segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Um mestre do jazz

Por Edmilson Siqueira 


Joey DeFrancesco, fiquei sabendo hoje, morreu dia 25 de agosto passado. Eu o conheci através de sua interpretação do tema do filhe The Godfather (O Poderoso Chefão) que andou tocando muito na rádio TSF Jazz de Paris, uma das rádios de jazz que tenho no celular e no micro e que ouço constantemente. Depois de me apaixonar pela sua performance naquela música, pesquisei no Youtube e consegui copiar outras 40 músicas, dos mais de 30 discos que ele gravou.  

Em 2016, quando fomos a Nova York, Zezé sugeriu que no dia do meu aniversário de 65 anos, fôssemos comemorar em algum lugar que estivesse tocando jazz. Antes de viajar, procurei na internet o que havia de jazz no dia 14 de agosto daquele ano. E, para minha agradável surpresa, Joey DeFrancesco estava fazendo pequena temporada no Dizzy's Club Coca-Cola, que fica no Columbus Circle que, por merca coincidência, fica perto do hotel que havíamos reservado. Compramos os ingressos daqui de casa mesmo e fomos a pé, até o Dizzy's, no dia em que completei 65 anos, para assistir a um show do trio de Joey DeFrancesco.  


Pra quem não sabe, Joey era um organista de jazz americano, trompetista, saxofonista e cantor ocasional. Ele lançou mais de 30 álbuns em seu próprio nome e gravou extensivamente como sideman com grandes artistas de jazz. 

Foi um show memorável, acompanhado de um bom vinho e um prato de camarões, bem apimentado (até demais pro meu gosto), mas que acabou descendo bem ao som do maravilhoso órgão de Joey (ele tocou trompete também) e de Jason Brown na bateria e Dan Wilson na guitarra.  


Procurando por seus vídeos no Youtube, tive uma surpresa agradável: a apresentação daquela temporada de 2016 está todinha gravada e pode ser assistida aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ue5fG-mCQf0&list=RDue5fG-mCQf0&start_radio=1&rv=ue5fG-mCQf0&t=851


Se você ouvir o som de um contrabaixo, é Joey fazendo o instrumento com os pés, já que o órgão Hammond oferece essa opção.  

A câmera que gravou o show é fixa e, pela janela de vidro atrás do palco, se vislumbra um bom pedaço do Central Park. Em primeiro plano aparece uma mesa com duas pessoas. Zezé e eu estávamos na mesa ao lado dessa. A foto que fecha esse post foi feita por mim. Quem assistir ao vídeo do link reconhecerá o local.  


Joey morreu com 51 anos apenas, mas fez história no jazz, principalmente a bordo de seu órgão Hammond.  


"Ele dominou o instrumento e o campo como ninguém de sua geração fez." – Chicago Tribune.


"DeFrancesco é um músico profundamente competente, um mestre do ritmo e do costume de pisar nas linhas do baixo sob acordes e riffs.” - New York Times 


DeFrancesco gravou e/ou excursionou com seus próprios grupos, bem como vários artistas de renome que incluem Ray Charles, Van Morrison, Diana Krall, Nancy Wilson, George Benson, James Moody, John Scofield, Bobby Hutcherson, Miles Davis, Jimmy Cobb, John McLaughlin, Larry Coryell, David Sanborn e muitos mais. Foi quatro vezes indicado ao Grammy, com mais de 30 discos, recebeu inúmeros prêmios da Associação de Jornalistas de Jazz e outros elogios em todo o mundo, incluindo a entrada no Hall da Fama do Órgão Hammond inaugurado em 2014 e a Calçada da Fama da Philadelphia Music, em 2016, bem como liderar as enquetes dos críticos na DownBeat Magazine onze vezes nos últimos quinze anos e as enquetes dos leitores todos os anos desde 2005.  


Hoje vou deixar apenas aquele link com o show dele. Em uma hora e 14 minutos você poderá comprovar que o mundo perdeu um grande artista. 



sábado, 3 de setembro de 2022

Dizzy e Sarah, há 72 anos

Por Edmilson Siqueira 

Em 1950, Dizzy Gillespie, acompanhado de um conjunto cujos integrantes são até hoje desconhecidos, realizou um concerto tendo como crooner ninguém menos que Sarah Vaughn. Ele estava com 33 anos e ela com 26. Já eram veteranos e deram um show. O concerto foi gravado e, pelos menos 34 minutos dele sobreviveram e chegaram ao CD em 1995.  


O CD leva o nome do trompetista com Sarah Vaughn e um subtítulo de "Body And Soul", que é a quarta faixa do disco e com a qual, em 1942, aos 18 anos, Sarah ganhou o concurso da Noite de Amadores do Teatro Zeus. O prêmio? Dez dólares. E uma semana para cantar no Apollo. Algum tempo depois ela foi contratada, em 1943, para abrir os trabalhos para Ella Fitzgerald. 


Mas em 1950, ela já dominava o palco como mostra o disco, em gravação mono e ainda incipiente perto da estereofonia que já existia. O CD que tenho é importado e nem me lembro onde comprei. Sei que é uma dessas joias que, apesar da qualidade precária da gravação ao vivo, ainda causam emoção, pela qualidade dos músicos - Dizzy dá um show à parte, inclusive fazendo scats em dupla - e pela performance de Sara, já uma cantora madura e que viria a ser considerada, nas próximas quatro décadas (ela morreu em abril de 1990, aos 66 anos), como uma das maiores de todos os tempos da música norte-americana.  

O bebop de Dizzy chega a imperar em quase todas as faixas. Eu, que não sou grande admirador desse estilo, abro uma exceção para esse disco, talvez embevecido pela presença de Sarah e também, por um certo comedimento de Dizzy, que não exagera muitos nos improvisos "bebopianos". 


Como escrevi acima são apenas 34 minutos, mas encantam que aprecia jazz. O CD começa com "Rhumbop Concerto", tema composto por Duke Ellington e B. Strayhorn, com longos 8 minutos e 12 segundos, onde a banda, exibe, no melhor estilo, o fusion que Dizzy já vinha namorando há tempos. "Study in Soulphony", do próprio Gillespie, vem a seguir. Um tema lento, onde o trompete se destaca em altas notas e em bela melodia.  


Sarah entra na terceira faixa com a música que se tornaria um clássico e é regravada até hoje: "Love Me Or Leave Me Alone", de W. Donaldson e G. Kahn. Em seguida ela prossegue cm "Body And Soul", de J. Green e E. Heyman. Em ambas dá um show de interpretação.  


A quinta faixa tem um título onomatopeico, "Oop Bop Sh Bam", e foi composta por Gillespie e D. Fuller. Em 5 minutos e 18 segundos, o grupo parece se divertir e dá pra imaginar que estejam dançando no palco, e a plateia participa com gritos e palmas. O ritmo é frenético e o volume comedido do piano na primeira parte, não denuncia o que vem depois, quando entram os metais e um cantor, que pode ser Dizzy, fazendo scats sem fim. Há uma cantora também, que pode ser Sarah, mas não há essas identificações na relação de músicas. 

O clima dessa faixa prossegue nas outras duas e últimas do disco, a sexta -  "Ool Ya Koo" - da mesma parceria da anterior e a sétima - "Say A" - apenas de Dizzy. 


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=LJVUbqVPJjU . E ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Paquito D'Rivera

 Por Ronaldo Faria

À vera dirás: “Cadê o Paquito D’Rivera?”

Eu, de cá, apenas saberei soar: “Estará aqui ou soprará dacolá?”
Três do dez de dois mil e dezesseis dá para rimar...
 
Está escuro no obscuro e ensurdecedor augúrio de querer ser. Hoje um pouco, amanhã um colher. Leia-se bem, não colher. No seja para o que der e vier. A viajar num infinito vulgar inconstante instante monolítico, o poeta vai poetando, trágico ou aflito. Nos poucos dias que restam, o dedilhar de dedos retos e prestos. Um lutar contra a maré. E uma certeza: “Vai na fé”. Para o que der e vier. Um desaparecer no mar, uma aquiescência na eloquência do bem-querer. A terra passageira e do passado em ter. Banhos de histórias passadas, genéticas e fonéticas do que terá que vir a ser. Ao Paquito, mesmo sendo eu no mundo dele um esquisito, calados ouvidos...

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O “Novelhonovo” do Nouvelle

Por Edmilson Siqueira 

O primeiro disco do Nouvelle Cuisine, lançado em 1988, foi todo em inglês. O segundo, de 1991, tinha apenas quatro das 14 músicas, em português.   Perguntado sobre o motivo de preferir músicas estrangeiras (a maioria norte-americana), um dos membros disse que não havia encontrado no repertório tupiniquim tantas boas letras que combinassem com o estilo do grupo. O estilo era mais jazzístico, cool, mas mesmo que fosse estilo folk dos gringos, ou pop europeu ou sei lá o quê, o que foi dito foi uma grande bobagem. Isso porque a tal da MPB tem tesouros e mais tesouros, em todos os estilos, com letras impecáveis e de fazem inveja em qualquer país. Jobim mesmo sempre se preocupou com as "versões" que sua música começou a ganhar nos EUA depois que a bossa nova estourou por lá. No início não conseguiu, mas salvou a maior parte da obra das "letrinhas" que queriam colocar nas sensíveis poesias dele, de Vinicius e de outros parceiros. 


Mas o Nouvelle, com certeza, percebeu que o que disse não tinha respaldo na realidade. O grande talento do grupo se fez valer no terceiro disco, lançado em 1995: das 14 músicas, apenas uma é do repertório norte-americano, a bela "Storm Weather".  


As outras treze foram garimpadas por aqui mesmo, numa ótima seleção que o quarteto soube muito bem interpretar, sem abrir mão do estilo. O disco se chama "Novelhonovo", um trocadilho que revela as misturas das músicas escolhidas, que passeiam por algumas décadas da MPB. 


A música que dá nome ao disco abre os trabalhos. É uma composição de Carlos Fernando, o crooner do quarteto, um cantor que, em sua curta carreira fez história na MPB, e se trata de um choro com ares de marcha muito bem resolvido e interpretado. 

Caetano Veloso, um dos grandes letristas brasileiros, comparece nas duas faixas seguintes, na primeira com "Festa Imodesta" e, na segunda, com "Os Argonautas", dois exemplos não só da inspiração musical do artista baiano, mas também do seu grande domínio da poesia necessária para suas canções. A segunda tem uma intepretação toda particular, cheia de elementos orientais, fazendo jus às origens do fado. 


"Três da Madrugada", de Torquato Neto e Carlos Pinto já aproxima a banda de seu habitat original. Um jazz puro com uma bela letra, uma lenta agonia de alguém procurando se encontrar no abandono da madrugada. 


Carlos Fernando volta na quinta faixa para a sua "Nada Vale", um bom samba sobre a realidade das favelas depois que o samba acaba. 


Outro sucesso conhecido vem a seguir: "Enredo do Meu Samba", de Dona Ivone de Lara e Jorge Aragão, iniciando uma sequência de alguns clássicos da nossa música, como "Oriente", de Gilberto Gil, "Canto Triste", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes e "Preciso Aprender a Ser Só, de Marcos e Paulo Sérgio Valle.  


Uma parceria entre Carlos Fernando e seu colega do Nouvelle, Maurício Tagliasi, é a décima faixa do disco. A seguinte é a única em inglês, já citada, Stormy Weather, de Harold Arlen e Ted Kochler, com Carlos Fernando se sentindo bem à vontade para cantar em inglês. 


De volta ao samba, o grupo escolheu outro clássico, "Se Você Jurar", de Ismael Silva, Nilton Bastos e Francisco Alves, sendo esse último autor meio duvidoso, já que era quase um costume (ou uma imposição) de grandes cantores entrarem cono autores da música para que aceitassem gravar. Aqui, o samba ganha contornos jazzísticos e fica muito bom também. 


A sensível "Você Não Sabe Amar", de Dorival Caymmi, Carlos Guinle e Hugo Lima, é a décima-terceira faixa do disco que se completa com "Se é Tarde Me Perdoa", de Carlinhos Lyra e Ronaldo Bôscoli, um samba bossa nova, que o Nouvelle apressa o andamento, sem tirar a leveza da música e da ótima letra de Bôscoli. 

Trata-se, enfim, de um ótimo disco onde Carlos Fernando, Maurício Tagliasi (guitarra e violão), Luca Raele (piano e clarineta) e Guga Stroeter (vibrafone, marimba e pandeiro) que formam o Nouvelle Cuisine e mais oito músicos convidados, mostram seus talentos tanto na interpretação quanto nos improvisos cuja base é o jazz para fazer música da melhor qualidade.  


Depois desse disco, o Nouvelle ainda gravou mais um, em 2000, Free Bossa, mas sem Carlos Fernando. Ele havia saído alguns anos antes para uma carreira solo, mas em 2019, foi encontrado morto em seu apartamento, vítima de um enfarto.  


O disco Novelhonovo pode ser ouvido na íntegra no Youtube Music: https://www.youtube.com/watch?v=KDRBE7FeqQk&list=OLAK5uy_nVFG8zoDDmmWedI442Pg6OVUvyZh8rk48 e ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...