terça-feira, 5 de julho de 2022

Um piano ao cair da tarde

Por Edmilson Siqueira 

Os mais antigos como eu já devem estar pensando que vou escrever sobre um programa de rádio que ficou muito famoso na Rádio Eldorado, anos 70 e 80 do século passado. E até poderia, talvez um dia eu escreva sobre ele, pois na loucura dos sons que invadiam nossas incipientes FMs da época, uma rádio AM ousava colocar, no fim de tarde, uma programação leve, suave e, sempre, de muita qualidade. Era "Um Piano ao Cair da Tarde" que, com certeza, embalou muitos corações tranquilos naqueles anos, contrastando com os novos ritmos que chegavam do primeiro mundo e eram macaqueados por aí. Claro que a MPB também teve grande produções à época, mas as rádios já começavam a ser mais ariscas à genuína MPB, voltando-se mais ao rock tupiniquim, o rock internacional e os sons ditos universais que pipocavam nas casas noturnas, as chamadas "discotecas".

 

Bom, depois dessa breve introdução, volto por disco que serve para trilha sonora de uma tarde preguiçosa, com uma taça de vinho à mão, ou uma cervejinha, ou mesmo um "on the rocks" para se preparar para a noite. 


O disco, que ouço neste momento, é "Gershwin For Lovers" e o suave piano que passeia pelas notas do genial compositor é de ninguém menos que Marcus Roberts.

 

Pra quem não conhece, Marcus Roberts é um pianista, compositor, arranjador, bandleader e professor. Cego desde os cinco anos, devido a glaucoma e catarata, ele começou a aprender piano aos cinco anos tocando notas esparsas no instrumento em sua igreja até que seus pais compraram um piano quando ele estava com oito anos.

Depois, frequentou a Florida School for the Deaf and the Blind em St. Augustine, Flórida, a mesma de Ray Charles.  


Esse disco foi gravado em 1994 e a dedicação de Roberts por apenas um compositor, mostra não só a importância desse compositor, mas também o tipo sofisticado de jazz que Roberts pratica, o que o coloca num nível de excelência frequentado por poucos, mesmo nos Estados Unidos.  


Entre as dezenas de músicas que poderiam compor o álbum, foram escolhidas dez que representam bem a diversidade produtiva e com grande qualidade de George Gershwin. 


O disco começa com "A Foggy Day", seguida por "The Man I Love", "Our Love Is Here To Stay", "Summertime", "Someone To Watch Over Me", "It Ain't Necesssarily So", " "Nice Work If You Can Get It", "They Can't Take That Away From Me", "How Long Has This Seen Going On" e "But Not For Me". 


Como se vê, é um repertório de clássicos escritos pelo novaiorquino filho de pais judeus russos e que é um dos maiores compositores populares de todos os tempos. E Roberts respeita tanto essa condição que toca as canções sem grandes invencionices - elas que já foram tão gravadas por aí - mantendo o clima de cada uma delas e não extrapolando nos arranjos. 

Sem qualquer dúvida, um disco para se ouvir deixando as belas melodias guiar você por um mundo de som prazerosos tocados por quem entende. Marcus Roberts, que poderia convocar toda uma orquestra para gravar, preferiu a singeleza e a qualidade de um ótimo contrabaixo - Reginald Veal - e um  grande baterista - Herlin Riley, Jr. 

O disco está à venda nos bons sites do ramo e também pode ser ouvido na íntegra em https://www.youtube.com/watch?v=fLROrbd3zCc&list=OLAK5uy_liapLcmT-oytLsLST1FUaoDsNjXLvFkhI . 

segunda-feira, 4 de julho de 2022

Ao Bob James e David Sanborn

 Por Ronaldo Faria

Cantilenas de loucas falenas a se despojarem nuas e cruas na cama do poeta que se entrega à sina infinda de criar e recriar. No meio das pernas, duas outras pernas num sair e entrar sem findar. Doutas senhoras na imprecisa e narcisa chegada ávida da vida procrastinar. Quem sabe um som diuturno e soturno ainda paira no ar. Um brinquedo nunca dado, um derradeiro afago, uma voz que soa inaudível ao tempo crível e tolo. Na imensidão que pode haver além do infinito, o trocar de carícias e sevícias, semeaduras prolixas, tardias urgências findas. Numa visão dupla, o gole que se dá em suores lambidos e findos, o entardecer crivo, o luar dado, o sol que se abre para acordar os dois do promíscuo mundo em limbo. No meio do nada, cantares de roucas gargantas, sacripantas emoções em prantos, páginas escritas em branco. A incerteza de um amanhã que surge entre nuvens e névoas, incólumes lumes sem luz. Um sol que se esconde à margem da morte e da fronte. De mãos em sangue, o poeta sorve sua sede na fonte. Ao redor, chamas frias enchem de fogo e calor o torpor da exígua vastidão. No derrear do que ainda pode haver ou haverá, a embriaguez que tira sabe-se lá de onde a hedionda chegada do findar e ser...


sábado, 2 de julho de 2022

Viajando em italiano, no Renato e em Russo...

Por Ronaldo Faria



Lontano, in un altro continente che non vedrò mai, in qualcuno deve esserci un amore sincero, una cura, uno smeriglio che fila scintille di passione nell'immensità. Forse, chissà, un non credente riscoprirà sentimenti increduli e insonni, pazzi e increduli di esserlo. Altrimenti, nient'altro che essere...

Далеко, на другом континенте, которого я никогда не увижу, в ком-то должна быть искренняя любовь, забота, наждак, искры страсти разжигающий в бескрайнем. Быть может, кто знает, неверующий вновь откроет для себя недоверчивые и бессонные чувства, безумные и недоверчивые. Иначе не более чем быть...

sexta-feira, 1 de julho de 2022

Quando Diana Krall chegou à bossa nova

Por Edmilson Siqueira 

Quando Diane Krall surgiu no cenário musical eu fiquei meio encantado. Uma voz muito bonita, uma ótima pianista cantando jazz, um disco bem produzido e, como se não bastasse, ela própria muito bonita. Escrevi sobre ela na coluna que mantinha na revista Metrópole do Correio Popular e passei a comprar seus CDs assim que por aqui aportavam. Um dia, acho que escrevendo uma segunda vez sobre um disco dela, brinquei na coluna que ela havia me mandado um e-mail. Expliquei, claro, que eu havia entrado para uma espécie de fã clube da moça e, como tal, recebia e-mail dos shows e lançamentos. E nos e-mails imprimiam a assinatura da moça. 


Passou um tempo e eu comecei a sentir falta da bossa nova no repertório de La Krall, como eu a havia apelidado. Não demorou muito e fiquei sabendo que ela estava gravando um CD que se chamaria Quite Nights que é, nada menos, que o nome da versão em inglês da música Corcovado, do nosso maestro soberano. Melhor: Diana ia gravar um DVD no Rio de Janeiro com as músicas do CD. 


Pois o disco saiu pela gravadora Verve, em 2009. É um dos melhores da moça que se rende, aqui, definitivamente à batida da bossa nova, não só nas músicas brasileiras, mas também adaptando outras ao sotaque musical carioca dos  anos 1960. Produzido por ela e por Tommy LiPuma e com uma grande orquestra conduzida por Claus Ogerman que também é o responsável pelos arranjos. 

Com esse time, já acostumado à bossa nova, Diana se mostra à vontade para cantar "Where or When", de Richard Rodgers e Lorenz Hart, "Too Marvelous for Words", de Richard Whiting e Johnny Mercer, "I've Grown Accustomed to his Face", de Ferderick Loewe e Alan Jey Lerner antes de cantar a versão em inglês de "Garota de Ipanema" que no disco virou "The Boy From Ipanema" e teve Paulinho da Costa na percussão para que nada saísse da medida.  


"Walk On By", de Burt Bacharach e Hal David, já vem contaminada pelo estilo manso e caliente que Diana sabe tão bem fazer, mantido em "You're My Thrill" de Jay Gorney e Sidney Clare.  


Jobim volta ao palco com "Esse Seu Olhar", sem versão em inglês. Sim, Diana se arrisca e canta em português e, claro, até erra uma ou outra palavra, mas o resultado é de alto nível. Já na música seguinte, ela está à vontade com o standard de Marcos e Paulo Sergio Valle - "So Nice" presença obrigatória num disco que se queira cantar a bossa nova. Só que aqui ela mostra suas habilidades ao piano antes de iniciar a letra em inglês do "Samba de Verão". 


Com todo o ambiente preparado, eis que chega a música título do disco. "Quite Nights" tem abertura de grande orquestra para a entrada da voz de Diana quase sussurrando no início para se encorpar em seguida, mantendo o clima adequado para o sucesso mundial de Jobim que ganhou letra em inglês de Genne Less e Buddy Key.  


Em seguida, chegamos à décima faixa, "Guess I'LL Hang My Tears Out To Dry", de Jule Styne e Sammy Cahn, uma canção densa com um belo arranjo orquestral.  

Sem qualquer referência no encarte do CD, há ainda mais duas faixas no disco: "How Can You Mend A Broken Heart", o sucesso dos Bee Gees escrito pelos irmãos Barry e Robim Gibb e "Every Time We Say Good Bye", de Cole Porter. Há ainda uma gravação que dizem pertencer ao disco, de "For No One", de Lennon e MacCartney e que pode ser ouvida, junto com todas as outras faixas no YouTube:  https://www.youtube.com/watch?v=lRu4LNfahgQ&list=PL2CceBAKApJbLj8UcUrBTBnhy6nmdnWcM&index=13 . E, claro, o CD e o belo DVD grtavado no Rio, estão à venda nos bons sites do ramo. 


É um disco que deixa, mais uma vez, orgulhoso o brasileiro que gosta da bossa nova como eu e que mostra que os grandes intérpretes de jazz continuam atento àquela que foi a mais internacional das produções musicais brasileiras. 

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Ao Gato Barbieri

 Por Ronaldo Faria


Estrada longa à frente. “Xongas”, diria um qualquer. “Milongas”, outro ninguém. O sax se solta ao entardecer. No escuro, um urro. Desejo incrédulo da mesa de bar e figura transfigurada do homem ao gole derradeiro. Espantalho num campo sem centeio. Na rua a mulher emudece diante dos faróis que rebrilham no asfalto enegrecido da fumaça que volatiza dos escapamentos. À espera do nada, filigranas de paixão se espalham no espelho que a tudo reluz. Desnudo, o dia se embriaga de beijos e trejeitos, carícias mil. Vozes roucas e rubras se desvanecem na penumbra tardia da vida. Entre um gole e outro, o abraço solto do louco que se entrega à orgia da solidão. Em sofreguidão. Afinal, na estrada longa à frente há um percurso, o transcurso entre o tátil e o taciturno. O limite entre o homem e o semideus. A incerta realidade entre a chegada e o adeus. A brincadeira sem eira e nem beira às margens do mar. No barco distante, o pescador enche a rede de incertezas e senões. Um peixe aqui e outro acolá se atiram para a morte. Uma sereia dança aos cânticos das conchas que brincam nos ouvidos dos menos precavidos. Na ponta do cais, a mulher chora seus derradeiros ais. Perto, o bonde se bandeia para qualquer lugar. O menino sobe no estribo a gargalhar. Da calçada, o moço vê os joelhos da moça na saia que o vento faz rodar. Ao som do sax, o tempo parece parar. Acima, uma pipa parece papear com a noite que chega por chegar...

quarta-feira, 29 de junho de 2022

A raiz da MBP num show de 1968

Por Edmilson Siqueira 

Cyro Monteiro, Nora Ney, Clementina de Jesus, Conjunto Rosa de Ouro (Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Mauro Duarte, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento), Dino Sete Cordas, Arlindo e Índio: todos esses bambas estavam no palco do Teatro Santa Rosa, no Rio de Janeiro, em março de 1968 para mostrar a um entusiasmado público o show "Mudando de Conversa". A música do mesmo nome já era sucesso no rádio e o autor dos versos, Hermínio Bello de Carvalho (a música é de Maurício Tapajós) foi quem escreveu e dirigiu o show.  


A reunião de tanta gente boa num show criado por HBC, como Hermínio também era conhecido, só podia resultar num espetáculo memorável, com sambas e canções que marcaram época e estão até hoje soltos por aí, frequentando repertórios de bons cantores.  


O sucesso do show levou a Odeon a produzir um LP gravado ao vivo. Pena que ainda não existia o CD, pois grande parte do espetáculo de duas horas teve de ser cortada para caber nos pouco mais de 40 minutos de gravação que cabem num disco de vinil. Segundo o texto na contracapa do LP, ficaram de fora as piadas de Cyro Monteiro, as histórias sobre Geraldo Pereira e alguns lindos sambas contados por Nora Ney e Clementina de Jesus. 

Mas o que se selecionou é ouro puro da nossa MPB. O LP ainda se encontra em sites especializados ou no Mercado Livre, mas o menor preço que encontrei foi de R$ 150,00, com gente pedindo até mais de R$ 800,00. 


O disco acabou se configurando com 9 faixas, mas quatro delas são pot pourri, juntado 20 sambas e perfazendo 25 músicas no total. Os vários aplausos em cena aberta, no meio dos pot porris, dão uma ideia bastante precisa da recepção do show. No encarte do disco, que não está assinado, ficamos sabendo que a fina flor da MPB esteve na plateia: Vinicius de Moraes, Maria Bethânia, Ataulfo Alves, Chico Buarque, Elizete Cardoso, Pedro Bloch, Toquinho, Zimbo Trio etc. Numa das noites, os artistas da plateia invadiram o palco e fizeram o encerramento junto com o elenco oficial.   


"Lamento", "Formosa", "Sacode Carola", "Divina Dama", "Mudando de Conversa", "Eu e a Brisa", "Falsa Baiana", "Não Quero Mais Amar a Ninguém", "Leva Meu Samba" são algumas das músicas que compõem o disco. 

E ele pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=XaIrTZurxLg . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...