quinta-feira, 12 de maio de 2022

Os irmãos do swing

Por Edmilson Siqueira 

Da amiga Mariella recebo no WhatsApp um link para um disco de jazz. O nome é Brothers In Swing e o grupo é encabeçado por Ricardo Baldacci, seguido de três nomes estrangeiros, dois deles com sobrenome de peso no mundo do jazz: Martin Pizarelli e Bucky Pizarelli, além de Konrad Paszkudzki. Confesso quem com exceção dos Pizarelli, não conhecia os outros. Nem o brasileiro Ricardo  Baldacci.  


Ao ouvir o CD no Spotify, decidi comprá-lo antes de chegar à terceira música. Um fino conjunto de jazz se apresentando com clássicos do gênero na voz (ótima) e na guitarra de Baldacci, na guitarra de Bucky, no contrabaixo de Martin e no piano do australiano Konrad. 


Fui atrás da história de Ricardo Baldacci e do disco, já pensando em escrever aqui no Musicoólatras sobre eles. E descubro que o brasileiro é famoso no mundo jazzístico de festivais, muito mais que no mundo das gravações. Gravou três discos até agora, mas sua carreira diz muito mais sobre ele. 

Na sua página da internet, um release sobre ele começa assim: "Ricardo Baldacci é cantor/guitarrista de swing jazz. Possui em seu repertório as pérolas do cancioneiro norte-americano, que aliadas ao seu trio sem bateria, numa referência aos seus ídolos Nat King Cole e John Pizzarelli, promovem uma tradução das canções da Era do Rádio em renovadas performances jazzísticas. 


Depois de mais de uma década atuando como consultor de marketing e professor universitário, o artista escolheu entreter o público e trazer para a sua música a delicadeza e alegria de um tempo que parece não mais existir. 


O Swing, que esteve no auge nos anos 1930 e 1940, foi concebido como música para entretenimento, geralmente com grandes orquestras. Baldacci bebe na fonte desta motivação para adaptar para o formato do trio sem bateria, o “drumless trio”, o poder de “swingar” das Big Bands." 


Nesse disco em particular, foi acrescida mais uma guitarra, do mestre Bucky Pizzarelli, que deixa tudo melhor ainda.  


Dá pra falar sobre esse disco por muitas linhas, mas vou deixar aqui parte do texto que está nas redes, que conta a história toda. Não sei quem escreveu, mas o fez muito bem.  

"Produzido por Ricardo Baldacci, Brothers in Swing é o segundo álbum de carreira do cantor/guitarrista, e até hoje o primeiro registro nacional com o guitarrista e lenda do jazz, o norte-americano Bucky Pizzarelli.  


Em maio de 2014, foi convidado para tocar em um festival em Manhattan por Lenny White e conheceu Bucky Pizzarelli, um dos patriarcas da guitarra jazz. Na ocasião, encontrou o engenheiro de som Bill Moss e comentou sobre a utópica possiblidade de gravar um disco com os seus ídolos. 


Em janeiro de 2015, Ricardo escreveu a Bill perguntando se haveria a chance de tornar realidade aquele projeto de que haviam falado. A resposta veio em duas semanas, com as datas de gravação já programadas. Ricardo Baldacci fez uma breve seleção de músicas, escreveu alguns arranjos e foi para Nova Iorque 15 dias depois. Gravado em duas sessões no Samurai Hotel Studios no Queens, NY, Brothers in Swing acontece em clima de espontaneidade e camaradagem e tem o “swing” (balanço) como marca registrada. É uma grande homenagem de Baldacci à música da família Pizzarelli, que retribui na mesma proporção ao artista brasileiro. Mais uma vez, a exemplo do seu CD prévio, Baldacci escolheu por preservar, na maioria das faixas, a sonoridade do trio sem bateria (baixo-acústico, piano, guitarra/ voz) que neste disco se alterna entre arranjos de duos de guitarra e voz, piano e voz, e também números solos de guitarra. 


O CD apresenta em 17 faixas, uma série de composições clássicas, além de duas originais de Ricardo Baldacci e uma em parceria com Martin Pizzarelli e Konrad Paszkudzi. No repertório, há grande variedade: “swing”, baladas e “novelty songs” – canções como In a Mellow Tone (Duke Ellington), Embraceable You (Gershwin) e Route 66 (Bobby Troup), além de outros “standards”, entre eles alguns desconhecidos como a pouco gravada Call The Police (Nat King Cole). 

Brothers in Swing é um tributo a alegria e a sonoridade típica do Swing Jazz, um disco repleto de atuações inspiradas que emocionam e um prato cheio para os amantes do Great American Songbook." 


No Youtube dá para ouvir (e ver) várias músicas do disco que também está à venda nos bons sites do ramo. 

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Ao Celso Fonseca

Por Ronaldo Faria


“Como juntar uma porção esquisita de metonímia e uma pitada de metáfora, fazer um bolo recheado de mil emoções e depois cortá-lo com uma faca serrilhada e cega só para ti?”

O pensamento do amado delira em vórtices mentais e voltas de palavras em lavras e rimas cretinas. Sobra-lhe emoção, falta-lhe creatina. “Mas, para que tanto ser insólito a voar no ar? Que turvas imagens são essas que permeiam minha vista e meu pecado?”

 “Como separar um bocadinho de ervas pífias pegas na horta do mundo e juntá-las ao tempero no esmero do amor para fazer um bolo hermético à solidão? Ligar o forno ou findar a canção?”

Os delírios mentais da amada se travestem de pensamento e lamento indolor transbordado de dor. Resta-lhe desejo, sobra-lhe muito medo. “De que forma, mesmo deformada, poderei mandar-lhe uma fada madrinha? Como matar um galo que sempre viveu na rinha?”

“Como deixar o acaso viver ao ocaso, rastilho de fogo que não espocou na lenha queimada na madrugada, e ser a eternidade do nada? Pegar a caçarola para cozinhar ou deixar tudo cru?”

Nas loucuras soltas e roucas dos dois, passos e braços se entrecortam no caminho que para na esquina onde o pó dá nó no peito. Faltam-lhes carícias, sobram-lhes poemas de Vinicius de Moraes. Restam-lhes a verve dos ensandecidos e faltam-lhes a insana fala do que dizer.

II

Corpos nus no desnudar onde só a pele e as penugens podem vestir o amor. Olhares que brilham e tornam em centelhas meras performances de se juntar. Coisa tão milimétrica que nem a métrica poética sabe explicar. Onde está o demônio que não desaparta? Onde está o pai que não vê pecado no tal desenrolar? Por detrás da cortina de uma tela de LCD, o poeta profetiza nas músicas e no violão de um cantor o coração a sorrir e sambar na etérea batucada...

terça-feira, 10 de maio de 2022

Dave Brubeck e suas canções de amor

Por Edmilson Siqueira 

Foi muito bom alguém ter a ideia de juntar num só discos várias gravações de Dave Brubeck que versam sobre o romance, o amor, temas mais delicados que, na maestria do seu piano, se tornam inesquecíveis. Ainda mais se a esse piano se juntam ao sax alto de Paulo Desmond, o contrabaixo de Eugene Wright e a bateria de Joe Morello. O resultado é um disco onde a suavidade do grupo e a criatividade dos instrumentistas, todos jazzísticos por natureza e talento, se sobressaem nas ricas melodias de vários e grandes compositores norte-americanos. 


O texto na contracapa do disco, que infelizmente não é assinado, assinala:  "Todo o material aqui, exceto as pérolas de Brubeck, "In Your Own Way" e "Audrey", pertencem ao The Great American Songbook Alist, com contribuições de mestres como Porter, Bernstein, Rodgers and Hart, Burke & Van Heusen e Soudhein, cintilantemente digitalizado. A maior parte do repertório é executada pelo Dave Brubeck Quartet - apresentando o saxofone alto do parceiro de longa data Paul Desmond, o sempre constante baixista Eugene Wright e a bateria espetacular de Joe Morello - que durante todos esses anos juntos, de 1958 a 1967, foi o mais popular conjunto jazzístico do seu tempo, talvez de todos os tempos. E por uma boa razão, pois as conversas de Brubeck e Desmond em contraponto eram ao mesmo tempo sofisticadas e completamente acessíveis." 


O disco se chama "Love Songs" e o título não poderia ser mais apropriado para a coletânea escolhida. Logo de cara, "My Romance", de Rodgers e Hart, seguida de "What Is This Thing Called Love" de Cole Porter. "These Foolish Things" de H. Marvell, J. Srachey e H. Link, vem a seguir. A quarta faixa - In Your  Own Sweet Way, do próprio Dave - é a única apenas com seu piano. O quarteto volta na faixa seguinte - "Somewhere", de L. Bernsteins e S. Sondhein. "La Paloma Azul", um tema folclórico com arranjo do próprio Brubeck é a sexta faixa. Uma parceria entre Brubeck e Paul Desmond - "Audrey" é a próxima faixa e nesta, Bob Bates é o baixista e Joe Dodge é o baterista. Eugen Wright e Joe Morello voltam na música seguinte - "You Go To My Head", de H. Gillespie e J.F. Coots. A ´penúltima faixa é "Like Someone In Love", de J. Burke e J. Van Heusen. O disco se encerra com um toque latino com o clássico "Besame Mucho", de C. Velazquez.

Trata-se do mais puro jazz que um quarteto de piano-sax-baixo-bateria poderia oferecer, habilmente apresentado por talentosos músicos comandados por um dos gênios do gênero: Dave Brubeck 


O CD está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube neste endereço: https://www.youtube.com/watch?v=NgoLOT7QQiM&list=PLjibNeIuIqXc45salNlTAwMku-X8dJAkr . 

segunda-feira, 9 de maio de 2022

À Tatiana Rocha

 Por Ronaldo Faria


Trazida de longe. Tátil, Ana.

Riso maroto. Brancos dentes a sorrir. Em mi.

E o Sol dá-se em ré. Haja dó. Nem que seja lá.

Defronte, o mar se mostra frágil ponte.

Lá longe, um horizonte.

Um dragão por trás dos montes...

Tragicomédia além da fonte.

 

Vinda de outras terras, falácias, falésias e quimeras.

Caranguejos ao dente, feras a dobrar.

E areia molhada a vestir o velho porvir.

Poetisa que se mimetiza a sorrir.

Embriagada de vento a voar e cerzir.

A costurar presente e futuro,

Entre um acordar e um tanto de dormir.

 

Filha do tempo, fluminense, baiana e o que vier por vir.

Ser passageiro, carinho matreiro.

Metro e uns tantos, para lá de métricos volteios.

E assim vai: sempre de onde veio...

Descobrindo a diferença entre o pão e o centeio.

Passeando no fio da navalha, no meio.

Tatiana, à tua rocha lapidada, o veio...

 

A pular as ondas, passar-se ao tempo,

A descobrir que entre o homem e a morte há sorrir e lamento.

E panelas saudosas, plantas aquosas.

Cães a latir e árvores a plantar magias sem fim.

Ruas iguais, quais sensações como tais.

E novos palcos e mil cantares fetais.

Trazida de longe, tátil e Ana, vive apenas a querer mais.

Que os deuses da África a mostrem feito mágica.

sábado, 7 de maio de 2022

A gente faz por telepatia

 Por Ronaldo Faria

 


Barulho, arrulho, milho e olho, caolho.

No Nordeste fala-se “mirolho”...

Cata-cavaco, caô, canal...

Filho de santo e cabeça, animal.

“O normal é anormal.”

Solitário e notívago, de olheiras e tal.

À espera de abrir-se desigual.

Novembro me espera sem horário, lalau.

E desce cerveja, desce vodca, tudo banal.

Para rimar, a mulher e o seu cheiro (...)

Bom dia, boa noite. É Carnaval!

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Um Noel diferente com Cristina Buarque e Henrique Cazes

Por Edmilson Siqueira 

Que Noel Rosa foi um dos maiores compositores da tal da música popular brasileira não resta qualquer dúvida. Em apenas oito anos de atividade musical ele inovou em todos os campos do samba, criou várias tendências, deixou um repertório irrepreensível que, exatos 85 anos depois de sua morte (ele morreu em 4 de maio de 1937) continua sendo gravado.  


E entre todas as regravações da obra de Noel, como a ótima de Ivan Lins já comentada aqui, uma das mais interessantes foi a produzida por Cristina Buarque e Henrique Cazes, em 1993. Os dois, grandes conhecedores do samba e da música em geral, decidiram fazer não um disco comum, com os grandes sucessos de Noel e sim algo "que fugisse do repertório óbvio e não caísse no vazio das releituras ecléticas", como assinala o texto no encarte do disco que, infelizmente não é assinado. 


Partindo desse princípio, o que se vê no disco são várias obras de Noel que pra muitos soam como inéditas, já que não fazem parte do repertório tradicional que é sempre reproduzido quando se quer homenagear o Poeta da Vila.  

Henrique Cazes participou, por mais de 15 anos, do conjunto Coisas Nossas, especialista na obra de Noel, e Cristina, desde sempre, foi familiarizada com o universo do samba. Juntos, montaram um disco - na verdade foi um show montado que virou disco - para mostrar as várias facetas de Noel, como "o cronista que não perdeu a atualidade, o humorista, o inovador de formas..." 


O título do disco e do show é "Sem Tostão... A Crise Não É Boato" e junta o nome de um samba com a uma afirmação de Noel durante uma entrevista: "A crise é a única coisa no Brasil sobre a qual podemos afirmar... não é boato". Noel morreu em 1937 e a crise, bem a crise insiste em nos acompanhar eternamente.  


O sucesso do show foi tanto que a dupla preparou um segundo, que também virou disco. Mas é o primeiro disco que estamos sugerindo aqui. O segundo será assunto num dia desses.  


A ótima seleção do show começa com Três Apitos, um samba mais que conhecido de Noel, mas logo entra no repertório mais "escondido" do compositor: Mulato Bamba, Mulata Fuzarqueira, João Ninguém, Saí da Tua Alcova, Para me Livrar do Mal (com Ismael Silva), Nunca Dei a Perceber (com Ismael Silva). Muitas dessas faixas são precedidas de uma história engraçada ou curiosa, contada por Henrique Cazes, como é o caso de O X do Problema, Triste Cuíca (com Hervê Cordovil) e Século do Progresso.  


Quando o Samba Acabou, Você por Exemplo, Tudo que Você Diz, Pra que Mentir (com Vadico) , Mentir, Você Só ...Mente (com Hélio Rosa), cordiais Saudações, Quem dá Mais, Faz Três Semanas, Sem Tostão (com Arthur Costa), Onde Está a Honestidade?, Pela Décima Vez, Só Pode Ser Você, (com Vadico), Cem Mil-Réis (com Vadico), Quem Ri Melhor, Último Desejo, Adeus (c0m Ismael Silva), Feitiço da vila (com Vadico) completam o disco-show que dá um panorama diferente – e com a mesma qualidade de sempre - da obra do grande Noel Rosa.

 

O disco pode ser ouvido no YouTube - https://www.youtube.com/watch?v=7hQgItYiZmc&t=35s - e também adquirido por aí, nos bons sites do ramo. 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

A foto, o feto

 Por Ronaldo Faria

"Morrer é foda. Viver é difícil!"

(Renato Russo)

 

Um homem mais feliz que a felicidade. Um garoto a brincar de bola entre uma foto e um instantâneo piscar de olhos. Um menino contra o outro. Ambos afoitos, fetos do futuro que não cabe a nós traduzir, ver ou medir. E quantos abraços não terão acontecido nesta disputa louca e irreal, marcada em fotograma e química, unindo vidas que se foram e se fundiram em risos e rezas pelo dia de amanhã. Coisa de paixão e sonho de vazio real, feito a última gota que cai no copo translúcido como o riso da infância sem saber o que será a vida para frente: se vai acabar de repente ou vai seguir em rompantes do haver. É, será ou há de ser?

Um homem mais feliz que a saudade. Um menino a driblar cárceres e sinas de fugas e fétidas celas encravadas no simulacro de eras para milhares de feras. E quantas brincadeiras não terão se refeito de unir e vaticinar dias melhores, cheios de torcidas e cismas ensimesmadas de um toque a mais, um drible refeito, um gozo fértil de olhar para o céu, ver o sol e dizer: este momento, finito, não há de morrer.

Coisa de criança, anciã na saudade que arde e infantil no simulacro que existe entre o estar feliz e ser triste. Ou, senão, simplesmente, ser. A ilusão vai vencer o que há de limite entre o céu e a terra. E o gol sairá e a volúpia da embriagada jogada em verdade far-se-á. Ela sempre há de se fazer e verter. Até a derradeira dividida do que é e daquilo que não foi. Até o último tocar em um passado que voltou.

A água que cai tosca molha a terra e espera o líquido da eternidade. E se a chuva é fria, molhada e louca é dela que a vida a vida trará a perfídia. Tratante ou tátil, insone ou louca.

Ps.: Acabaram dúzias de cerveja. A verve ainda há de se comprar do arremate entre o que se vê agora e aquilo que se quer que o outro veja no porvir do virá!

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...