quarta-feira, 13 de julho de 2022

O grande samba-raiz de Monarco e seus amigos

 Por Edmilson Siqueira 

 Todo mundo sabe que o samba agoniza, mas não morre, como disse o compositor Nelson Sargento, num samba memorável. Vira e mexe, sem trocadilho, o samba deixa a agonia para imperar solene na voz de uma nova geração de sambistas.  


Mas, para viver há tanto tempo e superar todas as agonias, muita gente batalhou por ele, criou escolas de samba e escreveu grandes músicas que embalaram o povo, seja na avenida em desfiles, seja nos shows em teatros e outros locais ou seja ouvindo mesmo no rádio ou no celular e computadores pelos streaming por aí. 


As grandes escolas de samba são, em grande parte, responsáveis pela eternidade do samba. Elas reúnem dois tipos de criadores que mantêm a chama, seja a Ala dos Compositores que fazem o enredo que a escola vai cantar na avenida, seja a Velha Guarda, que já compôs e continua compondo grandes sambas que, muitas vezes, o país inteiro canta.  


Uma dessas grandes escolas é a Portela que mantém uma Velha Guarda das mais criativas. E tanta inspiração junta acaba provocando a produção de discos para registrar a produção desses baluartes samba. 


É o caso de um disco gravado em 1980 pelo Estúdio Eldorado. A partir de um grande compositor ligado à Portela, a gravadora produziu uma excelente amostra do que esse pessoal é capaz de fazer. E o disco, apesar de levar o nome do grande Monarco, tem em suas faixas grande variedade de compositores. 

Diz o encarte assinado por Homero Ferreira: "Convidado pelo Estúdio Eldorado para gravar um disco seu, ele [Monarco] quiz que fosse assim. Com músicas para fazer mais de um LP, preferiu ceder metade de seu disco para as composições dos velhos companheiros: Paulo, Caetano e Rufino, Mijinha, Alcides Lopes, o malandro histórico, Alvarenga, num samba cuja segunda parte andava esquecida e foi lembrada pelo filho Altair, Josias, Pernambuco e Chati, Hortênsio Rocha, que morreu no anonimato e que poucos reconhecem sob  H. Rocha na autoria do "Diz que fui por aí", Doca, a dona do terreiro, e, numa homenagem à Mangueira, Mestre Cartola, num samba sem segunda parte, feito em 1932 e que até hoje não estava editado." 


O resultado desse clube de amigos é sensacional. São os chamados samba-raiz, com letras inacreditáveis e aquelas melodias que só compositor de morro carioca sabe fazer.


São sambas pouco conhecidos do grande público, mas a empatia com todos eles é imediata. Na primeira vez que ouvimos, já dá vontade de sair cantando o refrão. 


O clima que se sente no disco, conforme Homero Ferreira, é de um "terreiro em Oswaldo Cruz, onde alguns dos velhos compositores da Escola De Samba Portela costumam se reunir para cantar os seus sambas. São antigos companheiros, compadres, parceiros dos que fundaram em 1926, naquele subúrbio carioca, o Conjunto Carnavalesco Escola de Samba Oswaldo Cruz. Muitos deles fizeram parte do núcleo original da Escola e em vários carnavais foram deles os sambas com que a Portela desceu à cidade." 


Monarco morreu em 2021, aos 98 anos, e é considerado um dos maiores nomes do samba em todos os tempos. 


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=JXgXwSRSZOE . E também está à venda nos bons sites do ramo. 

terça-feira, 12 de julho de 2022

À Anavitória

Por Ronaldo Faria

Balada quase acamada, dessas que a cama sai a rodar de um canto a outro do quarto. Coisa de passado na passagem que existe entre esquecer e ser. Revivida saudade em que o tempo para de passear. Cancioneiro descoberto entre lençóis e cobertas. Beijos calcinados no calor da paixão, invasão de métricas tétricas e rimas sem saber, a ver. Coisa de malfadadas poesias que parecem azias de fim de madrugada. Versos como amplexos. Corpos entrecortando sexos.

Balada dispersa daqui até a Pérsia. Ultimato que vai da pele ao olfato. Besteiras recortadas por golfadas vazias entre a língua e a cisma. Coisa de se lamber, suar, sentir, reter, largar, lembrar, reter. Se possível, um dia esquecer. Senão, querer apenas não ser. No céu, uma lua que se desmancha de esmiuçar um brilhar derradeiro do fim. Cadenciado, o coração reverbera pétalas de rosas e gérberas. Planaltos e planícies estão logo ali, no derradeiro e brejeiro fim.

Balada cravada no renascer da sempre desigual sina. Logo ali, defronte, uma esquina. Um canto cansado e finito, bebidas sobre a mesa onde um pé parece menor do que os outros três. Cambaleante, na toalha perdida entre tantos ou outros poemas nunca feitos ou descritos, o poeta profetiza ser comível na verdade um prato de canções infindas. Ao fim de tudo, no curvilíneo abstrato crer, um pouco ou nenhum gemer. Entre quase nada e pouco, só resta viver.

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Toquinho e MPB4: um show de boa música

Por Edmilson Siqueira 

Na música norte-americana é comum que dois astros se juntem para fazer um disco. Aqui no Brasil houve raras gravações desse tipo até a década de 1970 mais ou menos. Depois a moda andou pegando, primeiro com participações especiais de um cantor no disco do outro, como aconteceu com Chico Buarque e Milton Nascimento cantando "O que será", embora com letras diferentes, já que Chico escreveu nada menos que três versões para a música que ele chamou de "Abertura", "À Flor da Pele" e "À Flor da Terra". A primeira foi gravada por Simone. A segunda saiu no disco "Meus Caros Amigos", de Chico, e a terceira no disco "Geraes", de Milton.  


Vários outros artistas gravaram com outros, principalmente um cantor com vários outros dando uma "canja" no disco. Miltinho fez isso com grande qualidade na série "Convida" que andou juntando cantores e compositores os mais variados.  


Mas surgiram também os discos em que dois artistas dividem o trabalho todo e um desses exemplos é a comemoração de mais de 40 anos de música que completaram, no início do século, Toquinho e o MPB4. O trabalho que juntou o grupo com o cantor e compositor aconteceu em 2008, foi um grande sucesso de público, gerou até um DVD e o registro em CD aconteceu nos dias 25 e 26 de setembro desse ano no Teatro Fecap em São Paulo. 



A longa carreira de Toquinho foi cheia de sucessos, desde sua parceria com Jorge Benjor ("Que Maravilha"), suas apresentações históricas no Rio com Jobim e Chico e pela grande parceria, por uma década, com Vinicius de Moraes, que geraram canções que até hoje são presença obrigatória em todos os seus shows, inclusive esse com o MPB4. 


Já o conjunto vocal de maior sucesso no Brasil, começou, como Toquinho, em festivais dos anos 1960 e se firmaram gravando grandes músicas, bem como acompanhando Chico Buarque por muito tempo.  


A reunião dessas duas grifes da música popular brasileira não podia gerar outra coisa que um grande disco, onde não faltam as enormes qualidades vocais do conjunto, as grandes composições de Toquinho e homenagens a ícones da nossa música como Jobim, Dorival Caymmi, Paulinho Nogueira, Baden Powel e Vinicius de Moraes. E ainda mostra composições de Noel Rosa, Cazuza, João Bosco e Aldir Blanc, Herbert Viana e Paula Toller, Edu Lobo, Gonzaguinha, Fernando Lobo e Antonio Maria. 


"Tarde em Itapoã", "Se Todos Fossem Iguais a Você", Iolanda", "Quem Te Viu, Quem Te Vê", "Gago Apaixonado", "O Que É, O Que É?" "Como Dizia o Poeta", "Pra Viver m Grande Amor", "Regra Três" e muitas outras músicas que vivem na memória do brasileiro que gosta da boa MPB estão no disco.  


O disco esta à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra em https://www.youtube.com/watch?v=N4GQ61D80WA . 

sábado, 9 de julho de 2022

The king of the blues

Por Edmilson Siqueira 

Riley Ben King, pra quem não sabe, é o mais que famoso B. B. King. Embora ele já tiver um B no nome, o apelido se concretizou quando ele se denominou Blues Boy, quando apresentava um programa de rádio. De infância pobre, foi criado por parentes, já que perdeu a mãe muito cedo. Aos 9 anos colhia algodão para sobreviver. Quando tentou, pela primeira vez se apresentar Memphis, Tenessee, aos 23 anos, foi para a cidade levando apenas dois dólares e 50 cents no bolso.  


Mas, para encurtar a história, B. B. King foi considerado, ao lado de Eric Clapton e Jimi Hendrix, um dos melhores guitarristas do mundo pela revista norte-americana Rolling Stone. Ao longo da sua carreira, B. B. King foi distinguido com 15 prémios Grammy, tendo sido o criador de um estilo musical único e que faria dele um dos músicos mais respeitados e influentes de blues, tendo ganho o apelido de Rei dos Blues. 


Ele morreu em 2015, aos 85 anos, depois de uma carreira repleta de sucessos e de influenciar algumas gerações de músicos no mundo todo. Os Rolling Stones, por exemplo, sempre o citam como um ídolo. Gravou mais de 130 compactos simples (disquinhos de vinil com uma música de cada lado) e 26 álbuns. 


Em 2005, a Geffen Records lançou uma coletânea chamada "B. B. King - The Ultimate Collection" - que, nas suas 21 faixas, dá um ótimo apanhado geral na carreira do Rei dos Blues. Desde "Three O'Clock Blues", seu primeiro sucesso, a coletânea passeia por inúmeras músicas que povoaram algumas paradas de sucesso e fizeram povos de todo o mundo conhecer o verdadeiro blues norte-americano. Em 1970, os Rolling Stones convidaram B. B King para participar da turnê que o grupo inglês iniciava.  

Num texto que acompanha o ótimo encarte do CD, Charles Sawyer escreve, às vésperas de B. B. King completar 80 anos:  "Desde Louis Armstrong, a América não enviou um emissário musical ao mundo que representasse tão bem os melhores, mais originais e mais generosos aspectos de nossa cultura como B. B. King. Presidentes, reis e rainhas prestaram homenagem a ele. B. B. King e sua amada guitarra, Lucile, são venerados pelos grandes artistas de nossos dias e amados pelo público de pessoas comuns em todos os lugares." 


O disco pode ser ouvido inteiro em https://www.youtube.com/watch?v=84_VsB9VWz0&list=PLvRYIs_9l-yP8dUuYYuCIxxjlynYmJBJR e ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

sexta-feira, 8 de julho de 2022

A Elza Soares e Lupicínio Rodrigues

 Por Ronaldo Faria

Saudade, essa maldade que apunhala em cada ferida que nunca fechou e sangra feito chuva de primavera, entre flores, espinhos e pétalas caídas no chão. Coisa de versos frios e palavras sem valor. Talvez um acabrunhado amante em descalabros que apenas os apaixonados sabem balbuciar em bocas e lábios molhados dos beijos alternados de sabor e dor. Na esquina próxima, um próximo e ensandecido dissabor espera quieto o iluminar de sedas e corpos, de copos e peles desnudas a se misturarem em dry Martini, quiçá. Talvez um tocar último a ultimar a separação que entre o fato e a ação transbordam de carícias e vozes caladas o limiar entre a dança e o último acorde a tocar. Daqui, te toco em gestos prestos e afetos derradeiros, infinitos ao incandescente refletor. Saudade, esse impropério que vai de boca em boca a vitimizar os erros que só os amantes sabem decifrar. E seguem crianças e sonhadores como se fosse a vida uma mistura de ópio e espelho que nunca há o que mirar.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

João Nogueira canta Chico Buarque

Por Edmilson Siqueira 


A carreira do cantor e compositor João Nogueira deixou saudade em muita gente. Grande cantor com uma divisão rítmica toda própria e autor de vários grandes sambas, membro da Ala de Compositores da Portela, João Nogueira fez história. Seus discos venderam bem e seu filho, Diogo, com uma voz muito parecida com a do pai, anda por aí, levando o legado que herdou e criando o seu próprio com muita qualidade e personalidade. Chegado numa bebida, João nos deixou cedo, aos 58 anos. Eu estive com ele uma vez, quando era repórter da Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes). Ele veio fazer um show na região e foi à rádio promovê-lo. Infelizmente não fui eu quem o entrevistou. Mas batemos um papo rápido onde ele demonstrou toda sua simpatia e bom humor de carioca da gema. 


O sucesso de João Nogueira se deve aos seus próprios sambas e à sua interpretação diferenciada, cheio de ginga e com um vozeirão delicioso, fugindo um pouco do padrão de sambista do Rio de Janeiro. 


Pois foi essa qualidade interpretativa que levou o produtor Almir Chediak a convidá-lo para ser o intérprete do segundo volume da coleção Letra e Música, dedicada à obra de Chico Buarque de Holanda. Como o próprio Almir explica no texto do encarte, a coleção "foi inspirada no compositor Antonio Carlos Jobim que poucas vezes é lembrado pelo letrista que foi. Por esta razão, achei interessante reunir em um CD letras suas sem parcerias, para dar ênfase ao seu lado poético que é tão genial quanto o de músico." 


A escolha de João Nogueira para o disco com músicas de Chico Buarque é assim justificada por Almir: "É um intérprete por excelência, seu timbre de voz é inconfundível, possui um grave aveludado e uma divisão rítmica pessoal, além de ser um dos grandes compositores de samba desse país.  


O CD tem ainda o pianista e arranjador Marinho Boffa, que, segundo Almir, é um músico "de extremo bom gosto, "tudo fica mais lindo quando tocado ou arranjado por ele".     


Além desses dois no comando, as músicas tiveram participações de grandes instrumentistas como Carlos Malto, Jorge Helder, Luciana Rabello, Lula Galvão, Robertinho Silva, Wilson das Neves e Zé Nogueira. A cantora Leny Andrade divide o dueto de "Sem Fantasia" com João Nogueira. 


E além dessa música, constam no CD "Feijoada Completa", "A Rita", "Samba e Amor", "Com Açúcar e Com Afeto", "Homenagem ao Malandro", "O Meu Guri", "Olhos nos Olhos", "Quem Te Viu, Quem, Te Vê", "Sonho de um Carnaval", "Gota D'Água", Bastidores", "Deixe a Menina" e "Olê, Olá". 


Trata-se de um disco de alto nível, não bastassem a fina escolha do repertório que, se evidencia as belas e definitivas letras de Chico, também mostra grandes melodias, ótimos arranjos e uma interpretação irrepreensível do grande João Nogueira.  


O disco pode ser ouvido na íntegra em https://immub.org/album/chico-buarque-letra-musica-joao-nogueira-e-marinho-boffa. E também pode ser encontrado à venda nos bons sites do ramo. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...