sábado, 24 de dezembro de 2022

Trilhas quentes com um ótimo sexteto de jazz

Por Edmilson Siqueira 

Sabe esses discos que você compra por causa do título, do artista ou das músicas, mas sem saber direito o que está lá dentro? Pois isso aconteceu com o disco de hoje, comprado há mais de quinze anos e, na verdade, já não me lembro exatamente o motivo. Herb Ellis eu já tinha ouvido falar, mas pouco conhecia dele. Ray Brown idem. E o sexteto que eles formaram? Neca de pitiritiba. A turminha tinha ainda Harry "Sweets" Edison, Jake Hanna, Plas Johnson e Mike Melvoin - trompete, saxofone, bateria e teclados respectivamente que gravaram esse "Hot Tracks" em 1976.   


No encarte do CD que tenho, importado da Alemanha, Philip Elwood assina um texto bastante explicativo do encontro, que gerou outros álbuns, como fiquei sabendo em rápida pesquisa pelo Google. Não conheço os outros discos, mas este talvez seja, se não o melhor, um dos melhores do sexteto.   


Diz Elwood no encarte que durante o encontro, "múltiplas faixas foram gravadas, não para uma edição sofisticada ou para acrescentar instrumentos (overdubbing) pós-sessão, mas para tornar o balanço estéreo final tão natural quanto ouvir o grupo em um salão (ou, eu acho, saloon). 


Ouça "Hot Tracks" como um miniconcerto; foi preparado assim. O som agradável, fácil e popular de "Onion Roll" (Herb Ellis, faixa que abre o disco), dá lugar a "Spherikhal" (Ray Brown, a segunda faixa), uma performance mais dura, mais blueseira e mais voltada para o gospel. 


(...) Na terceira faixa você já está familiarizado com a banda e sua versatilidade já foi sugerida, se não totalmente explorada. Hora do tour de force de Ray Brown - "But Beautiful" (Johnny Burka e Jimmy Van Heusen, terceira faixa) - contrabaixo com guitarra. Esse tipo de interpretação praticamente nunca é apresentado ao vivo porque nós, fãs de jazz, raramente fazemos, como artistas fazem, o respeitoso silêncio necessário para absorver tais expressões.

Por "Blues for Minnie" (Ray Brown, quarta faixa), todo o conjunto está em alta, com 'Sweet' and Pas tocando forte; a troca de solos, que inclui o pianista Mike Melvoin e Ellis, é compacta, mas informal. 


Johnson's "Bones" (Plas Johnson, quinta faixa), está na veia do Jazz Messengers, um toque de Horace Silver e um sabor do L. A. Express. "So's Is Your Mother" (Mike Melvoin, a sexta faixa), com 'Sweets' silenciado, é uma reminiscência de outros grupos dos anos 1950 quando Clifford Brown estava por perto. Os harmônicos de Melvoin são substanciais, a tonalidade menor eficaz. 


Os antigos de Johnny Hodge, "Squatty Roo" (Johnny Hodges, sétima faixa) saíram da última sessão de Bluebird daquele grande saxofonista rotulado como "An Ellington Unit', em julho de 1941. 


The Ellis-Brown Sextet captura um pouco do sentimento dukish de 1941 e o move para os sons dos anos setenta. Por um momento, Edison contribuiu com a brincadeira "Sweetback" (Harry 'Sweet' Edison, oitava faixa), como um lembrete de que todos os sopros do mundo não significam nada (como o Sr. Ellington nos lembra há 43 anos) é não tem esse balanço." 


Depois disso tudo o melhor é ouvir esse ótimo disco no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=B-RSMsvDeqQ ) ou comprá-lo: encontrei no Mercado Livre por 90 reais. Vale. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Ao Dominguinhos

 Por Ronaldo Faria


Que baita sol que socorre à sombra e a faz mais forte do que o corpo que sua no batente, latente a cada gota que desce sob as roupas e vira um forró só. Que sol forte que se espalha e se espelha no asfalto, mesmo sem tomar fortificante desses que a mãe enterra goela adentro do filho que chora sem dó, com gosto de peixe insosso.
 
Seu nome era José. Desses que anda na terra de barro danado, daquele pó que vira parte do corpo e agarra no pé. Desses que ama, teima e desama, anda, desanda e desmama, carrega a caçamba que vomita a água tirada de um poço quente que se mistura ao resto do fio de esperança e faz a pajelança esperar a chuva que se esqueceu de chegar.

O nome do amor de José era Maria – prometida por um Deus sem fé, num lugar qualquer, de um tempo que ninguém até hoje sabe se foi desandar. Que descia da roça toda faceira e brejeira, com seu vestido de chita a ventarolar no fiapo de brisa que curtia seu passar entre os galhos que tinham sobrado no imbuzeiro que dormia quieto no seu próprio teto de luto e restar.

E ambos – José e Maria ou Maria e José – se misturavam ao tempo, assexuado e sem saber se ia ou parava a cada andada dos dois. Aqueciam-se na água nenhuma que vertia do rio seco e se aninhavam no ninho de coruja vazio de piar a cada chuva maior. Eram e faziam, jaziam entre covas pequenas de anjos nunca feitos ou nasciam a cada cantar da ave que viajava de galho em galho para chegar a qualquer lugar.

Amavam-se entre notas e versos, vozes e terços, rios secos, crianças secas, esteira de palha deitada na terra fria, na franzina menina que parece colheita perdida, desviada do seu mundo sem saber porque. E quanta saudade ardida e tardia. Quanta pimenta misturada à farinha criada no tacho da casa onde viviam todos sujos de branco de se comer e a esperar a secura acabar. Ou, porque não, a vida revirar.

Seu nome era José. O nome dela era Maria. Iguaizinhos no desigual que nem o carcará que voou e sobrevoou a rês a morrer sob o mugir da vaca sabe que não terá mais cria ou colher. Homem e mulher a recriarem filhos feito um velho banguela que a comida perde a ver cair cada grão entre os dentes inexistentes à fonte que pinga, respinga e dói.

Desses que sabem que o sol inclemente e ardido que brilha entre nuvem nenhuma, na brita da estradinha cheia de erva daninha, nenhum dia irá baixar. Por isso, a vida, ávida, debaixo do lençol encardido e malpassado, quieto no avesso do verso. Amplexo. No fundo do coração a gritar feito a barriga que ronca zabumba e o triângulo a misturar sons e finitude, em qualquer latitude feita de um quadrado imperfeito. Àquele que chama a paixão se estende a mão e dorme o corpo na derradeira mansidão. No tanto de calor imperfeito, faz-se, mais uma vez, outro tanto de solidão.
 
Dedicado ao mestre Dominguinhos, sua voz e sua sanfona eternas e ternas.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Rod Stewart e seu disco de soul

Por Edmilson Siqueira 

"Este é o álbum que eu esperei a vida toda para gravar." 


Se um cantor famoso no mundo todo, com grandes sucessos e shows lotados em todo lugar, escreve essa frase no início texto do encarte que acompanha o disco, o resultado só pode ser um ótimo disco pra se ouvir.  E ele confessa ainda: "Essas canções e cantores foram o oxigênio que abasteceu minha paixão por cantar". 


O disco se chama "Soul Book" e o cantor não é ninguém menos que o britânico de ascendência inglesa e escocesa, Rod Stewart. O disco foi gravado em 2009, entre o quarto e o quinto songbooks que ele fez da música norte-americana. E, ao contrário daqueles discos, esse está cheio de músicas bastante populares e Rod canta, em quatro faixas, acompanhado dos cantores que fizeram sucesso com essas músicas.  


De produção impecável, como quase toda a obra do cantor, "Soul Book" tem treze faixas. A música negra que ele canta aqui, diz ele no encarte, vem da paixão na juventude, quando, com um pequeno radio de pilhas, sintonizava as rádios Luxemburgo e Carolina, no norte de Londres. Foi através dessas rádios que ele conheceu Otis Redding, San Cooke, Jackie Wilson, James Brown, The Temptations, The Four Tops e muitos outros. E completa: "Eu tentava cantar como eles e me vestir como eles".   

A primeira faixa é "It's The Same Old Song", de Lamon Dozier, Brian e Eddie Holland, seguida de "My Cherie Amour", de Henry Cosby, Silvio Moy e Stevie Wonder. Nessa, o grande Stevie participa da gravação, dando a ela um brilho mais especial ainda.  


Outro sucesso mundial vem na terceira faixa:"You Make Me Feel Brand New", de Thomas Bell e Linda Epstein. Desta vez é a cantora Mary J. Blige quem divide os microfones com Rod. Ótima gravação.  


"Higher And Higher", de Gary Jackson, Raynard Miner e Carl Smith, é a quarta faixa, que precede outro gigantesco sucesso da soul music, eternizada na voz de Jonhhy Rivers: "The Track Of My Tears", de Warren Moore, Willian Robinson e Marvin Tarplin, com a presença na gravação de Smokey Robinson.  


Um dueto com Jennifer Hudson é a sexta faixa. Trata-se de "Let It Be Me", do francês Gilbert Becaud, Mony Kurtz e Pierre LeRoyer. Outro grande suceso da música negra norte-americana é a sétima faixa, "Rainy Night In Georgia", de Tony Joe White que Rod transfromou numa das melhores faixas do disco.  


A oitava faixa é "What Becomes Of The Broken Hearted", de James Dean, Paul Riser e Willian Weatherspoon, seguida de "Love Train", de Keneth Gamble e Leon Hulf.  

Dois outros grandes sucessos vêm a seguir: "You've Really Got a Hold On Me", de Willian Robinson e o megassucesso cantado por Louis Armstrong, "What a Wonderful World", de Lou Adler, Herp Albert e Sam Cook.  


Por fim, fechando a ótima seleção, temos "If You Don't Know By Me", de Kenneth Gamble e Leon Hulf e Just My Imagination, de Barret Strong e Norman Whitfield.  


O disco está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube, em https://www.youtube.com/watch?v=_5D-nQsaIrc&list=PLHbFuE96EY1qhKrw6kuCU3cwCj7hmCig- . 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Sob os efeitos karnakianos

 Por Ronaldo Faria

 

“As águas é que são felizes. Não têm de ter visto para entrar no país...”
(Karnak)
 
Culpabilis teremos nosotros diante de la kármika eco(exis)tência, pênsil e tensa? Como vencer as tramas do drama do medo insano de las manos? Onde estão as mamas para nos embebedar de lânguidas xoxotas toscas e loucas? Como volatilizar acima da realidade para virar e transbordar cadências de impregnados pregões místicos e insensatos que a nada levam e a pouco levarão no menos ainda que trarão? Traíra é a mãe! Repetindo em repente repentino de desatino próximo do pânico (as)sintomático e dramático, fálico, quiçá: “Culpabilis teremos nosotros diante de la dramatúrgica kármika exis(eco)tência, pênsil e tensa?”

O que fazer diante da morte? Haverá sorte em sortilégios de segundos impróprios e em metagoges? Como passar as horas sem perdê-las? Como ver prostitutas sem comê-las ao menos com os olhos? Como ouvir poemas e melodias sem sorvê-las? Como tomar sorvete em dia frio e sem ficar frígido ao tempo? Como não ver sombras assombradas nos soçobrados que soçobram entre Tóquio ou Paris? Tudo feito um canto de Campinas e um tico (sem fubá) no apartamento daqui. Como deixar de ouvir, percuciente, o demente e o crente? Mas, antes de mais nada, nadando de braçada pela vida, de balada em balada mal dormida, que se deixe toda a coisa passar. Afinal, no final, um dia, tudo vai mesmo, sem cancioneiro, acabar...
 
“Todo mundo tem medo que o mundo acabe. Mas o mundo já está acabadim...”
(Karnak)

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...