sábado, 3 de setembro de 2022

Dizzy e Sarah, há 72 anos

Por Edmilson Siqueira 

Em 1950, Dizzy Gillespie, acompanhado de um conjunto cujos integrantes são até hoje desconhecidos, realizou um concerto tendo como crooner ninguém menos que Sarah Vaughn. Ele estava com 33 anos e ela com 26. Já eram veteranos e deram um show. O concerto foi gravado e, pelos menos 34 minutos dele sobreviveram e chegaram ao CD em 1995.  


O CD leva o nome do trompetista com Sarah Vaughn e um subtítulo de "Body And Soul", que é a quarta faixa do disco e com a qual, em 1942, aos 18 anos, Sarah ganhou o concurso da Noite de Amadores do Teatro Zeus. O prêmio? Dez dólares. E uma semana para cantar no Apollo. Algum tempo depois ela foi contratada, em 1943, para abrir os trabalhos para Ella Fitzgerald. 


Mas em 1950, ela já dominava o palco como mostra o disco, em gravação mono e ainda incipiente perto da estereofonia que já existia. O CD que tenho é importado e nem me lembro onde comprei. Sei que é uma dessas joias que, apesar da qualidade precária da gravação ao vivo, ainda causam emoção, pela qualidade dos músicos - Dizzy dá um show à parte, inclusive fazendo scats em dupla - e pela performance de Sara, já uma cantora madura e que viria a ser considerada, nas próximas quatro décadas (ela morreu em abril de 1990, aos 66 anos), como uma das maiores de todos os tempos da música norte-americana.  

O bebop de Dizzy chega a imperar em quase todas as faixas. Eu, que não sou grande admirador desse estilo, abro uma exceção para esse disco, talvez embevecido pela presença de Sarah e também, por um certo comedimento de Dizzy, que não exagera muitos nos improvisos "bebopianos". 


Como escrevi acima são apenas 34 minutos, mas encantam que aprecia jazz. O CD começa com "Rhumbop Concerto", tema composto por Duke Ellington e B. Strayhorn, com longos 8 minutos e 12 segundos, onde a banda, exibe, no melhor estilo, o fusion que Dizzy já vinha namorando há tempos. "Study in Soulphony", do próprio Gillespie, vem a seguir. Um tema lento, onde o trompete se destaca em altas notas e em bela melodia.  


Sarah entra na terceira faixa com a música que se tornaria um clássico e é regravada até hoje: "Love Me Or Leave Me Alone", de W. Donaldson e G. Kahn. Em seguida ela prossegue cm "Body And Soul", de J. Green e E. Heyman. Em ambas dá um show de interpretação.  


A quinta faixa tem um título onomatopeico, "Oop Bop Sh Bam", e foi composta por Gillespie e D. Fuller. Em 5 minutos e 18 segundos, o grupo parece se divertir e dá pra imaginar que estejam dançando no palco, e a plateia participa com gritos e palmas. O ritmo é frenético e o volume comedido do piano na primeira parte, não denuncia o que vem depois, quando entram os metais e um cantor, que pode ser Dizzy, fazendo scats sem fim. Há uma cantora também, que pode ser Sarah, mas não há essas identificações na relação de músicas. 

O clima dessa faixa prossegue nas outras duas e últimas do disco, a sexta -  "Ool Ya Koo" - da mesma parceria da anterior e a sétima - "Say A" - apenas de Dizzy. 


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=LJVUbqVPJjU . E ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Paquito D'Rivera

 Por Ronaldo Faria

À vera dirás: “Cadê o Paquito D’Rivera?”

Eu, de cá, apenas saberei soar: “Estará aqui ou soprará dacolá?”
Três do dez de dois mil e dezesseis dá para rimar...
 
Está escuro no obscuro e ensurdecedor augúrio de querer ser. Hoje um pouco, amanhã um colher. Leia-se bem, não colher. No seja para o que der e vier. A viajar num infinito vulgar inconstante instante monolítico, o poeta vai poetando, trágico ou aflito. Nos poucos dias que restam, o dedilhar de dedos retos e prestos. Um lutar contra a maré. E uma certeza: “Vai na fé”. Para o que der e vier. Um desaparecer no mar, uma aquiescência na eloquência do bem-querer. A terra passageira e do passado em ter. Banhos de histórias passadas, genéticas e fonéticas do que terá que vir a ser. Ao Paquito, mesmo sendo eu no mundo dele um esquisito, calados ouvidos...

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O “Novelhonovo” do Nouvelle

Por Edmilson Siqueira 

O primeiro disco do Nouvelle Cuisine, lançado em 1988, foi todo em inglês. O segundo, de 1991, tinha apenas quatro das 14 músicas, em português.   Perguntado sobre o motivo de preferir músicas estrangeiras (a maioria norte-americana), um dos membros disse que não havia encontrado no repertório tupiniquim tantas boas letras que combinassem com o estilo do grupo. O estilo era mais jazzístico, cool, mas mesmo que fosse estilo folk dos gringos, ou pop europeu ou sei lá o quê, o que foi dito foi uma grande bobagem. Isso porque a tal da MPB tem tesouros e mais tesouros, em todos os estilos, com letras impecáveis e de fazem inveja em qualquer país. Jobim mesmo sempre se preocupou com as "versões" que sua música começou a ganhar nos EUA depois que a bossa nova estourou por lá. No início não conseguiu, mas salvou a maior parte da obra das "letrinhas" que queriam colocar nas sensíveis poesias dele, de Vinicius e de outros parceiros. 


Mas o Nouvelle, com certeza, percebeu que o que disse não tinha respaldo na realidade. O grande talento do grupo se fez valer no terceiro disco, lançado em 1995: das 14 músicas, apenas uma é do repertório norte-americano, a bela "Storm Weather".  


As outras treze foram garimpadas por aqui mesmo, numa ótima seleção que o quarteto soube muito bem interpretar, sem abrir mão do estilo. O disco se chama "Novelhonovo", um trocadilho que revela as misturas das músicas escolhidas, que passeiam por algumas décadas da MPB. 


A música que dá nome ao disco abre os trabalhos. É uma composição de Carlos Fernando, o crooner do quarteto, um cantor que, em sua curta carreira fez história na MPB, e se trata de um choro com ares de marcha muito bem resolvido e interpretado. 

Caetano Veloso, um dos grandes letristas brasileiros, comparece nas duas faixas seguintes, na primeira com "Festa Imodesta" e, na segunda, com "Os Argonautas", dois exemplos não só da inspiração musical do artista baiano, mas também do seu grande domínio da poesia necessária para suas canções. A segunda tem uma intepretação toda particular, cheia de elementos orientais, fazendo jus às origens do fado. 


"Três da Madrugada", de Torquato Neto e Carlos Pinto já aproxima a banda de seu habitat original. Um jazz puro com uma bela letra, uma lenta agonia de alguém procurando se encontrar no abandono da madrugada. 


Carlos Fernando volta na quinta faixa para a sua "Nada Vale", um bom samba sobre a realidade das favelas depois que o samba acaba. 


Outro sucesso conhecido vem a seguir: "Enredo do Meu Samba", de Dona Ivone de Lara e Jorge Aragão, iniciando uma sequência de alguns clássicos da nossa música, como "Oriente", de Gilberto Gil, "Canto Triste", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes e "Preciso Aprender a Ser Só, de Marcos e Paulo Sérgio Valle.  


Uma parceria entre Carlos Fernando e seu colega do Nouvelle, Maurício Tagliasi, é a décima faixa do disco. A seguinte é a única em inglês, já citada, Stormy Weather, de Harold Arlen e Ted Kochler, com Carlos Fernando se sentindo bem à vontade para cantar em inglês. 


De volta ao samba, o grupo escolheu outro clássico, "Se Você Jurar", de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves, sendo esse último autor meio duvidoso, já que era quase um costume (ou uma imposição) de grandes cantores entrarem cono autores da música para que aceitassem gravar. Aqui, o samba ganha contornos jazzísticos e fica muito bom também. 


A sensível "Você Não Sabe Amar", de Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima, é a décima-terceira faixa do disco que se completa com "Se é Tarde Me Perdoa", de Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli, um samba bossa nova, que o Nouvelle apressa o andamento, sem tirar a leveza da música e da ótima letra de Bôscoli. 

Trata-se, enfim, de um ótimo disco onde Carlos Fernando, Maurício Tagliasi (guitarra e violão), Luca Raele (piano e clarineta) e Guga Stroeter (vibrafone, marimba e pandeiro) que formam o Nouvelle Cuisine e mais oito músicos convidados, mostram seus talentos tanto na interpretação quanto nos improvisos cuja base é o jazz para fazer música da melhor qualidade.  


Depois desse disco, o Nouvelle ainda gravou mais um, em 2000, Free Bossa, mas sem Carlos Fernando. Ele havia saído alguns anos antes para uma carreira solo, mas em 2019, foi encontrado morto em seu apartamento, vítima de um enfarto.  


O disco Novelhonovo pode ser ouvido na íntegra no Youtube Music: https://www.youtube.com/watch?v=KDRBE7FeqQk&list=OLAK5uy_nVFG8zoDDmmWedI442Pg6OVUvyZh8rk48 e ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Ao som do Bolero de Ravel

 Por Ronaldo Faria

Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Em mim, um passado de te ouço e não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Te ouço. Não te ouço mais. Um dia haverei e haverás...


terça-feira, 30 de agosto de 2022

Os "misteriosos" Wilburys

Por Edmilson Siqueira 

Quando eles se reuniram pela primeira vez, foi apenas para gravar uma música - "Handle With Care"- que seria o lado B de um compacto simples, tendo "This Is Love" (do LP "Cloud Nine") do outro lado. Só que o clima da gravação no estúdio de Bob Dylan em Santa Monica, na California, foi tão bom, que George Harrison, Tom Petty, Roy Orbison e o dono do estúdio, resolveram gravar um disco inteiro. A eles se juntou Jeff Lyne. Rapidinho juntaram suas músicas inéditas e, em dez dias, as gravações estavam prontas.  


Então os cinco resolveram lançar o disco num completo "anonimato". Ao grupo deram o nome de Traveling Wilburys e seus membros passaram a se chamar Nelson Wilbury (George Harrison), Lefty Wilbury (Roy Orbison), Otis Wilbury (Jeff Lynne), Charlie T. Wilbury Jr. (Tom Petty) e Lucky Wilbury (Bob Dylan).  


O volume 1 saiu em outubro de 1988 e alcançou o posto número 79 da lista dos 100 melhores discos dos anos 1980 publicada pela revista musical Rolling Stone. Posteriormente, seria indicado como Álbum do Ano no prêmio Grammy. 

Dois meses depois do lançamento, um dos "Wilbury" - Roy Orbison - morreu, mas, apesar do triste acontecimento, o grupo gravou um último álbum, mudando os pseudônimos de cada um, mas conservando o sobrenome Wilbury. Orbison foi homenageado na gravação do videoclipe da canção "End Of The Line": uma guitarra e um retrato dele aparecem no vídeo.

 

O segundo álbum, lançado em 1990, foi chamado de Traveling Wilburys Vol. 3, e seria o último trabalho do grupo. Pular irreverentemente a sequência cronológica ao nomear o álbum de "Vol.3" ao invés de "Vol.2" foi uma sugestão tipicamente beatle de George, bem ao estilo da sua ilustre banda anterior. O falecimento de Roy Orbison e a onipresença compositora de Bob Dylan no segundo álbum (mais da metade das canções foram compostas por ele), contribuíram para um final amistoso do grupo. 

Os dois discos fizeram bastante sucesso, chegando a paradas em vários países. Onze anos depois, em junho de 2001, os dois discos foram publicados em formato CD junto a um DVD adicional. 

E os dois discos são ótimos em se tratando do excelente pop rock que os membros produziram durante toda a vida. E, diga-se, os que sobreviveram continuam produzindo. Neles se encontra uma espécie de mistura dos vários estilos dos autores - todos compositores e cantores com carreiras mais que sólidas - sem que a individualidade seja prejudicada. Percebe-se claramente, para quem conhece um pouco da música produzida por eles, quem compôs e quem está cantando. Uma das músicas - "Reading For The Light" - que tocou bastante no Brasil, é de George Harrison e a gravação não fica nada a dever aos Beatles, já que George manteve o estilo que sua banda anterior impunha em cada música.  

Enfim, trata-se de um trabalho que os fãs de George Harrison, de Bob Dylan, de Roy Orbison, de Tom Petty e de Jeff Lyne vão gostar muito. Eu tenho os dois discos e ele vivem tocando aqui em casa.  


No YouTube eles estão presentes em profusão. Basta colocar o nome do grupo e aparecerão músicas dos dois discos além de cinco videoclipes de músicas dos álbuns e um documentário sobre as gravações, tudo reunido num DVD lançado em 2007. 



segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Ao Paulinho Pedra Azul

 Por Ronaldo Faria

Olhares vagos e fátuos, largados entre dois olhos que pouco se veem, duas bocas que já quase não se beijam, dois peitos que ainda batem e rebatem além de um tempo sem areia, sem praia, sem céu azul a cair no negror da noite que vem tardeira. Antes da madrugada, a tragada que se larga no tédio da tarde, as mulheres que se entregam aos braços dos amados, a incerteza do final desigual do amor.

Olhares unidos entre retinas e íris que se juntam por um segundo ao menos. Entre as mesas de bar, perfídias se sobressaem. Em entregas esparsas, fugas desiguais, filmes sem vagalumes e lumes. Alhures, um pedaço de mãos dadas à beira-mar, areia a queimar os pés, igrejas de mil fés. Antes do amanhecer que vem aquecer, brilhos de luzes que perpassam nuvens no fugaz além do sentimento atroz.

Olhares ambidestros, catatônicos e transversos, à espera dos próximos versos, cansados de olhar para o além, vivem de recordações e vintém. Ao desejo, dão seu amém. E sonham em fazer o tempo voltar, o calendário queimar na parede e na rede. O dia, num frigir de ovos, tempera de temperos mil as têmporas à lua cris. Quem sabe um talvez, a tez que se cola e acaricia, o corpo desnudo da vida.

Olhares e frases soltas ao vento, acalanto ou lamento. Uma chuva que dá de presente o beijo do ausente a brincar de fugir e chegar. Na cena final, um gargalhar. Dois corpos ocos a oscular o que a vida olvida deixar. Suor que respinga no vazio que há entre dois seres e os anseios em praguejos voláteis e táteis. No interregno de tudo, quem sabe um bêbado mudo, um homem sisudo, o tempo a desvanecer...

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...