quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Ao musical Ariano Suassuna

 Por Ronaldo Faria

Vou pensar algo de bom. Não me acordem, mesmo que a morte dê o seu tom. Daqui de onde estiver, vale o que for ou houver. Esteja eu embrenhado na maior tristeza ou no corpo de uma mulher. Seja, portanto, o tanto de poesia e cordel que der. Quem sabe, um dia, um sábio dirá para o sabiá que é preciso cantar diferente. Se não o disser, pouco importa: os sonhos não param diante da porta primeira.

Vou crer em algo que valha. Seja o dia estar no final ou no corte derradeiro da navalha. Decerto, na têmpora do vento haverá uma tectônica falha. Atônita, a mulher se desfará em farfalha. Senão, sobrará um poema rasgado e tragado em goles e foles do acordeom que se desdobra entre sol, céu e sal. Talvez um descrédito que desça em féretro a estrada cheia de poeira e pasmaceira. Haja canseira.

Vou desatar nós e cozer roupas que possam vestir a maior nudez que se espalha na tez. Tocar cada pedaço de curva, tecer imbróglios e solitários solilóquios que nada enaltecem. Vou ficar ensimesmado a brincar de bolas de gude, sabugos de milho, caminhões de madeira já morta. Distante, o carcará se fará cantante para a morte do carneiro que mama calado. Do ar, descerá o derradeiro anjo infante.

terça-feira, 16 de agosto de 2022

A era de ouro do swing

Por Edmilson Siqueira 

Quando o CD se notabilizou como substituto definitivo dos LPs e fitas cassetes, começaram a surgir os que as gravadoras consideraram filões de vendas: as coletâneas dos mais variados tipos. Num só disco era possível colocar mais de uma hora de gravações e as gravadoras tinham milhões de músicas arquivadas, que até poderiam virar coletâneas nos LPs, mas esses tinham uma limitação entre 30 e 35 minutos e produção mais cara, não só pelo material, mas também pelas capas e pelos plásticos que, muitas vezes, os envolviam.  


Pois com os CDs era possível produzir mais rápido e com um custo menor. Com isso, várias coleções começaram a surgir. Tenho vários CDS oriundos dessas coleções com coletâneas sensacionais. Um desses CDs tem por título "One O'Clock Jump" e faz parte da coleção Jazzterday, com 20 faixas e exatos 61 minutos e 8 segundos de gravações. Nas faixas, "20 Original Big Bands" como diz o subtítulo da capa. E são big bands mesmo dos anos 1930 e 1940 nos Estados Unidos, ou seja, a era de ouro do swing que as grandes orquestras de jazz souberam tão bem interpretar. 


As orquestras tinham nomes que se referiam aos suas estralas maiores, geralmente o maestro e proprietário da mesma. Eram os chamados "band leaders". E o time nas 20 faixas do CD é daqueles para os quais os amantes do jaz devem prestar toda reverência. 

Senão vejamos: Count Basie, Harry James, Charles Spivak, Les Brown, Claude Thornhill, Artie Shaw, Glen Miller, Tommy Dorsey, Stan Kenton, Benny Goodman, Andy Kirk, Glen Gray, Woody Herman e Sammy Kaye. São 14 nomes cuja maioria está entre os ícones dessa era e que interpretam clássicos consagrados ou outras músicas que eles tornaram clássicos. Além da magnífica interpretação com aquele som característico das big band norte-americanas de jazz da era do swing, algumas músicas têm cantores que eram os "crooners".  Frank Sinatra começou como crooner de algumnas orquestras, até se firmar como o melhor cantor dos EUA por muito tempo. 


Count Basie abre os trabalhos com a faixa que dá título ao disco: "One O'Clock Jump", seguido de Harry James com "Between The Devil And The Deep". Charles Spival vem com "Mean To Me" e a seguir Les Brown toca "I"ve Got My Love To Keep Me Warm.  


A quinta faixa é "Sometimes I"m Happy", com Claude Thornhill. Já a sexta é um clássico: "Frenesi", aqui interpretada por Artie Shaw. O grande e desaparecido prematuramente Glen Miller toca "Fool Rush", seguido de Tommy Dorsen com "Boogie Woogie". "Two Moose In A Caboose" é a faixa seguinte, com Stan Kenton.  


A décima faixa nos traz Benny Goodman numa música chamada "Cristopher Columbus" (sim, o navegante que descobriu a América) e a décima primeira está nas mãos de Andy Kirk: "Boo Wah Boo Wah".  


Em seguida é a vez do lendário Duke Ellington apresentar "How High The Moon". Seu xará, Glen Gray vem a seguir com "Maybe". Glen Miller volta a nos dar prazer com "Yes, My Darling Daughter". Jimmy Dorsey aparece com "Speak Low" e Woody Herman com "Apple Honey".  


"A Paper Moon", com Sammy Daves, "I'LL Be Seeing You, com Tommy Dorsey, "Don't Sit Under The Apple Tree", com Glen Miller e After You've Gone com Glen Gray são as quatro últimas faixas de um disco que entrega totalmente o que tem em sua capa: grandes orquestras, grandes músicas e excelentes interpretações.  


Eu não encontrei o CD para ser ouvido na rede, mas ele está à venda no Mercado Livre por 30 reais. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Nau catarineta

 Por Ronaldo Faria

Na nau catarineta, perdida em tempestades e sonoras vagas de algum lugar, o náufrago vagueia sobremaneira na junção de um rio e um mar. Seja onde for e tiver de ser, certamente é um lugar. Pedacinho de terra, lugar escondido entre velas acesas e valas cercadas de água - fétidas e finais. Senão, o cais. Caso esquecido. Chegança do depois de tanto navegar. Entre dois pontos há um lugar. Ou, quem sabe, um derrear. Na estrada mais perto do fim do que do começo, o marinheiro far-se-á grumete, marujo e quem dá o grito de terra à vista. Proscrita, essa quantidade de areia saberá saber-se fim de caminho vadio e fantasma que foge das sereias nas ondas do entardecer ou do melro a revoar.

Na nau catarineta, um proxeneta parece nadar em naufrágio árduo para chegar onde for que tiver de ser ou dar. No céu que brilha acima, uma nova rima. Um pássaro a singrar de nuvem em nuvem, um azul a sangrar entre o que nunca foi e aquilo que jamais será. Na melancólica ilusão prostrada em si mesma, a resga e o resto que não colam mais. Ao longe, canaviais. Sombrias lágrimas que caem no final da tarde, inexatas frases que se espalham e se espelham ao sol que arde. Um cansaço estranho às entranhas que brotam em cada palavra perdida. A ferida aberta em sangria ardida. A certeza urdida de que nada dormiu além do coração de cá. Na brisa sopra um vento que vem do Leste.

-- Capitão, acho que vi terra ao longe! Põe a vela mestra como fosse abelha a voar...

sábado, 13 de agosto de 2022

Às músicas que tenho e nunca ouvirei

 Por Ronaldo Faria

Muitas e mais de milhares músicas, mil e tantas notas e acordes, açoites ao coração e vozes, nunca ouvirei. Transversas estradas entre batidas e aflitas canções. No meio de tudo, um aprendiz de poeta quase sem coração. À beata, uma incrédula oração. Entre dois corpos, uma unção. Um entremear de cidades, um derradeiro gritar em vão... Quietas, solitárias, no vazio da canção, milhares de notas ecoarão. 

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Paris, Paris

Por Edmilson Siqueira 

Sabe quando você sente um impulso para comprar um CD apenas pela capa? Pois foi assim que Paris, Paris veio parar na minha coleção. Não sei que ano foi, mas me lembro que estava eu batendo um ótimo papo com o Osny lá na saudosa Hully Gully Discos, que se resumia a música, futebol e mulheres quando, passando os olhos pelas estantes, um me chamou atenção pelo título já mencionado. Não bastasse a alusão à cidade que me enchia (e enche ainda) de saudade – uma foto noturna do Sena – com alguns barcos, bem ali na Ilha de La Cité, com a Catedral de Notre Dame ao fundo, me fez chegar mais perto, pegá-lo, examinar rapidamente o repertório e colocá-lo no balcão para, quando fosse a hora de ir embora, pagar, botar num saquinho plástico e levar pra casa. 


Paris, Paris, o disco que acabou me acompanhando, tem grandes músicas e muitas delas trarão grandes recordações para os mais velhos. São umas seis ou sete que dão aquele prazer misturado com saudade.  


Charles Aznavour, por exemplo, que abre o disco, tem coisas melhores que "She" (dele próprio e de H. Kretzmer) mas sua voz, impregnada de nostalgia e da boêmia francesa melhora qualquer música. A inevitável "La Vie En Rose" até que tem uma interpretação honesta de Dálida, embora a gente sempre se lembre de Louis Armstrong ou Madeleine Peyroux.  

Há um clássico da minha geração que a produção fez bem em manter o fonograma original, mesmo porque ninguém soube cantar "Je T’Aime... Moi Non Plus" melhor que seu autor Serge Gainsbourg e sua mulher à época Jane Birkin. Proibida pela censura na idiota ditadura brasileira, o disco ganhou mais fama ainda e incendiou a imaginação de todos nós. Eu consegui comprar um compacto simples antes da proibição e ele fez o maior sucesso no bairro. Andou de mão em mão até se perder por aí.  


"La Mer", outra inevitável vem com Mireille Mathieu. Já "Chanson D’Amour" ganhou roupa nova com o excelente Manhattan Transfer. "F...Comme Femme" é na versão discoteca ou algo parecido, com uma tal de Marysa Alfaia. Ficou “moderninha”, mas o lirismo irônico da versão original se perdeu.  


"New York, New York" em francês com Mireille Mathieu se salva porque ela canta com certa garra e os arranjos ficaram mais para Manhattan que para Paris.  Fechando o CD, "Cherchez La Femme", com uma tal de Banda do Doutor Buzzard.

 

Trata-se, obviamente, de um disco para quem viveu o lançamento dessas músicas ou quem andou por Paris algumas vezes e se encantou com tudo por lá. Comigo aconteceram as duas coisas, por isso, ouvir Paris Paris, por mais que algumas músicas não mereçam estar num disco com esse nome, dá um enorme prazer. 

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Lunário Perpétuo

 Por Ronaldo Faria

“Diz-se que no Lunário Perpétuo, que correu por décadas o Nordeste do passado, se oferecia conselhos e orientações sobre os mais variados aspectos da vida, incluindo tabelas das fases da lua, dos eclipses do sol e festas móveis, previsões do tempo, horóscopo, elementos do Direito, navegação, Teologia, saúde, agricultura, dicas culinárias, feitiços, maneiras de interpretar o comportamento dos animais, biografias de santos e papas, e outros muitos dados de interesse geral. Era como que uma enciclopédia popular.”

Vai senhor dos horizontes tardios, num caminho pelas terras que secaram de tanto sol e chuvas que nunca chegaram. Segue nesta estrada que há muito não vê formosura. Trilha rios que mostram a terra onde antes água havia, olha no fundo do poço o esqueleto da jia. Seu coaxar não ouvirás. Talvez um barulho que fluirá entre os pequenos ossos nas noites que o vento pouca paz trará. Talvez, ainda quem sabe, irás enxergar uma nau catarineta no horizonte à imensidão da solidão singrar. Ávido de marés e fés, grumete ou pivete desandará a buscar um carrossel do destino.

Mas segue senhor das brincadeiras tardias e vadias na curva turva que termina onde começa o mar. Vai de espada em punho a enfrentar os monstros da madrugada. Aprenderás, se o Lunário Perpétuo ler, magias mil para todo o mal poder vencer. Senão, saberás quão difícil é ter a amada deitada em seu castelo de areia no meio da montanha altaneira. Mas não desiste. Resiste em riste. Se cicatrizes descobrir no rosto, faça-se louco e torto. A esse o inimigo poupa por sabê-lo morto e roto. Mas, depois, quando te pensarem enterrado, foge das cova no desterro de um sonho calado.

Assim, não desiste senhor dos luares que de tão cheios se esparramam no sombreado da mangueira que dorme entre sabores e cheiros. Descobre na enciclopédia popular que podes ser fidalgo ou jagunço. Virgem senhora ou entregue Marília de um Dirceu que não há. Se ler com calma o Lunário, verá que a família toda está lá. Se não houver, erro na caligrafia haverá. E segue sob o sol intermitente que queima a cabeça da gente. Viaja no tempo se como montasse uma nuvem ao vento. Descobre chuvas, tormentas, trovoadas e unguentos. Para toda lágrima sempre terá um lenço.

Logo, nobre senhor, dono da própria alegria e sublime torpor, vai a seguir entre curvas turvas que terminam Deus sabe no que se fará. Certamente, nas páginas do livreto, descobrirás que podes ter o poder de tudo saber e mudar. Ao longe, no mais longínquo pairar, algo mais do que uma cova rasa irá te esperar. Dono de tanto conhecer em tantas lições de ser, não passarás pelo purgatório, notório espaço de o limbo lamber. Lunário Perpétuo nas mãos, creia, entrarás por um portal que em alguma página estará descrito como ilusão. Ao destino, um cancioneiro de eterno menino.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Uma coletânea essencial

Por Edmilson Siqueira 

A série Easy Living tem pelo menos dois discos essenciais (aliás "Essential" é outro nome da série): um de jazz e outro de bossa nova. Não conheço outros da série e não encontrei em breve pesquisa no Google. O de bossa nova eu não tenho, mas o de jazz foi - e continua sendo - um campeão de audiência no meu cd player. 


O disco ainda se refere a "Ballads", o que significa um jazz soft, contido, sem grandes arroubos de improvisos, solos de bateria, mas sim com aquele talento todo peculiar dos jazzistas de, dada a melodia, partirem para uma aventura sonora que só a sensibilidade e a destreza podem proporcionar. 


O disco está recheado de clássicos e a primeira faixa não deixa por menos: Harry Allen e seu sax tenor nos dão "Somewhere Over The Rainbow", de Harold Aleen e E. Harburg, em uma gravação de 1996, realizada no Nola Recording Studios, em Nova York. O desfile continua, desta vez no sax alto de Jesse Davis, com a deliciosa "Smoke Gets In Your Eyes" (Otto Harbach e Jerome Kern), em gravação de 1994, na mesma Nova York, só que no Clinton Recording Studios. 


A terceira faixa está nas mãos, no sopro e no talento de Chet Baker: "Round Midnight" (Charles Cootie e Bernard Hanighen) nos leva a uma viagem der 10 minutos e 16 segundos entre os meandros da famosa balada. A gravação é de 1986 , feita no Studio 44, na Holanda.  


"Autumn Leaves", outro mega sucesso por aí, com o Super Jazz Trio, formado por Tommy Flanagan ao piano, Reggie Workman no baixo e Joe Chambers na bateria, em gravação de 1980, no Power Station Studios, de Nova York.  


A quinta faixa começa com um chiado que permanece em toda música. Não é defeito, é antiguidade: trata-se de "Tears", gravada em Paris, em 1938, pela lenda do violão jazzístico, Django Reinhardt. E com ninguém menos que Stephane Grapelli no violino. A autoria da música, aliás, é dos dois. Uma gravação histórica.

 

Voltando aos tempos mais atuais, sem bem que nem tanto, pois a música seguinte foi gravada em 1962, nos estúdios da RCA em Nova York, mas já com "high quality", temos "Where Are You?" (Jimmy McHugh e Harold Adamson) no ótimo sax tenor de Sony Rollins. 


A sétima faixa é a homeanagem que Benny Golson fez ao amigo Clifford Brown ao compor "I Remember Clifford". A gravação aqui é do grupo The Jazz Networks, com destaque para Roy Hargrove ao trumpete, mesmo instrumento de Clifford.  


Outra volta ao passado, desta vez sem chiado, está em "Body and Soul" (Edward Heyman, Johnny Green, Robert Sour e Frank Eyton), numa gravação remasterizada de 1939, dos Estúdios da RCA em Nova York. Coleman Hawkins, que popularizou o sax tenor, é quem interpreta mais esse clássico do jazz.   


O passeio musical volta ao presente com "You Don't Know What Love Is (Gene DePaul e Don Raye) que nos é apresentada por uma bela performance ao piano de Kenny Drew, em uma gravação feita em Tokyo, em 1983.  


A música que dá título ao disco, "Easy Living" (Leo Robin e Ralph Rainger) chega com Paul Desmond também no sax alto, acompanhado de Jim Hall no violão, Eugene Wright no baixo e Connie Kay na bateria. A gravação é de 1964. 


O grupo The Jazz Networks reaparece na décima-primeira faixa, apresentando "My Ideal" (Newell Chase, Leo Robin e Richard Whiting), gravado em 1993, no Clinton Recording Studios, em Nova York.  


Encerrando a bela seleção, temos "In The Wee Small Hours (Bob Hilliard e David Mann) com o grande John Pizzarelli, aqui compondo seu trio com Martin Pizzarelli no baixo e Ray Kennedy ao piano. A gravação é de 1995, realizada no Nola Recording Studios, de Nova York.  


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music, em https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mzfsiK1HuVCT147E43SQEi0_7kuDU9msE e está à venda por aí, nos bons sites do ramo. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...