no Rio, mas mais conhecido como cantor, compositor e, principalmente, boêmio. A primeira gravação de Curare foi de Orlando Silva. E é dele também outra linda música: Da Cor do Pecado, seu primeiro sucesso. 


Jobim é o principal compositor desse disco. Dele, Rosa escolheu Fotografia, Dindi (com Aloysio de Oliviera), A Felicidade, Só Danço Samba e O Nosso Amor (essas três com Vinicius); três sucessos de Haroldo Barbosa - Tim Tim por Tim Tim E Adeus América (ambas com Geraldo Jacques) e Eu Quero Um Samba (com Janet de Oliveira); dois de Ari Barroso - Aquarela do Brasil e Folha Morta; um de Djavan - Sim Ou Não; um de Johny Alf - Ilusão à Toa e um de Carlos Lyra e Vinicius - Coisa Mais Linda.  


Como se vê, a seleção de música é das melhores e Rosa Passos dá a todas elas, uma interpretação pessoal, fugindo das gravações que já existem e recriando muitas vezes esses sucessos já tantas vezes gravados e regravados por aí. O que, convenhamos, não é tarefa fácil. Mas a baianinha tem talento de sobra.  


Só para se ter uma ideia desse talento, em sua página na internet há a seguinte anotação: "Em 2006 Rosa se apresenta ‘solo’ no palco do Carnegie Hall Zanken Hall em um show de voz e violão. Rosa dedicou o ano de 2007 ao público brasileiro e em novembro de 2007 apresentou-se no Blue Note de New York, prestigiada casa de jazz, uma série de seis shows que anteciparam sua participação como homenageada da Berklee College Of Music em Boston onde ministrou oficinas de música com presença do corpo docente e alunos da renomada escola. Em janeiro de 2013 gravou um cd dedicado à música de Djavan, através da MdA International e voltou a percorrer o Brasil e mundo com apresentações junto a seu grupo." 


Pois é, a moça, dona de 17 discos, não deixa por menos. Tenho dez CDs de Rosa Passos, dois ou três autografados, pois ela se apresentou na antiga e saudosa Estação Santa Fé de Barão Geraldo e estávamos lá, Zezé e eu, encantados, numa mesa a poucos metros dela. 

Curare pode ser ouvido integralmente no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=yXo0kQWrY80&list=PLTaRWr5sdDvloEK2I6k25xLTifrPaYbEt) e pode também ser adquirido nos bons sites do ramo. Vale a pena não só ouvir, como ter esse disco na coleção. É coisa fina. 

terça-feira, 19 de abril de 2022

Waly Salomão 3

 Por Ronaldo Faria

Gritemos e nos engalinhemos, nos engalfinhemos, naquilo que isso for. Nos esforcemos para aguentarmos quem não nos entende e nunca nos entenderá. Seja em que esfera for. Sorte do Vinicius, Tom e tantos mil outros que optaram pela orgia ou solidão. Fechar ou se abrir entre janelas sobre a Guanabara. Sob a distância, a alquimia de ser, ver e ouvir e se calar. Se dar em si mesmo em nome dos outros, se amputar, se calar, se fazer um nada a nadar nas antropofagias de se matar. Ouvir as “verdades” e calar. Viver o amor perfeito no peito que se esvai vida afora. Em mililitros ser julgado. As ideias, os versos e reversos, esses que se fodam. O tanto vivido, sobrevivido, renascido, refeito, premido, calcinado de pesadelos e desmazelos, que se foda. A vida é, enfim, uma foda maldada. Eu preciso...

Oh, minha honey baby.”

(Wally Salomão)

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Prazeres matinais

Por Edmilson Siqueira 

Cliquei sábado de manhã no YouTube para assistir alguns vídeos e o programa me aparece com a capa de um CD onde dois artistas negros, já na terceira idade, se olham de frente, meio que abraçados, num olhar mais que fraterno. O título do CD é Collaboration, eu não conhecia e, por um impulso provocado pela bela foto da capa, cliquei para ouvir. 


O som que começou a tocar, sem trocadilhos, me tocou logo de cara.  Um piano esperto, uma bateria presente, porém discreta, um contrabaixo fazendo a base. A música é Rhythm-A-Ning e exige grande concentração dos solistas, mas eles tocam como se já a conhecessem há muito tempo, transmitindo não só a beleza do ritmo, mas o prazer de fazer a coisa certa e bonita.  


A segunda faixa é lenta, mas é um clássico e quando começa já arrebata o ouvinte. Uma introdução simples para as primeiras notas de Summertime ao piano, enxutas, certas e prazerosas. Aí eu já quero conhecer mais e invado o Google à procura de referências sobre o disco. E descubro que o baterista é Elvin Jones e o pianista é seu irmão mais velho, Hank Jones. No contrabaixo Richard Davis. O disco foi gravado no Avatar Studios, em Nova York, nos dias 12 e 13 de maio de 2002, com exceção de uma faixa que foi gravada na Sony de Tóquio em fevereiro de 2004. 
   

Mas o disco tem mais histórias. Pesquisando em sites de vendas, sou informado que as sessões do Avatar Studios resultaram em três discos e que esse Collaboration é o terceiro, todo ele com faixas alternativas, com exceção da faixa gravada em Tóquio. O primeiro álbum, Autumn Leaves, está disponível na 441 Records. O segundo, Someday My Prince Will Come, foi lançado pela Sony Columbia.   


Descubro também que esse é o último álbum gravado pelos dois irmãos e que a faixa de Tóquio, Memories of You, é, possivelmente, a última gravação dos dois juntos. Ela foi gravada em 5 de fevereiro de 2004 e Elvin Jones morreu em 18 de maio do mesmo ano. 


Pra quem não sabe, inclusive eu, Elvin Jones foi um dos bateristas mais influentes da história do jazz moderno. Seu irmão, Hank, ótimo pianista por sinal, escreveu no encarte do Collaboration um texto intitulado "Elvin, meu irmão". Um trecho: "Eles dizem: 'Os bons morrem jovens'. Concordo. Thad e Elvin sim. Eles dedicaram suas vidas ao que amavam e acreditavam, mesmo que isso significasse encurtar suas vidas. Como membro da família, às vezes me pergunto se pudéssemos ter feito menos e permanecido juntos como uma família por mais tempo. Por outro lado, respeito sinceramente o desejo de Elvin de viver sua vida (tocar). O mundo da música de hoje não existiria sem ele. O fato de ele ter sido um grande baterista que influenciou todos aqueles que vieram depois dele ficará para sempre nos discos e na memória das pessoas." 

Além de Rhythm-A-Ning e Summertime, o disco tem ainda Satin Doll Blue Bossa, Long Ago And Far Away, The Shadow Of Your Smile, Autumn Leaves, My Funny Valentine, Moose The Mooche e Memories Of You. 


Por fim, é um trio de jazz com a formação clássica de piano, baixo e bateria, com um excelente repertório levado por três músicos não só altamente experientes, mas também deveras talentosos. Ganhei o sábado ouvindo os três.


O disco está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido inteiro no YouTube neste endereço: https://www.youtube.com/watch?v=9WWCz49zAA4 

sábado, 16 de abril de 2022

O Passarim do mestre Jobim

Por Edmilson Siqueira 

Antonio Carlos Jobim, o nosso Tom, sempre será merecedor de todos os elogios possíveis, claro. Mas, como já andei elogiando o moço no primeiro texto deste blog, vou passar direto por essa seção e entrar de sola no primeiro CD que eu tive na vida. Lembro-me que foi um presente de aniversário, ainda nos anos de 1980 e que nem tínhamos ainda um CD player. Que, por óbvia necessidade, foi comprado logo em seguida. Quem me deu que me desculpe, mas não consigo lembrar, afinal, lá se vão pelo menos uns 35 anos. 


Mas o que importa é que se trata de um Jobim e, consequentemente, até hoje ouço e sempre com um prazer renovado. O disco se chama Passarim, mesmo nome da primeira música. Como compositores, além de Jobim, fazem parte do disco Paulo Jobim, Danilo Caymmi e George Gershwin. E como letristas Ronaldo Bastos, Paulo César Pinheiro, Chico Buarque, Gil Goldstein e Ira Gershwin. Como se vê, o time só tem cobra criada. 

No ótimo site Instituto Antonio Carlos Jobim - que tem em seu acervo tudo de Dorival Caymmi, Chico Buarque, Gilberto Gil, Paulo Moura, Milton Nascimento e Marieta Severo, ficamos sabendo de detalhes importantes dessa obra (e de todas as outras) do nosso maestro soberano. Está lá no site: "Depois de Matita Perê e Urubu, Passarim completa a trilogia de discos de Tom com nome de pássaro; é o primeiro com a Banda Nova, com quem gravaria outros: uma produção familiar, com coordenação e arranjos de Paulo Jobim e Jaques Morelenbaum. Além de Paulo no violão e Jaques no cello, a Banda Nova era formada por Danilo Caymmi na flauta, Tião Neto no baixo, Paulo Braga na bateria e os vocais femininos de Ana Jobim, Elizabeth Jobim, Maúcha Adnet, Paula Morelenbaum e Simone Caymmi. Além da canção título Passarim, composta para O tempo e o Vento, com raízes nas parlendas infantis (“Cadê o fogo, a água apagou/ E cadê a água, o boi bebeu/ Cadê o amor, o gato comeu”), o álbum traz as inéditas Borzeguim, manifesto em defesa do mato e dos índios, e Chansong, com letra original em inglês. Gravado entre novembro de 1986 e março de 1987, em dois estúdios cariocas (Polygram e Transamérica), Passarim foi mixado em abril, em Nova York, por Tom e Jaques." 


É nesse disco que Jobim e Chico Buarque cantam o tema de Anos Dourados, feito para a minissérie da Globo onde foi apresentada somente no modo instrumental e já impressionava pela beleza da melodia. 


Há outras curiosidades, como Isabella, música de Paulo Jobim e letra do próprio Paulo em parceria com Gil Goldstein. Já Fascinatin' Rhythm, um ícone do jazz, dos irmãos Ira e George Gershwin, é cantada em ritmo de samba. E Samba do Soho, música de Paulo Jobim e letra de Ronaldo Bastos, é cantada em português, mas no encarte a letra está em inglês com algumas frases em português.   


É nesse disco também que Jobim lança o grande sucesso Luiza e o longa e deliciosa Gabriela (a música). É, enfim, um disco sensacional (mais um) de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que, infelizmente, à época que foi lançado nem vendeu muito. Mas é daqueles discos que, permanecendo no catálogo da gravadora, vai continuar vendendo para todo e sempre. 


O CD pode ser comprado por aí nos bons sites do ramo e pode ser ouvido inteirinho no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=0mHSBIPU2Ks&list=OLAK5uy_lqI5tr0mIJxAIqDNiPrnsdyh7w5rMBvCc . 

sexta-feira, 15 de abril de 2022

A Waly Salomão 2

 Por Ronaldo Faria 

À essência da essência, a discrepância da excrecência no que ela for. Entre uma lágrima incontida e outra contida, vejo o meu Rio de Janeiro. Minha terra, meu lar pouco brejeiro, quiçá, meu pesadelo de cada noite mal dormida. Mas, feito Assis Valente, não tomarei formicida. Vou deixar o resto de vida se envenenar no meu resto de vida, endividada em si e carcomida. Quem sabe um baseado, entre a base de tudo e o turvo, far-se-á no futuro a alquimia. “Tem pra vender?” Saber-se-á de antemão e na mídia. Na alfafa que derrama em rama, a mansidão. Quem sabe um luar obscuro e escuro não se fará na incandescente réstia que rompe o fogo de fastio que irrompe no matagal que floresce como fosse trigal.

“Me sinto contente. Completamente. Completamente feliz.”

(Waly Salomão)   


Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...