sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

The Mamas & The Papas

Por Edmilson Siqueira 

Quem não gosta do grupo The Mamas & The Papas que tanto sucesso fez durante pouquíssimo tempo? Pouca gente, né? pois eles eram realmente ótimos. E o pouquíssimo tempo não é apenas expressão: gravaram o primeiro disco em 1966 e o quinto e último em 1971, quando o grupo já havia se dissolvido e a gravação ocorreu apenas por exigência contratual da gravadora. 


Com exceção de Michele, a bela cantora, hoje com 78 anos, os outros - John Philips, Denny Doherty e Mass Cass - já morreram. O sucesso deles foi tanto que era a única banda a competir, nas paradas americanas, com o Beatles. e às vezes ganhar, principalmente com seus dois megassucessos "Monday Monday" e "California Dream" que tocam até hoje por aí, mais de meio século depois de lançados. 


Claro que eu tenho todos os discos deles, mas há um especial que não ganhou notoriedade, mas é muito bom também. 


Trata-se de um disco lançado em 1994, com o nome do grupo e um subtítulo - "Rare Tracks" - dentro de uma coleção da Movie Play chamada "Remember". 


Não há no disco nenhum grande sucesso - e eles gravaram muitos na pequena discografia -mas toda a qualidade dos vocais e das músicas de John Philips, o compositor do grupo estão ali. A impressão que dá em quem conhece a obra do grupo, é que essas músicas eram mais trabalhadas, sem uma preocupação em atingir os primeiros lugares nas paradas, com arranjos mais pensados e com uma sonoridade mais contida. 

Das treze faixas do disco, apenas três não são de Philips. A mais conhecida, que chegou a frequentar as paradas, mas abaixo do décimo lugar, é "Hey Girl" feita por Philips e Michele, que eram casados à época. Outro detalhe: Mama Cass já aparece em destaque na contracapa do disco, ela que era a melhor cantora do grupo e que estava conduzindo sólida carreira solo depois da separação do grupo e acabou morrendo de um ataque cardíaco (ele vivia com problemas de obesidade e tomava muitos remédios) em Londres, logo após um show.  


“For The Love Of Yvy” (Philips e Denis Doherty, o outro "papa" do grupo), "Midnight Voyage", People Like Us", “Boys And Girls Together", "Frustation", "Glad To Be Unhappy" (H. Rodgers e L. Hart), "Step Out", "John's Music Box", "California Heartquake", "A Song That Never Comes" (Cashman, Pistili, West), "Move In A Little Closer, Baby" (O'Conner e Capitanelli) e "Mississipi" são as músicas do disco. 


Para quem curtiu e curte o som limpo e bonito dos Mamas & Papas é uma ótima pedida. E o disco ainda está à venda por aí, nos bons sites do ramo, embora eu não tenha encontrado a íntegra dele nos sites de música.   

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Roubando a imagem (ou vampirando quem tem emoção)

 Por Ronaldo Faria

Sua silhueta transborda na bacia d’água refletida no luar perdido entre nuvens e a fria brisa da madrugada. Seminua, cantarola versos e prosas. Passo sobre o passo, pé entre a relva e o silvo do vento nas árvores que parecem serpentes ausentes de uma toca qualquer. É um misto de mulher e magia, volátil na plenitude de quem descobre, na solidão, sua inesquecível orgia solar. Vez ou outra, um grito. Presságios de novos versos, lamentos certos ou gemido em eco. Num canto, um cão ouve tudo submisso, como padre em sua reza sob o crucifixo fixo na parede sem viço.

Seus cabelos voam rebeldes e revoltos, volteando como se fosse a noite um vagão de trem: para e segue, solta fumaças e prossegue na escuridão de onde nem "Deus" sabe de onde vem. Seus olhos, negros, se misturam ao negror que ilumina aqui ou ali um ponto de luz, entre velas e chás madrigais. No meio de tudo, saudades e veleidades, dessas que a gente desanda a cantar com a voz embargada de choro e emoção na viola que desembesta a jogar sons e tons para o nada. Coisa de imagem roubada. Mas não é que nem imagem de santo, quietinha num altar a tudo ouvir, consternada. Ela se redescobre nos pedidos do penitente que desanda a chorar. Imagem da emoção, trazida de um desabafo sem fé. Jogada ao mundo nessa tal de “interné”.

Suas mãos luzem em unhas e gingado na mesma velocidade de quem recebe um afago. E os abraços assobiam como fossem parar depois de um soçobrado qualquer, a espera de um braço forte para salvá-la das ondas que não batiam no porto onde marinheiros perdidos em arrecifes buscavam uma única mulher ou mulher qualquer. As pernas, pausadas e pesadas no cansaço gostoso de um dia a mais, se esperneiam mágicas e múltiplas nos espelhos que escondem sob o xale cor de rosa as virtudes e as inquietudes de uma história desbragada, embriagada em si mesma. Ensimesmada de tanto ser. Passarinha na madrugada em ré.

A esmo, valsa enviesa entre pequenas árvores, uma ou outra gota de suor. Pirilampos pirilampam reluzentes, desviando do seu balé enigmático e ausente. Assim, no tanto que um assim pode ser passado, viaja para o futuro, brinca de presente. Se torna, no agora, um ser ausente, transeunte feito tanta gente. E ninguém a via entre os mil mundos proscritos num cantinho qualquer de quintal urbano, desses que a gente sonha ser nosso naco de terra última, íntima e uterina. Coisa de mulher meio menina. Coisa de violeiro entre um gole e outro. Coisa de poeta entre a glicose e a angina. Ser romântico, que deságua a rima na tina.

Dessa forma, em acordes harmônicos e sinfônicos, recortes sinceros e histriônicos, solicitudes e virtudes desiguais, ia ela a brincar de bailarina e razões irreais. E o tempo parava, sorumbático, a se perguntar por que devia passar. Afinal, poderia parar nesse momento e, a descer rio abaixo, fazer-se poesia onde tudo houvesse, menos lamento. Na verdade, quem sabe até, pudesse, terno, sentar num bar de esquina e se encharcar de bebidas, dessas que a gente chama de mé. Ouvir moda de viola e prosa penitente, indigente à vida de cada um. Coisa de cantiga de roda, pares em volta, palavreado miúdo e inacabado, achado num baú perdido no canto onde não cabe nem colher.

Mas, se toda a eternidade ainda me fosse dada, nessa terna insensatez da morte marcada, certamente não conseguiria descrever a valsa da mulher que, para uns, era meramente louca, para outros a poetisa da madrugada. Mas, no silêncio impertinente que se mistura em sons descalços na grama e soluços poucos e parcos, esparsos, o bailado vai acabando. E as damas da noite se fecham em pétalas brancas, como fossem fêmeas domadas em açoite. No mundo, os primeiros raios de sol brincam de querer raiar. Tudo para, no fim, num derradeiro alento, se dedilhar e dizer impoluto e sagaz: “Êta, que beleza poder a vida dos outros, em quadrinhas e trovas, sonetos e rosas, a felicidade deles roubar!”
 
Escrito sob a magia de um “Esbrangente”, de Roberto Côrrea, Badia Medeiros e Paulo Freire. Trio bom e cordeado em violas, com muita semente que só quem rega todo o dia pode ver nascer.




quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Vários mestres do jazz num só disco

Por Edmilson Siqueira 

"The Mainstream Masters" é o nome do CD, mais um da coleção "A Jazz Hour With", que reúne, como o nome diz, um bando de cobras que gravou com várias formações entre os anos de 1954 e 1967. A maioria das faixas foi gravada em Nova York, mas há uma gravada em Essen, outra em Viena e mais outra em Londres.  


Mas o que é "mainstream"?  No encarte do CD está uma explicação bem suscinta, feita por Skip Voogd: "Para ir direto ao assunto: Mainstream é o nome dado ao estilo de swing que se desenvolveu nos palcos de jazz dos anos 30, e também é tocado atualmente com influências dos estilos de jazz posteriores, como bebop, cool e hard bop. A base do campo incomensuravelmente amplo do mainstream é formada pela execução de esquemas de acordes de padrões ou de composições de jazz. E como isso é feito principalmente de uma maneira fácil de ouvir, o mainstream é popular entre um público de milhões." 


Pelo que se ouve nas dez faixas do discos, trata-se de jazz da melhor qualidade, com influências de vários estilos, mas todas elas aproveitadas pela genialidade dos jazzistas, tornando tudo muito agradável aos ouvidos. Parece que o jazz antigo, dos anos 1930, de que fala Voogd no encarte, baixou no espírito desses ótimos jazzistas que, já conhecendo tudo que viria depois - bebop, cool e hard pop - retiraram o melhor de cada um dos estilos para formarem seus próprios modos de tocar. 


E tudo isso torna esse CD memorável. Logo de cara, a faixa "Maud's Mood" (Benny Bailey) vai ser facilmente reconhecida, pois já se tornou prefixo de muitos programas de jazz mundo afora.  Nos solos Beny Balley (trompete), Phil Woods (sax alto e clarineta), Julius Watkins (trompa francesa), Les Span (flauta e guitarra) e Tommy Flanagan (piano). No baixo, Buddy Catlett e Art Taylor na bateria.  

Depois do frenesi da faixa inicial, um velho, bom e triste blues - "Fine and Mellow", cuja autora é ninguém menos que Billie Holiday, ocupa os próximos sete minutos do disco. Na faixa, destaque para o piano de Kenneth Kersey e o trompete de Ruby Braff. 


Ouro clássico vem a seguir: "Blues For Yesterday" (Les Carr) e, desta vez além do excelente trabalho instrumental de um time de primeira, temos a deliciosa voz de Nacy Harrow. Destaque para o sax tenor de Buddy Tate. 


"Wrap Your Troubles in Dreams" (Mohl, Khoeler e Barris) é a quarta faixa, que volta ao jazz mais tradicional, com piano (Tommy Flanagan), contrabaixo (Charles Mingus) e bateria (Jo Jones) fazendo a cozinha (e que cozinha!) para o ótimo trompete de Roy Eldrige. Há um ótimo solo de bateria também.  


Na rota dos clássicos, a quinta faixa traz o megassucesso jazzístico "All The Things You Are" (Kerne e Hammerstein) até hoje gravada por aí.  O sax tenor de Coleman Hawkins, um dos mestres de todos os tempos, é o destaque da faixa que conta ainda com ninguém menos que Bud Powell no piano, Oscar Pettiford no baixo e Kenny Clark na bateria. 


"King Size" (Wilkins) surge em seguida, também facilmente reconhecida de tanto ser tocada em rádios de jazz. A seção de metais é o destaque da faixa, tocando todos juntos ou solando ou improvisando, numa integração que só o jazz dos mestres pode proporcionar.   


"Khons Limit" (Hans Koller), gravada em Viena, tem uma formação menor, mas nem por isso menos atraente: um sax tenor (Hans Koller), uma guitarra (Attila Koller), um baixo (Oscar Pettigord) e uma bateria (Kenny Clarke). Atentem para o belo solo da guitarra. 


A oitava faixa é "All Too Soon" (de Ellington e Sigman), retomando a levada mais leve que permeia o disco, desta vez na suave clarineta de Pee Wee Russel, no tranquilo sax tenor de Coleman Hawkins e no belo trombone de Bob Brookmeyer. 


O nome da nona música define bem o que ela é: "Nashstyle Blues" (Clark Terry), um mais que sofisticado blues que ganha cores especiais no trompete de Clark Terry e nos saxes tenor de Yusef Lateef e Seldon Powell.  


Por fim, "Pound Horn" (de Coleman e Webster), outro clássico facilmente identificável, onde, claro, o trompete de Coleman e o sax tenor de Webster, os autores da faixam ganham destaque especial.  


Como se pode notar, me derramei de elogios ao disco e ele merece até mais. E, embora não tenha encontrado o disco para se ouvir na íntegra, ele está à venda por aí, nos bons sites do ramo. 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Rápida e curta, sem ser grossa

 Por Ronaldo Faria

Para o Jessé Gomes da Silva Filho (vulgo Zeca Pagodinho)

Pés no chão. Cadê as mãos? Por onde andará a fita azul de Nossa Senhora que largou do braço depois de sete dias? Está acima de mim, junto com um macaco de coco e um pedaço de cana que serve para sorver a cachaça de raiz. Aqui, sob o cheiro do maracujá com a pinga Abaína que era para o Maneco - mas eu não resisti (me perdoe). Aqui, com o início da noite batendo na brisa da cidade do interior, fica ao menos a saudade implícita na visão de um samba carioca com seu mestre de Xerém. Amém...

Sobe o morro e desce correndo, feito passeio desbragado de versos e gestos largos e prestos numa folha em branco, vendo ancas e seios. Sobe como pássaro esquálido que se debate de árvore em árvore após nuvem sobre nuvem e se deixa abater no primeiro poste torto. Desce feito chuva abrupta que molha corpos e olhos a pingar feito palavras na tela que brilha bits e bytes. Esbarra em postes e luzes estroboscópicas por cada néon que chama ao amor. E faz-se performática. Ao mesmo tempo, estática, como cenário e palco no meio do asfalto. Tudo entre bordéis e hotéis de baixa permanência. Porque o amor é isso: um ser impertinente que chega, contamina e sai para vadiar. Tudo na alta rotatividade de uma cidade que se esconde entre prédios cheios de gente e tédios pessoais.

Sobe, morre e desce menino insano e criativo. Coisa de morador do subúrbio, nascido na Zona Norte e crescido entre ruas de casas acanhadas e árvores em flor. Com direito a estátua de cães e praça para brincar nas manhãs de luzes, céu a torrar. Com clube de vermelho, porque o vermelho mete medo e impõe respeito (no futuro, chegou o preto para rimar). O que faltou então? Cadê os peitos acariciados na Central do Brasil, depois dos trilhos, com a índia de cabelos negros feito as noites de carícias íntimas e tempo fugaz? Cadê os tambores de macumba, com santos de esquina e entregas na mata, velas para Exu e batismos mil?

Sobe o morro e brinca de pipa, embica pelas esquinas tortuosas e íngremes e desce de carrinho de  rolimã pelas plagas esquecidas do passado furtivo e fugidio. Coisa de roda de samba a bambear de lá para cá e de cá para lá, entre batuques, vozes e o que mais e puder dar. Feito rodada de cerveja sobre a mesa, copos a dedilhar mãos sublimes que se entregam à alegria de estar por aqui, nesta brincadeira que é tentar, a cada dia, vencer a dor. Que o asfalto quente se misture ao cheiro de mar, brinquedos da paixão e saliva do tesão, na sensação mágica e trágica da paixão. Que o universo, aberto entre a cama e o teto, cercado de quatro paredes pintadas de branco âmbar, não termine nunca porque futuras gerações, em gestações múltiplas e ímpares, únicas, aprenderão que não podem perder a magia que é viver...
 
“Me encontrem em qualquer botequim por aí.”
(Zeca Pagodinho)

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...