quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Uma coletânea essencial

Por Edmilson Siqueira 

A série Easy Living tem pelo menos dois discos essenciais (aliás "Essential" é outro nome da série): um de jazz e outro de bossa nova. Não conheço outros da série e não encontrei em breve pesquisa no Google. O de bossa nova eu não tenho, mas o de jazz foi - e continua sendo - um campeão de audiência no meu cd player. 


O disco ainda se refere a "Ballads", o que significa um jazz soft, contido, sem grandes arroubos de improvisos, solos de bateria, mas sim com aquele talento todo peculiar dos jazzistas de, dada a melodia, partirem para uma aventura sonora que só a sensibilidade e a destreza podem proporcionar. 


O disco está recheado de clássicos e a primeira faixa não deixa por menos: Harry Allen e seu sax tenor nos dão "Somewhere Over The Rainbow", de Harold Aleen e E. Harburg, em uma gravação de 1996, realizada no Nola Recording Studios, em Nova York. O desfile continua, desta vez no sax alto de Jesse Davis, com a deliciosa "Smoke Gets In Your Eyes" (Otto Harbach e Jerome Kern), em gravação de 1994, na mesma Nova York, só que no Clinton Recording Studios. 


A terceira faixa está nas mãos, no sopro e no talento de Chet Baker: "Round Midnight" (Charles Cootie e Bernard Hanighen) nos leva a uma viagem der 10 minutos e 16 segundos entre os meandros da famosa balada. A gravação é de 1986 , feita no Studio 44, na Holanda.  


"Autumn Leaves", outro mega sucesso por aí, com o Super Jazz Trio, formado por Tommy Flanagan ao piano, Reggie Workman no baixo e Joe Chambers na bateria, em gravação de 1980, no Power Station Studios, de Nova York.  


A quinta faixa começa com um chiado que permanece em toda música. Não é defeito, é antiguidade: trata-se de "Tears", gravada em Paris, em 1938, pela lenda do violão jazzístico, Django Reinhardt. E com ninguém menos que Stephane Grapelli no violino. A autoria da música, aliás, é dos dois. Uma gravação histórica.

 

Voltando aos tempos mais atuais, sem bem que nem tanto, pois a música seguinte foi gravada em 1962, nos estúdios da RCA em Nova York, mas já com "high quality", temos "Where Are You?" (Jimmy McHugh e Harold Adamson) no ótimo sax tenor de Sony Rollins. 


A sétima faixa é a homeanagem que Benny Golson fez ao amigo Clifford Brown ao compor "I Remember Clifford". A gravação aqui é do grupo The Jazz Networks, com destaque para Roy Hargrove ao trumpete, mesmo instrumento de Clifford.  


Outra volta ao passado, desta vez sem chiado, está em "Body and Soul" (Edward Heyman, Johnny Green, Robert Sour e Frank Eyton), numa gravação remasterizada de 1939, dos Estúdios da RCA em Nova York. Coleman Hawkins, que popularizou o sax tenor, é quem interpreta mais esse clássico do jazz.   


O passeio musical volta ao presente com "You Don't Know What Love Is (Gene DePaul e Don Raye) que nos é apresentada por uma bela performance ao piano de Kenny Drew, em uma gravação feita em Tokyo, em 1983.  


A música que dá título ao disco, "Easy Living" (Leo Robin e Ralph Rainger) chega com Paul Desmond também no sax alto, acompanhado de Jim Hall no violão, Eugene Wright no baixo e Connie Kay na bateria. A gravação é de 1964. 


O grupo The Jazz Networks reaparece na décima-primeira faixa, apresentando "My Ideal" (Newell Chase, Leo Robin e Richard Whiting), gravado em 1993, no Clinton Recording Studios, em Nova York.  


Encerrando a bela seleção, temos "In The Wee Small Hours (Bob Hilliard e David Mann) com o grande John Pizzarelli, aqui compondo seu trio com Martin Pizzarelli no baixo e Ray Kennedy ao piano. A gravação é de 1995, realizada no Nola Recording Studios, de Nova York.  


O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music, em https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mzfsiK1HuVCT147E43SQEi0_7kuDU9msE e está à venda por aí, nos bons sites do ramo. 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Noel Rosa

 Por Ronaldo Faria

Nascente num renascer diário até quando a vida der. Talvez uma réstia de luz, um amanhecer com pouco a dizer, uma traição à esbórnia que a mixórdia traz. A Noel, uma rosa depois da buzina do carro. Daqui, vou a viver entre verso e reversos para você...

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Ouro puro

Por Edmilson Siqueira 

Sábado passado, 6 de agosto, fez 16 anos que Moacir Santos nos deixou. Tinha 86 anos. Sua obra foi pouco conhecida no Brasil, fez mais sucesso nos EUA, para onde se mudou em 1967, para Los Angeles, pois fora convidado para a estreia mundial do filme "Amor no Pacífico", do qual havia sido compositor da trilha sonora. Estabeleceu moradia fixa na região de Pasadena, na Califórnia, onde viveu compondo trilhas para o cinema e ministrando aulas de música.

 

Um CD duplo, gravado em fevereiro e maço de 2001, com uma excelente produção, um encarte perfeito e um recheio de dar água na boca resgata parte da sua obra, que recebeu o título mais que perfeito de "Ouro Negro".  


Moacir, pra quem não sabe, é o maestro que ficou eternizado no Samba da Bênção, de Vinicius e Baden, naquela passagem que o Poetinha fala “A bênção maestro Moacir Santos que não és um só, és tantos, mas tantos, tantos como o meu Brasil de todos os santos, inclusive o meu São Sebastião”. 

É quase certo que a maioria dos brasileiros, mesmo os que gostam da boa MPB, só conheçam o grande maestro pela poesia do Vinicius ou pela música "Nanã", que o próprio Moacir chamou de "Coisa nº 5", ele que tinha a mania de chamar quase todas suas composições de “Coisa”.  


Os dois CDs dão uma ótima amostra do que é a música de Moacir. Tem de tudo, o que prova que não foi à toa que Vinicius disse que “não és um só, és tantos”. Mas, tão importante quanto a qualidade da música (são 28 temas) foi o time reunido para tocá-la e cantá-la. Gilberto Gil, Milton Nascimento, Joyce, João Bosco, Mariza Adnet, Ed Motta e Djavan, isso para citar apenas os que emprestaram a voz às músicas de Moacir. Segura aí o time de instrumentistas: João Donato, Mário Adnet, Zé Nogueira, Armando Marçal, Nailor Proveta, Vitor Santos, Cristóvão Bastos, Bororó e vários outros cujos talentos são mais que reconhecidos. Detalhe: Mário Adnet e Zé Nogueira refizeram as partituras da série Coisas a partir de gravações antigas, pois as originais se extraviaram quando o selo Forma foi vendido para a Polygram – coisas do Brasil.  


Para um artista que, “aos 14 anos nem sabia ao certo sua idade e nem a grafia do seu nome”, vejam só que Ruy Castro diz dele no encarte do CD: “Tom Jobim dizia que, no Brasil, é proibido aborígine sair da taba. Moacir Santos foi um dos que saíram e o Brasil fez desabar sobre ele um manto de silêncio. Pois chega de silêncio. Nanã sabe das coisas e diz que chegou a hora de o Brasil saber de Moacir, reaprender Moacir, merecer Moacir”.  


Dos 28 temas do CD, dezenove deles podem ser vistos no YouTube, num memorável DVD, produzido por Mário Adnet e gravado no Sesc Pinheiros (https://www.youtube.com/watch?v=1z_rVH_e2bc). O CD completo pode ser ouvido também no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=eOtU13KvgY8 e está à venda nos bons sites do ramo. 

sábado, 6 de agosto de 2022

Vinicius e Caymmi juntos num palco

Por Edmilson Siqueira

Foi o velho e saudoso amigo J. Toledo, e eu me lembro que era um ensolarado domingo de julho, quem me deu duas preciosidades que ele retirou de seu baú de LPs: "Vinicius/Caymmi no Zum Zum com o Quarteto em Cy e o conjunto de Oscar de Castro Neves" e "A Música de Edu Lobo por Edu Lobo e Tamba Trio", ambos da gravadora Elenco de Aloísio de Oliveira. Do segundo deverei me ocupar outro dia. Hoje, vou me dedicar a Vinicius e Caymmi.  


O LP que Jotinha me deu, lá se vão, provavelmente, mais de duas décadas, estava meio maltratado pelo manuseio em festas regadas a muito uísque e cerveja, nas velhas vitrolas dos anos 60 do século passado, mas ainda dava para ouvir e bem. É um show gravado em estúdio, como explica Aloísio na contracapa, show esse que “teve tal repercussão nos nossos meios artísticos que não podemos arriscar uma gravação ao vivo”.  


Vinicius conduz, com seu talento de embaixador, a festa no palco da boate Zum Zum no ano da graça da 1967. Começa lendo uma carta que ele escreveu, em 1964, para Tom Jobim, no dia 7 de setembro: “Você já passou, Tonzinho, uma noite de 7 de setembro, na França, num quarto de hotel sem qualquer perspectiva?” lamenta o poeta, acrescentando que, na Embaixada brasileira em Paris, estava ocorrendo a maior festa, com Baden Powell ao violão.  

Mas, amarguras de um "exílio" dourado à parte, o que vale muito mais é a música: "Bom Dia Amigo", "Berimbau", "Tem Dó de Mim", "Broto Maroto", "Minha Namorada", "Saudades da Bahia" e "...Das Rosas", (as 5 primeiras de Vinícius com Baden ou Carlos Lyra e as duas últimas de Caymmi) compõem o tal do lado A do elepê. No lado B há um pouco mais de Caymmi com "História de Pescadores", "Dia da Criação" (poema de Vinicius), "Aruanda" (Lyra e Vandré), "Adalgiza" e "Formosa" de Baden e Vinicius) e um grand finale com todos cantando. 


A produção do disco, do próprio Aloysio de Oliveira, é impecável e foi feita de modo que o show ficasse registrado num disco de estúdio tal qual foi apresentado na Zum Zum. Vinicius, à época, estava já definitivamente engajado na MPB, deixando de vez a carreira diplomática. Na década seguinte encontraria Toquinho e, com ele, uma nova safra de grandes sucessos, depois das parcerias com Tom, Baden e Lyra.  


Caymmi já era um grande nome, já ostentava cabelos brancos e o show foi uma espécie de apresentação da fina música do baiano a um público mais jovem, com o aval de Vinicius, claro. A sequência formada pela obra-prima "História de Pescadores" e pela poesia "Dia da Criação" (aquela famosa do “Porque hoje é sábado”) é um desses momentos antológicos da arte que deveriam ser tombados como patrimônio da humanidade.   


O disco todo pode ser ouvido na página do Instituto Memória Musical Brasileira: https://immub.org/album/vinicius-e-caymmi-no-zum-zum  e também no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=mg52HWjPrUE .  E ainda pode ser comprado por aí, nos bons sites do ramo. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Ao Asdrúbal Trouxe o Trombone musical

 Por Ronaldo Faria

A madrugar antes da hora, no tempo outrora onde isso era possível, dois corpos se copulam em sofreguidão. Acordam quando não há Sol e nem luz sequer se pronuncia, talvez um outdoor que brilha aos carros que passam e perpassam emoções e solidões. Como dois mundos que se juntam sabe-se lá porquê. Quem sabe apenas no quadro alternativo tem o homem e a mulher. Coisa entre o nada ser ou coisa qualquer do verbo existirá. Como uma cadela no primeiro cio que se baba e se vomita e se come por inteiro.

Quem sabe o homem a vegetar na busca de saber-se não derrotado depois tantas lutas para não destruir o espelho de antes, vai o poeta e proxeneta de si mesmo. Lá no fim do túnel certamente existirá um trem que para qualquer lugar levará. No meio de tudo, entre a realidade e o findar, um pedaço de realidade e torpor. Em louvor há de correr mil léguas para uma linha final alcançar. E se esta não houver, foda-se aquilo que vier. Entre seguir e o ser existirá um meio termo, a esmo, que far-se-á brincadeira na brejeira receita de se sobreviver.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Azeviche

Por Edmilson Siqueira 

Azeviche? Um trio de violão, percussão e contrabaixo? Pois é, há 15 anos eu recebi um disco desse grupo, formado na noite de Campinas. Não era mais o primeiro com esse nome, havia passado por algumas formações anteriores, radicais até, e parece que havia encontrado ali, no talento dos três instrumentistas, um campo fértil e de uma beleza ímpar pela frente.  


Quem frequentava a saudosa Estação Santa Fé já conhecia a turminha: o violonista Bruno Mangueira – bacharel e mestre em música pela Unicamp –, o contrabaixista Marcos Souza – autodidata e com uma longa carreira ao lado de grandes músicos – e o percussionista Magrão – também autodidata e que já andou pelo mundo com seu talento. Eles viviam tocando por lá, tanto na formação do Azeviche como compondo outras bandas, já que a casa, desde sua inauguração, mantinha música ao vivo da melhor qualidade. Aliás, muitos grupos foram formados justamente ali, para tocar na Estação e depois se aventuraram pela noite afora.  


A junção desses três resultou num som intimista e sem medo de enveredar por temas mais populares aos quais empresta o ótimo sabor de belos arranjos, renovando o prazer de se ouvir temas como "Quem Te Viu, Quem Te Vê" (Chico Buarque), ou "A Ilha de Lia, no Barco de Rosa" (Edu Lobo/Chico Buarque) ou ainda o bolerão "Contigo en la Distancia" (Cesar Pontillo de la Luz). Até o difícil Lupicínio Rodrigues de "Cadeira Vazia" (imortalizada na voz de Elis Regina) ganha espaço na seção de clássicos, bem como a eterna "As Rosa Não Falam" (Cartola). Em todas elas, e também nas outras sete faixas do CD, o que se ouve é um som límpido, suave e criativo. 

E, ciente do talento, o grupo ousou colocar ao lado de composições consagradas de grandes mestres da MPB, nada menos que quatro trabalhos próprios: três de Bruno - "Relax Song", "Porto Alegre" e "Ano Novo" – e uma de Magrão – "Rumba Viva". O resultado final não muda, as músicas são boas e mostravam que o Azeviche estava no caminho certo.  


Era, na ocasião, mais um grupo que confirmava a enorme qualidade dos músicos que viviam (e vivem) em Campinas e eternizam seu trabalho em discos que podem ser tocados em qualquer rádio que prefira acariciar os ouvidos dos ouvintes. Ele esteve na ativa de 2006 a 2008 e esse foi o único disco gravado pelo trio, o que é uma pena.  


Acho que até cabe destacar que este e outros ótimos trabalhos de artistas campineiros que circulam desde o início deste século, tiveram a essencial ajuda de um tal de Fundo de Investimentos Culturais de Campinas. Sim, um fundo da Prefeitura, do tempo em que a cultura musical da cidade ainda tinha algum valor para os dirigentes municipais.  


O CD está à venda no Mercado Livre e também disponível nas plataformas digitais. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...