terça-feira, 6 de dezembro de 2022

A inspirada música de Kha Machado

Por Edmilson Siqueira 

Conheci Kha Machado em sua casa, quando ele recebeu um amigo e cantor-compositor norte-americano, preparou um pequeno show e convidou algumas pessoas. Eu trabalhava no Correio Popular e escrevia uma coluna semanal na revista Metrópole. A maioria delas era sobre música e Kha havia sido tema de uma delas, a partir de um CD que ele gravou com apoio do Fundo de Investimento Cultura de Campinas. Era um dos melhores daquele ano, produzidos, ao todo ou em parte, com dinheiro do FICC. 

Depois disso, perdi o contato com ele, e só fui revê-lo recentemente, quando descobri que ele era proprietário de um espaço cultural em Sousas chamado Rabeca Cultural. E descobri, na internet, que Kha Machado é formado em Composição no Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp. É compositor, violonista, cantor e produtor cultural, e possui dois discos gravados: "Kha" com canções de MPB e "Além do Mar" para crianças, indicado como melhor álbum infantil de 2011 pelo Prêmio da Música Brasileira." 


Além de todo talento e do esforço pra promover cultura num país como o Brasil (e o que acontece na Rabeca Cultural toda semana são ótimos programas musicais), Kha é gente fina. Bom papo, discreto, educado. Seu primeiro disco é muito bom e levou dois anos e três estúdios para ser gravado. Mas o resultado é ótimo.  


Todas as doze faixas são de Kha Machado, sendo que em uma delas ele divide a letra com Aloísio Freitas. Ao ouvir a primeira faixa, "Sonho de Uma Noite de Verão", a impressão que se tem é que se trata de um compositor clássico apresentando uma pequena e delicada canção. Ka e Janiece Jaffe se incumbem do vocal, misturando algumas palavras em inglês, numa letra que parece ter sido escrita mais para mostrar a bela melodia. 

A segunda faixa, "Amarelinha" já entra no terreno fértil da MPB, com memórias de brincadeira da infância embrulhadas num baião sofisticado.  


"Praia da Baleia" já se envereda pela bossa nova, criando aquele clima de praia, sol, sal e o inevitável amor, em belos versos.  


A música seguinte, "Ficô de Madame", cuja letra tem a participação de Aloísio Freitas, é um samba urbano, típico do subúrbio carioca que provoca uma vontade de cantar junto. 


A quinta faixa, "Vampira" não fica devendo nada às músicas escritas para peças teatrais por grandes compositores.  


Já "Intimação Judicial" tem toda a pinta de ter sido inspirada em algum caso real vivido pelo compositor. Num samba tradicional, desses de conjuntos regionais, com violão de sete cordas e pandeiro, Kha conta a história de uma audiência para se prender ou soltar um ladrão de carro.  


"Muitas Luas" é uma caprichada serenata com direito a uma melodia de interlúdio de Fernando Barba, onde a Lua toma o papel da mulher amada para receber o canto apaixonado. 


A oitava faixa, "Eterna Servidão" é um diálogo entre uma prostituta e um cliente que se prostra diante da profissional da sedução. A voz feminina é de Sara Lopes, artista teatral de Campinas. 


"Pro Meu Lado", a nona faixa, retrata, de modo peculiar, a eterna briga entre o boêmio sambista e boêmio e a "patroa" que vive tentando controlar o marido. O tema é antigo na MPB, mas Kha Machado consegue não ficar no lugar comum, endo produzido um bom samba sobre o assunto.  


"Serpente", a décima faixa, já penetra no campo da moderna MPB, com um pouco de jazz e pop, contando uma história meio tétrica de amor. 


A penúltima faixa do disco, "Qualquer que Seja a Lua", volta ao estilo bossa nova, com acompanhamento de violinos, viola e cello, além do piano e do baixo acústico.  


Encerrando a programação, mais um samba rasgado, uma espécie de protesto contra a classe política brasileira, muito a propósito, diga-se. 


O CD está à venda nos bons sites do ramo. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Saudade do tipo Caymmi

 Por Ronaldo Faria

Saudade do tipo Caymmi, largada entre duas árvores e uma rede. Esquecida de si e dos outros, entrecortada de ladeiras e esquinas onde, em cada canto, entoa um cântico mágico e febril. Saudade zerada como o catecismo de Zéfiro a ser reescrito em sânscrito ou braile e correr dedos e bocas ocas, seios apalpados e pálpebras fechadas de sono.

Saudade amenizada, múltipla de um improvisado ofurô a furar raios do sol na sua plenitude luminosa. No meio de tudo, fuzuê de corpos e copos enlatados a desaguarem ralo para dentro. Daqui, na saudade, adentro horas vividas, praias perdidas, pimentas ardidas, goles despejados entre línguas e lânguidas tardes.

Saudade encruada, dessas que fica presa entre as presas do animal louco para lamber as feridas da amada. Como um barqueiro fumaça a ungir de negror os espaços livres dos manguezais. Nas noites de lua cheia, bebidas mexicanas pedem um pouco dos sais. Na salinidade dos corpos, o gosto apaixonado das têmporas dos amantes temporãos.

Saudade perdida em perfídias que se deixam a cada passo, mas são amenizadas pelo calor que exala da sala de estar. Nela, a vela da paixão queima quieta e letal. Do lado de fora, pessoas se perguntam para onde vão. Entre duas delas, um vão. Uma estrada de pés descalços, percalços e calçadas onde se pode sentar e bendizer a vida em olhares mil.

Saudade, por fim, sem nunca se dar fim ao infindo, mesmo que este sobreviva na finitude da vida única. Porque tal saudade vai além do horizonte dos olhos e se entreolha na cama qualquer como fosse o primeiro dia. E depois diz a si mesma: “Do teu lado, e somente do teu lado, sei que a saudade, por mais doída que seja, é a melhor coisa a se sentir nessa tal de saudade do amor”.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Sabadão

 Por Ronaldo Faria


Disco da Nação Zumbi com Chico Science a tocar. Pescoço doendo depois de uma cabeçada na piscina. Espero que não tenha afundado uma vértebra ou detonado um disco. Músculo da perna a vibrar. Cerveja Xingu com a Tia Surica no copo. Corpo relaxado depois da sauna. Um sábado até agora tranquilo... 
“Cadê Rogê?”
Olho para longe e vejo os canais do Recife. Redescubro a mistura do Capibaribe e Beberibe num só. Tudo como um mangue solitário, solidário de dar dó. Afinal, a miséria aqui, como lá, é o que não falta. Como uma boca e a afta: uma à espera da outra. Indivisíveis, invisíveis aos olhos e risíveis à natureza amarga da vida.

Ela estava lá: bela e entregue aos amores da janela. Do seu casebre vê-se, logo defronte, outro e mais outro e outro mais. Uma infinidade de casinhas coloridas e coladas, prostradas de porta a porta em tijolo sobre tijolo. E lá estava ela: limite naquilo que o ser humano já não sabe mais se é idade ou desigualdade. Cabelo longos e queimados do sol que arde no céu, sob um lumiar quase lunar. Em pele agora descobrindo sê-la, imagina o que poderá ser o sangue que escorre da vagina. De fora, ensurdecedor batuque surge como um maracatu atômico.

Lá estava ele: vaqueiro de quadrúpedes e insone senhor de cavalgadas e congadas a vestir-se de couros dourados curtidos do suor desbragado. Homem já quase velho, barbas quase brancas, mãos quase cortadas do chicote que vai e vem sobre o lombo do cavalo e ilimitados sonhos de chegada. Entre um gole e outro na cabaça curtida da vida, suor escorre pelo rosto e a poeira se impregna pelo corpo, lavado numa ou noutra poça que ainda sobra no sertão. E lá está ele: parado diante do crucifixo cravado na casa de farinha, perto de onde tantos anjinhos já viajaram a descobrir outro caminho. A rezar e chorar. Ao largo, ensurdecedor silêncio surge como maracatu atônito.

Entre ambos, a ambiguidade do sexo, a desigualdade da idade, a improvável saudade. Incerteza quase certa que tem o asceta. Insensata palavra que divide mundos e fundos, infinitos e surdos. O mundo real e o fundo do poço cavado a trazer água e lama. No meio, o devaneio de embriagar-se de arte e sentimento, alento ao vento parado, desafio de andar sobre o fio da navalha, sob aquilo que valha. Entre os dois, a dor dilacerada e desbragada que só os trôpegos na madrugada sabem a razão de ser. Como embriaguez sem razão. Quando os dois se encontrarão? Quando farão de mundos tão díspares a diáspora única e espiral? Far-se-ão homem e mulher? Terão a cama como mundo único e uniforme, disforme e lúdico, algoz e súbito? O que faz as pessoas cruzarem caminhos e ninhos? Como juntar, numa única história, dois mundos tão distantes e largados, quase afogados em si mesmos? Lá longe, um ensurdecedor lamento bovino surge como maracatu lacônico.

II

Mas foi numa chuva dessas que cobre o mundo de negror e águas limítrofes entre a vida e a morte que o mundo dos dois se juntou. Uma rês desgarrada resolve fugir quando o derradeiro trovão espocou na caatinga. E correu feito louca, solta ao seu próprio destino. Atrás dela, o vaqueiro galopando em tresloucados descaminhos. E tome galho de mata agreste e espinhosa no rosto, drible de árvore morta e carcaça de boi que desembestou a querer descobrir o que era vida além da chibata do senhor. Louca, a rês invadiu a cidade como enxurrada dos céus e assediou ruas e esquinas, carros e pedestres. Atrás dela, o homem vestido de couro e ouro. A gritar impropérios e dizer-se senhor de impérios. E corre daqui e para ali. Entre os dois, o lixo e limbo sociais. Até que num momento, desses que ninguém sabe de onde vem, o animal caiu cansado e ferido sob a janela da menina que, assustada, tudo via e nada enxergava ou entendia. No corpo da rês, a chaga da adaga. Sobre o bicho, o homem enlouquecido e esquecido da sanidade a disparar facadas e se lavar de bofes e sangue. Em volta, um caos ensurdecedor como um maracatu catatônico.

- Senhor, o senhor quer um pano para se limpar?

A mulher olha para o homem pingando gotas vermelhas de sangue bovino sob a enxurrada da noite, quase madrugada, e vê nele o príncipe das lendas sem princípio, à beira de um precipício. Que une sangues exangues e retintos na união tresloucada sobre paralelepípedos que são púlpitos do amor. No céu, uma grande chuva desagua temporais e aguaceiros. Como milagre, a dor se esvai. Agora, um ou outro que passa ao largo, sem nada entender da cena de morte, corta o derradeiro pedaço da novilha que, ainda quente do medo da morte, descansa sobre a ladeira do desterro. Na casa, o vaqueiro conclui sua viagem.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

The Mamas & The Papas

Por Edmilson Siqueira 

Quem não gosta do grupo The Mamas & The Papas que tanto sucesso fez durante pouquíssimo tempo? Pouca gente, né? pois eles eram realmente ótimos. E o pouquíssimo tempo não é apenas expressão: gravaram o primeiro disco em 1966 e o quinto e último em 1971, quando o grupo já havia se dissolvido e a gravação ocorreu apenas por exigência contratual da gravadora. 


Com exceção de Michele, a bela cantora, hoje com 78 anos, os outros - John Philips, Denny Doherty e Mass Cass - já morreram. O sucesso deles foi tanto que era a única banda a competir, nas paradas americanas, com o Beatles. e às vezes ganhar, principalmente com seus dois megassucessos "Monday Monday" e "California Dream" que tocam até hoje por aí, mais de meio século depois de lançados. 


Claro que eu tenho todos os discos deles, mas há um especial que não ganhou notoriedade, mas é muito bom também. 


Trata-se de um disco lançado em 1994, com o nome do grupo e um subtítulo - "Rare Tracks" - dentro de uma coleção da Movie Play chamada "Remember". 


Não há no disco nenhum grande sucesso - e eles gravaram muitos na pequena discografia -mas toda a qualidade dos vocais e das músicas de John Philips, o compositor do grupo estão ali. A impressão que dá em quem conhece a obra do grupo, é que essas músicas eram mais trabalhadas, sem uma preocupação em atingir os primeiros lugares nas paradas, com arranjos mais pensados e com uma sonoridade mais contida. 

Das treze faixas do disco, apenas três não são de Philips. A mais conhecida, que chegou a frequentar as paradas, mas abaixo do décimo lugar, é "Hey Girl" feita por Philips e Michele, que eram casados à época. Outro detalhe: Mama Cass já aparece em destaque na contracapa do disco, ela que era a melhor cantora do grupo e que estava conduzindo sólida carreira solo depois da separação do grupo e acabou morrendo de um ataque cardíaco (ele vivia com problemas de obesidade e tomava muitos remédios) em Londres, logo após um show.  


“For The Love Of Yvy” (Philips e Denis Doherty, o outro "papa" do grupo), "Midnight Voyage", People Like Us", “Boys And Girls Together", "Frustation", "Glad To Be Unhappy" (H. Rodgers e L. Hart), "Step Out", "John's Music Box", "California Heartquake", "A Song That Never Comes" (Cashman, Pistili, West), "Move In A Little Closer, Baby" (O'Conner e Capitanelli) e "Mississipi" são as músicas do disco. 


Para quem curtiu e curte o som limpo e bonito dos Mamas & Papas é uma ótima pedida. E o disco ainda está à venda por aí, nos bons sites do ramo, embora eu não tenha encontrado a íntegra dele nos sites de música.   

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Roubando a imagem (ou vampirando quem tem emoção)

 Por Ronaldo Faria

Sua silhueta transborda na bacia d’água refletida no luar perdido entre nuvens e a fria brisa da madrugada. Seminua, cantarola versos e prosas. Passo sobre o passo, pé entre a relva e o silvo do vento nas árvores que parecem serpentes ausentes de uma toca qualquer. É um misto de mulher e magia, volátil na plenitude de quem descobre, na solidão, sua inesquecível orgia solar. Vez ou outra, um grito. Presságios de novos versos, lamentos certos ou gemido em eco. Num canto, um cão ouve tudo submisso, como padre em sua reza sob o crucifixo fixo na parede sem viço.

Seus cabelos voam rebeldes e revoltos, volteando como se fosse a noite um vagão de trem: para e segue, solta fumaças e prossegue na escuridão de onde nem "Deus" sabe de onde vem. Seus olhos, negros, se misturam ao negror que ilumina aqui ou ali um ponto de luz, entre velas e chás madrigais. No meio de tudo, saudades e veleidades, dessas que a gente desanda a cantar com a voz embargada de choro e emoção na viola que desembesta a jogar sons e tons para o nada. Coisa de imagem roubada. Mas não é que nem imagem de santo, quietinha num altar a tudo ouvir, consternada. Ela se redescobre nos pedidos do penitente que desanda a chorar. Imagem da emoção, trazida de um desabafo sem fé. Jogada ao mundo nessa tal de “interné”.

Suas mãos luzem em unhas e gingado na mesma velocidade de quem recebe um afago. E os abraços assobiam como fossem parar depois de um soçobrado qualquer, a espera de um braço forte para salvá-la das ondas que não batiam no porto onde marinheiros perdidos em arrecifes buscavam uma única mulher ou mulher qualquer. As pernas, pausadas e pesadas no cansaço gostoso de um dia a mais, se esperneiam mágicas e múltiplas nos espelhos que escondem sob o xale cor de rosa as virtudes e as inquietudes de uma história desbragada, embriagada em si mesma. Ensimesmada de tanto ser. Passarinha na madrugada em ré.

A esmo, valsa enviesa entre pequenas árvores, uma ou outra gota de suor. Pirilampos pirilampam reluzentes, desviando do seu balé enigmático e ausente. Assim, no tanto que um assim pode ser passado, viaja para o futuro, brinca de presente. Se torna, no agora, um ser ausente, transeunte feito tanta gente. E ninguém a via entre os mil mundos proscritos num cantinho qualquer de quintal urbano, desses que a gente sonha ser nosso naco de terra última, íntima e uterina. Coisa de mulher meio menina. Coisa de violeiro entre um gole e outro. Coisa de poeta entre a glicose e a angina. Ser romântico, que deságua a rima na tina.

Dessa forma, em acordes harmônicos e sinfônicos, recortes sinceros e histriônicos, solicitudes e virtudes desiguais, ia ela a brincar de bailarina e razões irreais. E o tempo parava, sorumbático, a se perguntar por que devia passar. Afinal, poderia parar nesse momento e, a descer rio abaixo, fazer-se poesia onde tudo houvesse, menos lamento. Na verdade, quem sabe até, pudesse, terno, sentar num bar de esquina e se encharcar de bebidas, dessas que a gente chama de mé. Ouvir moda de viola e prosa penitente, indigente à vida de cada um. Coisa de cantiga de roda, pares em volta, palavreado miúdo e inacabado, achado num baú perdido no canto onde não cabe nem colher.

Mas, se toda a eternidade ainda me fosse dada, nessa terna insensatez da morte marcada, certamente não conseguiria descrever a valsa da mulher que, para uns, era meramente louca, para outros a poetisa da madrugada. Mas, no silêncio impertinente que se mistura em sons descalços na grama e soluços poucos e parcos, esparsos, o bailado vai acabando. E as damas da noite se fecham em pétalas brancas, como fossem fêmeas domadas em açoite. No mundo, os primeiros raios de sol brincam de querer raiar. Tudo para, no fim, num derradeiro alento, se dedilhar e dizer impoluto e sagaz: “Êta, que beleza poder a vida dos outros, em quadrinhas e trovas, sonetos e rosas, a felicidade deles roubar!”
 
Escrito sob a magia de um “Esbrangente”, de Roberto Côrrea, Badia Medeiros e Paulo Freire. Trio bom e cordeado em violas, com muita semente que só quem rega todo o dia pode ver nascer.




quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Vários mestres do jazz num só disco

Por Edmilson Siqueira 

"The Mainstream Masters" é o nome do CD, mais um da coleção "A Jazz Hour With", que reúne, como o nome diz, um bando de cobras que gravou com várias formações entre os anos de 1954 e 1967. A maioria das faixas foi gravada em Nova York, mas há uma gravada em Essen, outra em Viena e mais outra em Londres.  


Mas o que é "mainstream"?  No encarte do CD está uma explicação bem suscinta, feita por Skip Voogd: "Para ir direto ao assunto: Mainstream é o nome dado ao estilo de swing que se desenvolveu nos palcos de jazz dos anos 30, e também é tocado atualmente com influências dos estilos de jazz posteriores, como bebop, cool e hard bop. A base do campo incomensuravelmente amplo do mainstream é formada pela execução de esquemas de acordes de padrões ou de composições de jazz. E como isso é feito principalmente de uma maneira fácil de ouvir, o mainstream é popular entre um público de milhões." 


Pelo que se ouve nas dez faixas do discos, trata-se de jazz da melhor qualidade, com influências de vários estilos, mas todas elas aproveitadas pela genialidade dos jazzistas, tornando tudo muito agradável aos ouvidos. Parece que o jazz antigo, dos anos 1930, de que fala Voogd no encarte, baixou no espírito desses ótimos jazzistas que, já conhecendo tudo que viria depois - bebop, cool e hard pop - retiraram o melhor de cada um dos estilos para formarem seus próprios modos de tocar. 


E tudo isso torna esse CD memorável. Logo de cara, a faixa "Maud's Mood" (Benny Bailey) vai ser facilmente reconhecida, pois já se tornou prefixo de muitos programas de jazz mundo afora.  Nos solos Beny Balley (trompete), Phil Woods (sax alto e clarineta), Julius Watkins (trompa francesa), Les Span (flauta e guitarra) e Tommy Flanagan (piano). No baixo, Buddy Catlett e Art Taylor na bateria.  

Depois do frenesi da faixa inicial, um velho, bom e triste blues - "Fine and Mellow", cuja autora é ninguém menos que Billie Holiday, ocupa os próximos sete minutos do disco. Na faixa, destaque para o piano de Kenneth Kersey e o trompete de Ruby Braff. 


Ouro clássico vem a seguir: "Blues For Yesterday" (Les Carr) e, desta vez além do excelente trabalho instrumental de um time de primeira, temos a deliciosa voz de Nacy Harrow. Destaque para o sax tenor de Buddy Tate. 


"Wrap Your Troubles in Dreams" (Mohl, Khoeler e Barris) é a quarta faixa, que volta ao jazz mais tradicional, com piano (Tommy Flanagan), contrabaixo (Charles Mingus) e bateria (Jo Jones) fazendo a cozinha (e que cozinha!) para o ótimo trompete de Roy Eldrige. Há um ótimo solo de bateria também.  


Na rota dos clássicos, a quinta faixa traz o megassucesso jazzístico "All The Things You Are" (Kerne e Hammerstein) até hoje gravada por aí.  O sax tenor de Coleman Hawkins, um dos mestres de todos os tempos, é o destaque da faixa que conta ainda com ninguém menos que Bud Powell no piano, Oscar Pettiford no baixo e Kenny Clark na bateria. 


"King Size" (Wilkins) surge em seguida, também facilmente reconhecida de tanto ser tocada em rádios de jazz. A seção de metais é o destaque da faixa, tocando todos juntos ou solando ou improvisando, numa integração que só o jazz dos mestres pode proporcionar.   


"Khons Limit" (Hans Koller), gravada em Viena, tem uma formação menor, mas nem por isso menos atraente: um sax tenor (Hans Koller), uma guitarra (Attila Koller), um baixo (Oscar Pettigord) e uma bateria (Kenny Clarke). Atentem para o belo solo da guitarra. 


A oitava faixa é "All Too Soon" (de Ellington e Sigman), retomando a levada mais leve que permeia o disco, desta vez na suave clarineta de Pee Wee Russel, no tranquilo sax tenor de Coleman Hawkins e no belo trombone de Bob Brookmeyer. 


O nome da nona música define bem o que ela é: "Nashstyle Blues" (Clark Terry), um mais que sofisticado blues que ganha cores especiais no trompete de Clark Terry e nos saxes tenor de Yusef Lateef e Seldon Powell.  


Por fim, "Pound Horn" (de Coleman e Webster), outro clássico facilmente identificável, onde, claro, o trompete de Coleman e o sax tenor de Webster, os autores da faixam ganham destaque especial.  


Como se pode notar, me derramei de elogios ao disco e ele merece até mais. E, embora não tenha encontrado o disco para se ouvir na íntegra, ele está à venda por aí, nos bons sites do ramo. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...