quarta-feira, 13 de abril de 2022

A Waly Salomão 1

 Por Ronaldo Faria

Castelos, vapores, odores, dores, orações de semióticas flores. Canções e poemas a queimarem ardores e amnióticos horrores. Nas blasfêmias efêmeras, as fêmeas a se digladiarem com um ser abstrato e volátil, morto e vivo. Aos eufemismos, as migalhas do mesmo, no mimo...

terça-feira, 12 de abril de 2022

Uma dupla genial num disco único

Por Edmilson Siqueira 

Nos Estados Unidos o costume de unir dois grandes artistas num só disco é mais comum que no Brasil. Aliás, houve também uma série de discos com um artista principal e, em cada faixa, um convidado para cantar junto. Foram os famosos "duets", que envolveram Frank Sinatra, Tonny Bennett e muitos outros. O Brasil andou copiando com bons resultados.  


Como o costume nos EUA é mais antigo, pesquei nas gavetas um CD reeditado em 1988, proveniente de um LP gravado em 1961, com ninguém menos que Ray Charles e Betty Carter. O resultado do encontro desses dois artistas é um disco histórico com 12 faixas deliciosas (mais três como "plus", só com Ray Charles).  


O CD teve sua versão nacional, pela Movie Play, mas "daquele jeito". O texto em inglês reproduzido não chega ao final. Então, pelo CD não ficamos sabendo seu autor, nem se fazia parte do LP original ou foi escrito apenas para o CD. Tive que pesquisar a venda do LP no Mercado Livre e, numa foto da contracapa, descobrir que o texto está lá na gravação original, é muito mais longo do que aparece no CD e foi escrito por Sid Feller, em 1961. Descubro também que esse disco é o único com a dupla, o que o torna ainda mais precioso. 


A seleção começa Ev'ry Time We Say Goodbye, um clássico de Cole Porter. Mas não é o único clássico do jazz norte-americano que aparece no disco. Side by Side, de Harry Woods, Baby, It's Cold Outside , de Frank Loesser, For All We Know, de Lewis-Coots, Alone Togheter, de Dietz e Schwartz, são algumas das ótimas faixas que Ray e Betty transformam em pérolas musicais. 


Gravado em 13 e 14 de junho de 1961, quando ele tinha 31 anos e ela 32, o disco acaba por deixar um registro desses dois autores no auge da capacidade de interpretar uma canção. O resultado é uma união perfeita entre a voz límpida e cristalina de Betty e o som meio gutural de Ray. A essas qualidades todas, juntaram uma ótima orquestra e o The Jack Halloran Singers, fazendo um back-vocal extraordinário em várias faixas.  

No encarte, Sid Feller afirma que "resumindo, gostaria de deixar registrado que a gravação deste pacote ocupará um nicho em minha memória como uma tarefa verdadeiramente memoráveis de um trabalho prazeroso. Ambos, Ray e Betty, renderam performances inequivocamente inspiradas em cada faixa. A inspiração provou ser contagiante, espalhando-se nos músicos, nos assistentes técnicos, na equipe de engenharia - e, principalmente, em mim!" 


Com esse depoimento, acho que não preciso me alongar mais sobre as qualidades do disco. Ambos, Ray e Betty, gravaram muitos outros discos, memoráveis, também, depois desse. Mas esse é especial, não só pelo fato de ser o único da dupla, mas também pela inspiração de ambos num momento tão criativo. 


O CD está inteiro no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lQdH7dIpbftAJsWH3mBN5CYgS6dOcM2DI 


E também pode ser adquirido (inclusive o LP) nos bons sites do ramo. 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Às torquatálias que viram dálias

 Por Ronaldo Faria

Ser Torquato após um ato qualquer, de que vale? Talvez o revés de um viés inócuo em solilóquio quieto e calado. Passagem sem paragem, leve em mim, leviana a se desdobrar em barbáries e bestiais paráfrases. A levar lavras e frases inexatas, cascatas de suores e vozes viscerais intermediadas em si. Sinfonias bastardas. Versos insones que revoam corações voláteis em drones. Na topografia que a grafia desdiz, o ágrafo desejo de correr entre estradas e perigos. No suor derradeiro que se desdobra de pingos, o umbigo. Uma língua a se desmilinguir de passeios e asseios entre o amor e o signo. A quase chegar, um domingo. Na esquina pede comida carcomida o mesmo mendigo. A vestir a moda passada, um sessentão e seu índigo blues. Sob o negror da noite, rasgos de muitos azuis. Caminhando entre o passado e o presente, um ausente aprendiz a comer seus últimos neurônios. Acrônicos, tardios e cômicos, eles volatilizam o mesmo caminho. Há escaninhos e descaminhos na biblioteca que o esteta fez.

A Torquato Neto, eu - um poeta em feto. No resto que nunca romperei ao cordão umbilical e fatal. Apenas gracejos ao próximo beijo. Tardio, o descalabro entrelaçado em pele crua... 


sábado, 9 de abril de 2022

Djavaneando outra vez

Por Ronaldo Faria

E quando te perguntam porque ainda viver? Há respostas sábias, sabiás a cantarolarem palmeiras e poetas do passado a fervilharem poeiras, quiçá, como diria o profeta, rajadas inócuas de vento ou ira de tubarão.

Por isso não te perguntam mais coisas sem nexo. Não haverá um açaí sequer que tenha o gosto do teu corpo, o limiar dos teus beijos, o toque e o sorriso procrastinados a virarem poesia numa madrugada inerte sem madrigais.

No mais longínquo cordão encarnado, um pedaço de pêndulos coloridos que fazem perdurar o choro de profanas unções que nem o mais desbragado e louco bêbado farão existir numa história histriônica por ser ou ter. 

Por isso, “valei-me Deus”. Afinal, essa moça, pela sua graça, não há de fazer feliz. Só não a quero vê-la infeliz. Estradas descompensadas e distantes em décadas e caminhos, apenas são a margarida que, bisonha, não nasceu.

De um lado, a mais linda flor que alguém possa ter plantado ou suscitado um dia plantar. O que de mais lindo há ou haverá. Do outro, um descompensado ser, que segue suas esquinas sem saber sequer o que é chegar ou voltar.

Por isso, a Djavanear, numa alma mais perdida no cheiro da noite que se apregoa infinda à madrugada, vai-se a teclar (no tempo que era datilografar) para ver se, ao findar do limiar, nos descubramos outra vez a vida amar.


sexta-feira, 8 de abril de 2022

Pagode Jazz Sardinha’s Club

Por Edmilson Siqueira 


Remexendo a coleção de CDs, encontrei esse Pagode Jazz Sardinha's Club, lançado em 1990. Fazia empo que não ouvia e foi um prazer botar o disquinho pra girar e ser iluminado pelo feixe de laser que, num desses milagres da tecnologia, retira daquela superfície o som que foi gravado num estúdio e bota nas caixas no volume que a gente quiser. Parece coisa simples, mas o que tem de noites em claro de cientistas para conseguir esse feito, não é pouco, não. Entre o início dos estudos e o lançamento do primeiro CD se passaram oito anos.  


Mas, tecnologia à parte, vamos falar do disco do Sardinha's. É um grupo carioca que, assumidamente, faz samba-jazz. Como é carioca, nada a estranhar a homenagem à "sardinha", um ótimo tira-gosto que, neste escrevinhador, provoca uma saudade danada de um chope gelado num bar do Leblon.  


O disco é o segundo do grupo, que, apesar de ser mais instrumental, trata-se de um “jazz club” e só os que conhecem muito de música se atrevem a chamar o que fazem também de jazz.   


Formado por músicos dos mais competentes, a música do Sardinha’s só podia fluir como se num baile fosse e é isso que o grupo fazia (e acho que faz ainda) lá pelas bandas da Lapa, no Rio. Ali, no Rio Scenarium, bailes semanais (toda sexta-feira) para mais de mil pessoas. Os sete integrantes da banda buscaram inspiração na musicalidade da Lapa de hoje. Ou seja: eles tocam na melhor escola de músico que existe – os bailes – e na velha Lapa carioca de tantas tradições musicais, um bairro que se confunde com a própria história do que há de melhor na MPB.  Então o CD não tinha jeito de sair apenas mais ou menos. E pagode, antes de desvirtuarem o significado, era isso: uma festa com samba, bebida e comida. 

O disco apresenta, logo de cara, um samba no melhor estilo gafieira – Chave de Cadeia – e dá bem ideia do que pode o grupo.  Savana que vem depois segue o estilo e mantém a qualidade. Na terceira faixa, a presença de Zeca Pagodinho, numa das duas únicas faixas com letra (a outra é um pot-pourri com sambas de roda) é um atestado de que o pessoal está bem acompanhado. O samba que leva o nome do CD tem uma letra que foge até ao estilo de Zeca, mas é o retrato do que o Sardinha’s pretende ser: uma colcha de retalhos de influências, sem preconceito e preocupado apenas em fazer boa música. Samba Castiço, quarta música, é puro samba carioca com ares de regionalidade dados pelo solo de bandolim, mas sem perder o suingue que seu andamento proporciona. 


Uma das poucas músicas não assinadas pelos compositores do grupo – Eduardo Neves e Rodrigo Lessa – é a quinta faixa. E o Sardinha’s foi buscar em Chico Buarque não um dos seus inúmeros e excelentes sambas, mas uma de suas músicas mais emblemáticas: Joana Francesa. E o que se ouve é um momento de emoção, traduzido na delicadeza dos solos de trombone, no arranjo sutil, na suavidade da percussão. José do Egito, O Dia em que Ela Chegou, Suingue Envolvente, O Maxixe, Neném!!!, Choro Transgênico, Chorinho de Gafieira, Não Sou Mais Disso/Faixa Amarela/O Feijão de Dona Neném e Olhos D’Além Mar são as outras das 14 generosas faixas do disco. Um trabalho perfeito que merece estar na estante de quem gosta da boa MPB. 

Várias das músicas do disco estão disponíveis no YouTube e o CD ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Elis não morreu

 Por Ronaldo Faria

Um copo no balcão a pedir mais. No sorriso solto e embriagado, um fardo a seguir. O afago do tempo, feito pimentinha a cobrir pedaços de pé de porco que descem a dentro para o sempre. Um canto de cidade em seu centro onde o cantar não entoa mais. Loucos e bêbados se sobressaem nos ônibus que chegam e vão no vão que se esvai entre esgotos e torpes ébrios soltos a brincarem de cair e levantar. Um gole a mais, camiseta de proveta a nascer de uma amizade entre goles e golfadas. A lua, do alto, sem saber se é cheia ou nascente, se faz pungente e emerge para iluminar o último urinar no banheiro de todos e de ninguém.

Um copo a buscar o derradeiro gole no fole da embriaguez que se transforma em música e cantar no entardecer de descobertas e cobertas jogadas ao chão para receber os corpos dos amantes desnudos de prazer e ilusão. No chão, o frio que percorre o lugar se desfaz entre águas jogadas de esguicho e mijo. Lá fora toda cruz se perfaz de milagre a versejar poemas e fonemas sem exatidão qualquer. Um adeus logo se fará e lágrimas vão cair no porvir do sempre virá. A voar, o passado encarnado de doenças, cânceres e redescobertas. No levar ao quadrado igual, um nó desatado sem saber sequer se um dia irá de novo juntar os dois no solar.

Um copo e um pingente de espírito santo no pescoço da esteta. Em sânscrito, o embriagado poeta tece poemas como se fosse o futuro um único manto. Entre um mercado de cheiros e pesos, na lânguida e ávida saudade da volta, homens e mulheres se travestem de alegrias e mimos para voltarem para casa, onde a tristeza os espera para recebê-los incongruentes e tementes da solidão. No mesmo lugar, as mesmas desmazelas e o finito prato no fogão. Em algum ponto do planeta haverá certezas e unção. Senão, valeu apenas ter sido, como um suicídio que a gente cria e desfaz a cada novo raiar de sol a desenrolar tramas, incertezas e orgia.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

O começo

Por Edmilson Siqueira 

Quando inventaram o CD, além de tornar mais prático o bom hábito de ouvir música (embora muita gente morra de saudades dos LPs), ainda nos proporciona inúmeras outras possibilidades, como, por exemplo, a reedição de trabalhos raros que, em vinil, tornaram-se objetos de colecionadores. É o caso do primeiro trabalho de João Bosco e Aldir Blanc.  


Esquecido do grande público, esse disco, simplesmente denominado João Bosco, foi lançado em 1973 e, apesar dos bons arranjos de Luiz Eça e Rogério Duprat, do aval que lhe dá ninguém menos que Antonio Carlos Jobim num curto e brilhante texto na contracapa e, claro, da qualidade das composições da dupla João Bosco e Aldir Blanc, o disco não aconteceu como deveria.  


Mas desconfio que não deve ter acontecido não por descuido do público, mas talvez pela enorme quantidade de opções de qualidade que havia naquela época, de Elis a Tim Maia, de Chico Buarque a Caetano, de Jobim a Milton Nascimento, de MPB 4 a Rita Lee etc. e bote etc. nisso. Ou seja, João Bosco ficou meio que perdido entre tanta cobra criada.  


Hoje em dia também há muita coisa boa por aí, só que a gente raramente ouve no rádio ou vê na tevê. As boas coisas da nossa MPB estão hoje quase que restritas às rádios digitais com acesso apenas pela internet, as chamadas streaming, dedicadas a determinados ritmos como o jazz, que abraçou a bossa nova que havia influenciado e hoje é também influenciado por ela. Há uma rádio de Santos que até recomendo: Bossa Jazz Brasil (https://bossajazzbrasil.com/). É ótima. Mas há centenas, talvez milhares delas, espalhadas pelo mundo e que hoje podemos acessar, dedicadas ao jazz e que tocam bossa nova e algima MPB sempre.   


Mas nosso papo aqui é João Bosco e Aldir Blanc, talvez a dupla que mais tenha contribuído para elevar a qualidade da nossa MPB nos anos 70 e 80 do século passado, quando enfrentávamos uma espécie de entressafra. João continua por aí com grandes shows e criando continuadamente, sozinho ou com outros parceiros. Aldir, infelizmente, nos deixou, vítima da covid e do governo que atrasou a compra de vacinas. Mas, antes de partir, se juntou a muita gente boa e produziu grandes momentos musicais e literários.  


Voltando ao pioneiro disco de ambos, nele já dava para perceber que estávamos diante de um novo fenômeno da MPB. Bastava ouvir Bala com Bala, depois eternizada na voz de Elis, ou prestar atenção na profusão de soluções encontradas na Tristeza de uma Embolada que abre o disco.  


Enfim, são onze músicas, oito das quais da dupla. Em outras duas a dupla se acompanha de Paulo Emílio e Claudio Tolomei. E uma delas é de João Bosco e Paulo Emílio.  


De resto, é como escreveu nosso maestro soberano, Tom Jobim, no texto da contracapa do disco e que foi reproduzido também no CD: “Mineiro, é cedo para o cansaço da conversa a respeito da beleza e da parecença dos territórios. Há muito o que fazer e tem que ser feito”. Pelo jeito, João ouviu e cumpriu. Aliás, está cumprindo ainda. 


Quem não tem o famoso vinil nem o CD, poderá ouvir todas as músicas no YouTube, neste endereço: https://www.youtube.com/watch?v=e_dbn9N1ni4&list=PLEder9Qo5tCXkaQWt1ywPje3x0TdXjLi8 . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...