sábado, 7 de maio de 2022

A gente faz por telepatia

 Por Ronaldo Faria

 


Barulho, arrulho, milho e olho, caolho.

No Nordeste fala-se “mirolho”...

Cata-cavaco, caô, canal...

Filho de santo e cabeça, animal.

“O normal é anormal.”

Solitário e notívago, de olheiras e tal.

À espera de abrir-se desigual.

Novembro me espera sem horário, lalau.

E desce cerveja, desce vodca, tudo banal.

Para rimar, a mulher e o seu cheiro (...)

Bom dia, boa noite. É Carnaval!

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Um Noel diferente com Cristina Buarque e Henrique Cazes

Por Edmilson Siqueira 

Que Noel Rosa foi um dos maiores compositores da tal da música popular brasileira não resta qualquer dúvida. Em apenas oito anos de atividade musical ele inovou em todos os campos do samba, criou várias tendências, deixou um repertório irrepreensível que, exatos 85 anos depois de sua morte (ele morreu em 4 de maio de 1937) continua sendo gravado.  


E entre todas as regravações da obra de Noel, como a ótima de Ivan Lins já comentada aqui, uma das mais interessantes foi a produzida por Cristina Buarque e Henrique Cazes, em 1993. Os dois, grandes conhecedores do samba e da música em geral, decidiram fazer não um disco comum, com os grandes sucessos de Noel e sim algo "que fugisse do repertório óbvio e não caísse no vazio das releituras ecléticas", como assinala o texto no encarte do disco que, infelizmente não é assinado. 


Partindo desse princípio, o que se vê no disco são várias obras de Noel que pra muitos soam como inéditas, já que não fazem parte do repertório tradicional que é sempre reproduzido quando se quer homenagear o Poeta da Vila.  

Henrique Cazes participou, por mais de 15 anos, do conjunto Coisas Nossas, especialista na obra de Noel, e Cristina, desde sempre, foi familiarizada com o universo do samba. Juntos, montaram um disco - na verdade foi um show montado que virou disco - para mostrar as várias facetas de Noel, como "o cronista que não perdeu a atualidade, o humorista, o inovador de formas..." 


O título do disco e do show é "Sem Tostão... A Crise Não É Boato" e junta o nome de um samba com a uma afirmação de Noel durante uma entrevista: "A crise é a única coisa no Brasil sobre a qual podemos afirmar... não é boato". Noel morreu em 1937 e a crise, bem a crise insiste em nos acompanhar eternamente.  


O sucesso do show foi tanto que a dupla preparou um segundo, que também virou disco. Mas é o primeiro disco que estamos sugerindo aqui. O segundo será assunto num dia desses.  


A ótima seleção do show começa com Três Apitos, um samba mais que conhecido de Noel, mas logo entra no repertório mais "escondido" do compositor: Mulato Bamba, Mulata Fuzarqueira, João Ninguém, Saí da Tua Alcova, Para me Livrar do Mal (com Ismael Silva), Nunca Dei a Perceber (com Ismael Silva). Muitas dessas faixas são precedidas de uma história engraçada ou curiosa, contada por Henrique Cazes, como é o caso de O X do Problema, Triste Cuíca (com Hervê Cordovil) e Século do Progresso.  


Quando o Samba Acabou, Você por Exemplo, Tudo que Você Diz, Pra que Mentir (com Vadico) , Mentir, Você Só ...Mente (com Hélio Rosa), cordiais Saudações, Quem dá Mais, Faz Três Semanas, Sem Tostão (com Arthur Costa), Onde Está a Honestidade?, Pela Décima Vez, Só Pode Ser Você, (com Vadico), Cem Mil-Réis (com Vadico), Quem Ri Melhor, Último Desejo, Adeus (c0m Ismael Silva), Feitiço da vila (com Vadico) completam o disco-show que dá um panorama diferente – e com a mesma qualidade de sempre - da obra do grande Noel Rosa.

 

O disco pode ser ouvido no YouTube - https://www.youtube.com/watch?v=7hQgItYiZmc&t=35s - e também adquirido por aí, nos bons sites do ramo. 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

A foto, o feto

 Por Ronaldo Faria

"Morrer é foda. Viver é difícil!"

(Renato Russo)

 

Um homem mais feliz que a felicidade. Um garoto a brincar de bola entre uma foto e um instantâneo piscar de olhos. Um menino contra o outro. Ambos afoitos, fetos do futuro que não cabe a nós traduzir, ver ou medir. E quantos abraços não terão acontecido nesta disputa louca e irreal, marcada em fotograma e química, unindo vidas que se foram e se fundiram em risos e rezas pelo dia de amanhã. Coisa de paixão e sonho de vazio real, feito a última gota que cai no copo translúcido como o riso da infância sem saber o que será a vida para frente: se vai acabar de repente ou vai seguir em rompantes do haver. É, será ou há de ser?

Um homem mais feliz que a saudade. Um menino a driblar cárceres e sinas de fugas e fétidas celas encravadas no simulacro de eras para milhares de feras. E quantas brincadeiras não terão se refeito de unir e vaticinar dias melhores, cheios de torcidas e cismas ensimesmadas de um toque a mais, um drible refeito, um gozo fértil de olhar para o céu, ver o sol e dizer: este momento, finito, não há de morrer.

Coisa de criança, anciã na saudade que arde e infantil no simulacro que existe entre o estar feliz e ser triste. Ou, senão, simplesmente, ser. A ilusão vai vencer o que há de limite entre o céu e a terra. E o gol sairá e a volúpia da embriagada jogada em verdade far-se-á. Ela sempre há de se fazer e verter. Até a derradeira dividida do que é e daquilo que não foi. Até o último tocar em um passado que voltou.

A água que cai tosca molha a terra e espera o líquido da eternidade. E se a chuva é fria, molhada e louca é dela que a vida a vida trará a perfídia. Tratante ou tátil, insone ou louca.

Ps.: Acabaram dúzias de cerveja. A verve ainda há de se comprar do arremate entre o que se vê agora e aquilo que se quer que o outro veja no porvir do virá!

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Toda a ternura de Al Jarreau

Por Edmilson Siqueira 

Quando eu espeto o pendrive no carro, a primeira música que aparece é "Mas que Nada", o grande sucesso mundial de Jorge Ben Jor. Só que o arranjo é diferente, começa com um bom batuque de samba, evolui para uns metais e entra um coro com a introdução famosa para, logo em seguida, surgir um cantor norte-americano cantando em português, num honesto esforço de dizer as palavras como elas soam pra nós.  


Pois esse cantor é ninguém menos que Al Jarreau, que nos deixou em fevereiro de 2017, às vésperas de completar 77 anos. Só para situar o leitor no tamanho de Al Jarreau, ele foi o único cantor a ganhar três Grammys em três categorias vocais diferentes. Suas qualidades de transformar qualquer música em algo diferente e, muitas vezes, melhor, talvez seja única.  


O disco que abre com o nosso Jorge Ben Jor, cuja música talvez tenha sido a mais "respeitada" em sua forma original de todas as outras onze, se chama "Tenderness", referência à segunda música, "Try a Little Tenderness", outro sucesso mundial. Foi gravado em 1993, onze músicas em Los Angeles e uma em Nova York.  

O disco todo, aliás, é feito de clássicos de alguns gêneros, como diz o texto da contracapa. Al decidiu, depois de ganhar os três Grammys em categorias vocais diferentes - R&B, pop e jazz, fazer um disco recheado dessas três categorias. 

"Mas que Nada", não se encaixa em nenhuma delas, mas tudo bem, ficou ótima a versão.  


Depois de cantar Try a Little Tenderness, numa interpretação de tirar o fôlego, é a vez do pop ser representado pelo primeiro sucesso de Elton John, "Your Song", no qual Al Jarreau passeia com toda a categoria que sua voz lhe representa.  


O jazz vem em seguida, num clássico que, se não era jazz na sua origem, vários grandes instrumentistas puxaram "My Favorite Things" para o gênero. Aqui, a música é apresentada na companhia da soprano lírica Kathleen Battle, o que dá mais brilho ainda ao trabalho. 


Como o disco é recheado de clássicos de três gêneros, os Beatles não poderiam ficar de fora. Do vasto repertório da banda, Al Jarreau pescou uma pérola de Paul McCartney - "She's Leaving Home". à já melodiosa música, Jarreau empresta todo seu talento vocal e perpetra novo arranjo, tornando tudo mais tenso e, difícil missão, nada fica a dever à gravação original. Eu diria que ficou até melhor.  


Outra que não poderia faltar é "Summertime", uma das músicas mais regravadas do mundo e, por isso mesmo, difícil de nela colocar novos elementos que diferenciem de tudo que já foi feito em torno da melodia do espetáculo "Porgy and Bess". Mas Jarreau, talvez influenciado pelo "Mas que Nada" de Jorge Ben, tasca um acentuado ritmo de samba, o que lhe proporciona vários malabarismos vocais. E, claro, ficou ótimo.  


O lado compositor de Al Jarreau aparece em três faixas: "We Got By", "You Don't See Me" e "Dinosaur", essa última em parceria com Marcus Miller e Robby Scharf. As três são ótimas. 

Pra encerrar, "Wait for the Magic" e "Go Away Little Girl" completam esse disco que eu recomendo a quem quer ouvir música muito boa. 


O CD está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=tCbwd7tcm6g&list=PL7gp579CMkT8kvW9agRTRRO3BeBEIOtml . 

terça-feira, 3 de maio de 2022

Para Eduardo Gudin

Por Ronaldo Faria

 
Boa noite trágica e desmedida vida, cheia de incrédulos amantes, vazios inacabados, sonhos cheios de histórias malucas e sabe-se lá de onde e tantas vindas em quais e tais idas.
Boa noite passado quase asmático, desmesurado, largado entre atabaques e batuques indistintos e retintos nas ladeiras de uma terra linda, ladeiras mil para se enroscar.
Boa noite inaudita manhã onde passos tresloucados se acham felicidade a voar entre igrejas mil e pernas entrelaçadas num quarto de pedras onde escravos viram o velho porvir.
Boa noite desgarrada da visão da felicidade largada e ensimesmada, travada em desejos tardios e vadios que valeram camas a correr o quarto, madrugadas de samba e suores mil.
Boa noite último trago, derradeira tragada, cara lavada ao amanhecer, vaticínios perpétuos e inócuos no ponto perdido entre um rio e o mar que quebram juntos e barulhentos.
Boa noite escuridão cheia de estrelas a brilhar e uma lua quiçá a crescer ou diminuir num céu que se enche de cores e amores, dores travadas à eternidade dos poetas e profetas.
Boa noite mágica canção feita de versos e rimas, trovas e quadras, notas e ilusórias incertezas de que a certeza flutua numa tênue linha entre o momento que foi e aquele que virá.
Boa noite surdo, violão, cuíca e tamborim. Tragam um samba novo, uma poesia arrancada sabe-se lá de onde e um pedaço morto de esperança da tardia última hora de cada ser.
Boa noite qualquer coisa, fragmento de lamento e desilusão, fragrância e compaixão que reverbera inaudível aos ouvidos distantes e equidistantes do coração que bate claudicante.
Boa noite sincera desilusão que chega quieta a se arrastar nos cantos das veias abertas da ferida que nunca fecha e acha que pode ser verdadeira na esteira entrelaçada do fim.
Boa noite acalanto de um pranto que desce irrestrito e inacabado, arfado de um sobe e desce que faz os corpos se entrelaçarem ilusórios e inodoros diante da podridão do se largar.
Boa noite santos que chegaram da África para um novo mundo que se esvaiu em chagas, feridas, sangue e acreditar. Quiçá, serão vocês o caminho revisto do outrora derrear.
Boa noite dança que vence qualquer relembrar em fotogramas e dramas, ondas e luares, areias que foram pisadas e reprisadas para ajuntar e separar desejos e ensejos críveis.
Boa noite silêncio crivado de sons que ficam e petrificam em neurônios e junções imaginárias a sintonia perpétua que nasceu de parteiras e se viram parceiras e fugitivas furtivas almas.
Boa noite algozes de vozes e alforjes que levam pesados fardos a levitarem em estradas cheias de poeiras e esquinas que se esgueiram num universo transverso e que não chegarão.
Boa noite correntes que transformam o mar em escuro da areia do rio e verde e azul das turmalinas que sereias trazem de longe, do fundo do mar, onde tudo pode ser e estar.
Boa noite avenidas, ruas, ruelas, vilas, cidades, povoados, becos, continentes intermitentes, todos entregues ao escuro de cheiros, odores, dores, luzes, faróis e atóis a dormirem enfim.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Tim e Os Cariocas: as vozes perfeitas

Por Edmilson Siqueira 

Sobre Tim Maia é meio chover no molhado falar de suas qualidades vocais e de compositor. Artista único na nos história musical, se perdeu em drogas e bebidas, mas enquanto viveu produtivo, fez coisas sensacionais. Rebelde das causas erradas, podia ter feito carreira inigualável, mas nem sempre os artistas são do jeito que a gente gostaria que fossem para que pudéssemos desfrutar deles o melhor que poderiam produzir. São seres humanos e têm falhas como todos. C'est la vie. 


Mas Tim Maia teve tanta qualidade que seus erros desaparecem quando ouvimos seus discos. Um deles é surpreendente: Tim Maia e Os Cariocas - Amigo do Rei, produzido por ele mesmo para o selo Vitória Régia, que também era dele. 

O CD tem um encarte com todas as letras (são dez músicas), e a devida ficha técnica de cada faixa. "Ter Você É Ter Razão" (Dominguinhos e Climério) abre, de modo até surpreendente, o disco. Pois trata-se de um misto de guarânia e xote, ritmos estranhos tanto a Tim quanto aos Cariocas. Mas eles se esbaldam com a alegre música e a interpretam muito bem. 

A segunda faixa já é uma música do próprio Tim - "Essa Tal Felicidade" - intimista, onde Os Cariocas fazem um back vocal muito bom.  


Já na terceira, o conjunto carioca está em casa: "Ela é Carioca" de Jobim e Vinicius. O vozeirão de Tim que, a princípio não se encaixaria na delicadeza da bossa nova, entra na última estrofe, cantando dois versos apenas e depois volta solando desde o princípio, provando que não há incompatibilidade alguma entre as delicadas composições de Jobim e o estilo de Tim. Basta ter respeito pela música, o que fica evidente na faixa. 


"Lindeza" de Caetano Veloso é outra composição delicada que ambos, Os Cariocas e Tim interpretam com o máximo respeito e o resultado só poder ser agradável ao extremo.  


"Amigo do Rei", de Lenine e Bráulio Tavares é um gostoso samba do qual todo mundo se incumbe de manter o clima pra cima. 


O megassucesso de Tim Maia, "Não Quero Dinheiro, Só quero Amar" é a faixa seguinte, que começa do mesmo modo que a gravação original. A diferença começa na segunda parte, com Os Cariocas estreando no pop-rock com muita galhardia. 


Depois do pop-rock, o grupo volta aos seus domínios com o "Telefone", um clássico da bossa nova, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Tim Maia aproveita para fazer uma brincadeira no final com a situação do rapaz que tenta ligar para a moça. 


Outro sucesso de Jobim vem na sequência - "Samba do Avião" - e o próprio encantamento que o autor sente na primeira frase ao avistar seu querido Rio, é transportada para a voz de Tim e os Cariocas, não deixando que a pérola do maestro soberano, quase um hino à sua cidade, se perca.  

"Azul da Cor do Mar" uma dessas melodias inesquecíveis de Tim Maia é a penúltima do disco. Na biografia de Tim - Vale Tudo, escrita por Nelson Motta - ficamos sabendo que essa música foi feita em cerca de duas horas. Tim estava na casa de um amigo, perto da praia, quando os amigos saíram pra dar um mergulho. Convidaram Tim, mas ele se recusou, talvez envergonhado do seu corpo, já muitos quilos acima. Ficou sozinho e quando voltou ele cantou a música para os amigos que não acreditaram que ele tinha feito aquela obra prima ali, em tão pouco tempo. Mas tinha.  


O disco se encerra com "Valsa de Uma Cidade" de Ismael Neto e Antonio Maria. É um hino em forma de valsa para a cidade que todos amavam e, ouvindo um disco como esse, apresentado por cariocas da gema, fica difícil não amar de novo.  


O CD está à venda nos bons sites do ramo a preços bem diferenciados, e pode ser ouvindo na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=WH40QePfPV0 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...