quinta-feira, 23 de junho de 2022

Um jazzista e uma turma da bossa nova em 1962

 Por Edmilson Siqueira 

O disco foi gravado em 1962, na esteira do sucesso da bossa nova nos Estados Unidos, ou seja, é um dos primeiros trabalhos a unir um grande jazzista norte-americano com músicos brasileiros. O grande jazzista é ninguém menos que o saxofonista Cannonbal Adderley e se o nome não é tão conhecido assim por essas plagas, basta dizer que, quando gravou esse disco, em 1962, ele já havia tocado com grandes nomes do jazz como Miles Davis, John Coltrane, Art Blakey. Sua biografia na Wikipedia diz que ele era conhecido pelo seu suingue e pelas improvisações de sax-alto e foi uma figura central do jazz moderno, seja participando dos históricos combos de Miles Davis, seja nos grupos que ele coliderou com seu irmão, o trompetista Nat Adderley.  


Pois para realizar esse "Bossa Nova" ele se juntou a um "Bossa Rio Sextet of Rio". Claro que o nome do grupo brasileiro foi só para o disco, pois dele faziam parte grandes músicos brasileiros que tiveram carreiras solos de sucesso, por aqui ou no exterior. Ao saxofone alto de Cannonbal se juntaram Sergio Mendes ao piano, Durval Ferreira no violão, Dom Um Romano na bateria, Octavio Bailly no contrabaixo, além de participações em algumas faixas de Pedro Paulo no trompete e Paulo Moura no saxofone alto. 


Como se vê trata-se de um time dos mais respeitáveis. E o resultado que, aliás, não agradou muito à crítica norte-americana da época, foi ótimo. Ficou parecendo mais um disco brasileiro do que um trabalho de um jazzista dos EUA e, talvez por isso, críticos da terra do Tio Sam tenham entortado o nariz. Deve-se ainda levar em conta que, em 1962, a assimilação da bossa nova pelos instrumentistas norte-americanos estava engatinhando e era normal que o caminho ainda não estivesse completamente conhecido.  

Mas o disco é bom, tão bom que, lançado no ano seguinte ao da gravação, pela Riverside, ele foi relançado pela Capitol Records diversas vezes com diferentes capas e títulos. Uma gravadora norte-americana do porte da Capital Records não lançaria um disco de jazz se não soubesse de sua qualidade e possibilidades de venda. 


Enfim, a reunião do gringo com o time brasileiro resultou num disco suave, com a batida certa tanto da própria bateria quanto do violão e por intervenções criativas dos sopros e do piano de um jovem Sergio Mendes que, anos depois, conquistaria a América, chegando ao topo das paradas de sucesso com sua fórmula de misturar jazz e bossa nova. Tanto que ficou por lá até hoje, onde é um artista famoso e respeitadíssimo. 


Das dez faixas que compõem o disco, cinco são parcerias do violonista Durval Ferreira e do gaitista Maurício Einhorn:  "Cloud", "Batida Diferente", "Joyce's Samba", "Sambop" e uma versão single de "Cloud". As outras são "Minha Saudade", de João Donato, "Corcovado", de Jobim, "Groovy Samba" de Sérgio Mendes, "O Amor em Paz", de Jobim e Vinicius e um take alternativo de "Corcovado". 

O CD que tenho é importado, foi editado em 1999 e manteve, no encarte, o texto original do LP, escrito por Orrin Keepnews. Nele, Keepnews assinala que o disco “que combina unicamente o talento de uma excepcional estrela do jazz com um excitante grupo de jovens brasileiros, não é apenas a mais fascinante apresentação desta irresistível música latina conhecida como bossa nova, é também algo verdadeiramente incomum". É isso aí! 

O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music: https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_nQDQCCKc_xcLbN3uD9nlg1RrVjRUd9qH0 e também há LPs ainda à venda nos bons sites do ramo. 

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Ao Chet Baker

 Por Ronaldo Faria

Imagine você num hotel em Paris, louco além da conta: pulo ou não à vida tragicômica?

Cá estou. Curto ou não a minha dor? Solto sons ou não à cidade que me dá a luz? Quantos sopros de vida já dei. Noutros tantos, desandei. Se sou, não sei. Dessa vida, nada levarei. Mil gravações, sermões, senões, feridas em Mater Dei. Pouco importa. Loucura dá na horta? Não sei. Entre silenciosas e ociosas vésperas de nada, num trago venha a mim, me tragas. Afinal, mulher derradeira e brejeira, descoberta só após o último suspirar, deixo-te me tragar. Faz de mim teu melhor lar. Na canção insólita, sinto-me ao luar. Teu serei, me anuviarei no que ainda sobrar...

terça-feira, 21 de junho de 2022

No tempo dos Mutantes

Por Edmilson Siqueira 

Poucos jovens no Brasil, na segunda metade dos anos 1960, poderiam imaginar que, ainda naquela década, presenciariam o surgimento de um grupo que poderia competir com o som dos grupos que vinha da Europa e dos Estados Unidos. A revolução musical dos Beatles, Rolling Stones e The Who na Europa e mais Bob Dylan, Mamas and Papas, The Doors e Jimmy Hendrix nos EUA preencheram com sobras a mais exigente imaginação musical jovem e nem tão jovem assim naqueles anos.  


O Brasil também tinha sua "revolução" (não a dos milicos, claro), mas, como sempre, copiando o que vinha de fora, com o rock meio juvenil da Jovem Guarda e o Tropicalismo que era inovador nas posturas estéticas, mas aceitava e invadia todas as tendências. E, claro, não tinha um grupo ou um cantor/compositor que, a exemplo daqueles europeus e norte-americanos, estivesse iniciando um novo modelo musical.  


Foi nesse cenário que surgiram Os Mutantes e, de repente, os jovens que amavam os Beatles, os Rolling Stones, e Caetano e Gil, arregalaram olhos e ouvidos para aqueles dois rapazes e aquela moça - os irmãos Arnaldo e Sérgio Dias Baptista e Rita Lee - cantando em português, mas como se fossem de outro continente. Pronto! Também tínhamos nossos "revolucionários" do rock. 


O primeiro disco dos Mutantes foi lançado em 1968 e estourou nas paradas, mas as músicas compostas pelo grupo não foram as que mais tocaram nas rádios e sim "Panis et Circenses" (Gilberto Gil, Caetano Veloso) e "Minha Menina" (Jorge Ben). A novidade nessas músicas ficava por conta da interpretação, um vocal que contagiava e que trazia um novo som de vozes para cena musical brasileira. 

Um ano depois surge o novo disco que consolida o talento de compositores dos três. É esse segundo disco que ouço aqui em casa quando bate um banzo da minha juventude - em 1969 eu fiz 18 anos - e me lembro daqueles anos loucos, com ditadura militar comendo solta, o AI-5 recém enfiado goela abaixo do país, a censura nos sufocando e nos EUA e Europa os jovens vivendo total liberdade e revoluções nos costumes que marcariam para sempre a vida no planeta.  


O CD que tenho manteve as letras no encarte, o texto de Nelson Motta sobre a publicidade que o grupo fez para a Shell e lançou como uma das músicas e acrescentou um ótimo texto de Fábio Rodrigues que junta informações sobre o disco e conta um pouco da história daquele que foi e, sem dúvida, continua sendo, o mais importante grupo de rock do Brasil. 

Eu posso dizer que todas as músicas deste segundo disco dos Mutantes são ótimas e surpreendentes. A operística "Dom Quixote", a balada "Não Vá Se Perder Por Aí", a enigmática "Dia 36", a divertida e profética "Dois Mil E Um", o comercial da Shell "Algo Mais", a divertida "Banho de Lula", aquela mesma que Celly Campello gravou, a autobiográfica e também divertida "Rita Lee", a gostosa "Mágica", a surrealista "Qualquer Bobagem" provavelmente inspirada em Serge Gainsbourg, autor de "Je T'aime Mois Non Plus" e "Caminhante Noturno", que foi apresentada num festival e depois tocou muito no rádio.  


A maioria das músicas foi composta pelos três, mas há uma parceria importante com Tom Zé, que é “2001”. 


É um disco que, embora seja datado e represente uma tendência, tem muita qualidade musical e interpretativa desse grupo que, infelizmente, durou pouco e acabou se perdendo, como muitos talentos se perderam naqueles anos loucos.  


Dá pra ouvir inteiro no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=XyYAQHCnRu4&list=PL2R1HJ6BBn93Nb5ylNd9Q65fXzWV75sna e também pode ser comprado por aí, nos bons sites do gênero. 

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Ao Cazuza forever

 Por Ronaldo Faria


Quirelas de paixões transmutadas em suores e odores calcinados na chama do fim. Pedaço de luares vazios e diminutos, longe da luz cheia de um corpo celeste que morre ou nasce ao leste. Quem saberá? No frigir de óvulos no asfalto em salto alto, canta o solitário sabiá.

Pedaços de esperanças nas ancas que se vestem e se despem na ausência ou na anuência do amante. Canibais de si mesmos, dois corpos volatilizam num espaço inexistente e premente. Quem ouvirá? Na inexatidão do tesão, voam amores sem nunca pisar num avião.

Minúsculas vertentes de entes queridos, profícuas laqueaduras que se romperam à primeira covardia que pediu piedade. Um tanto de escuridão, outro tanto de dores que se dobram na madrugada. Daqui, arde a dor que se esmera inócua e perdida pelos inúteis cantos e cânticos.

sábado, 18 de junho de 2022

Ao Boca Livre

 Por Ronaldo Faria

Ao Boca Livre, a boca oca a desvirginar presenças e ausências, carências e insolvências de sabores e cheiros, no esmero que vive em crer que tudo poderá ser. Quase um suspiro entremeado de versos e calafrios. Canseira de se entrever no frio. Certeza de desvirginar o cio. Na boca livre, mistérios a se entreverem raros num século passado e inaudito. Fica, portanto, o dito pelo não dito, aflito e afoito, desdito. Na alma que se desgarra, em falas e falências, falácias múltiplas, o antever de um tempo qualquer ao esmero do que for ou vier, a viver...

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Johnny Hartman, um dos maiores

Por Edmilson Siqueira 

Dia desses recebi no WhatsApp uma mensagem de um amigo com um link para uma música cantada por Johnny Hartman. A música era "The Very Thought Of You". Depois de ouvi-la, embora já conhecesse, respondi ao amigo que Hartman era dos bons e que tinha um CD dele (tenho também várias músicas com ele no micro) gravado no Japão. E acrescentei algo que li não sei onde, acho que foi Ruy Castro que escreveu, que Hartman foi o único cantor com quem John Coltrane admitiu tocar... 


Pois esse disco gravado no Japão é o que estou ouvindo agora e se chama justamente "For Trane", ou seja, é dedicado ao amigo saxofonista que havia morrido cinco anos antes desta gravação e com quem Hartman havia gravado, em 1963, o disco que leva o nome dos dois. 


"For Trane" foi gravado com músicos japoneses, e, segundo informações sobre ele, foi meio difícil a conclusão, pois havia uma notória distância entre Hartman e os músicos, por isso os takes demoravam para saírem perfeitos e aprovados para o disco. Mas o que se ouve não compromete de jeito nenhum. Se houve um esforço dos músicos japoneses, tenho certeza que valeu a pena. 

Não é demais dizer que Johnny Hartman foi um dos melhores cantores de todos os tempos, embora o sucesso não tenha sido uma característica de sua carreira. Só depois de morto e após quatro músicas suas terem entrado na trilha sonora do filme "As Pontes de Madison" dirigido por Clint Eastwood, é que seus discos começaram a vender bem. Sua inclusão no "Hall of Fame" do jazz também ocorreu após sua morte, de câncer no pulmão, consequência do consumo de cigarros em grande quantidade. Ele morreu em 1983, com 60 anos.  


Quem quiser saber mais sobre a vida desse grande cantor, há um ótimo resumo nesse endereço: http://lounge.obviousmag.org/renzo_mora/2013/07/johnny-hartman-o-sinatra-de-bronze-que-nao-aconteceu.html . O resumo, aliás, é baseado em uma biografia de Johnny Hartman - “The Last Balladeer”, de Gregg Akkerman, lançado em 2012 (o livro está à venda por aí, mas não encontrei versão em português). 


No disco gravado no Japão há clássicos do jazz como "My Favorite Things", "Summertime", "On Green Dolpphin Street", "My Funny Valentine" e "Sometimes I'm Happy". E outras baladas jazzísticas que fazem do trabalho realizado no Japão um disco delicioso de ser ouvido numa noite calma, acompanhado de um bom vinho ou de um bom uísque. 


"For Trane" pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=sSkTF26PN-M&list=PL3671449A94AE09CF e também está à venda nos bons sites do ramo. 

quinta-feira, 16 de junho de 2022

David Sanborn, o gênio do sax

 Por Ronaldo Faria

Noite, o que será de ti? Tardia, ínfima, eterna, antes da quaresma, na quaresmeira que invade a esmo o fim da tarde? E chega quieta, sócia emérita do ócio, oscilando entre a lucidez e a embriaguez. Taciturna, retorna frenética e imaginária àquilo que a fez viajar entre raios de sol, luares perdidos e poemas inebriantes, distantes e fugidios. Logo, bem-vinda seja...

Timeagain, CD do David Sanborn, me levou a voltar a escrever sobre “avaliação” de discos. Sei que não sou crítico de música, mas amo a música. Na verdade, ela me fez e faz companhia quase que diariamente. À música, os músicos e todos aqueles que a amam ou a devoram sem pudores, dediquei um livro, de 553 páginas: Botecos, Madrugadas, Poesias e Afins (https://www.amazon.com.br/Botecos-madrugadas-poesia-afins-Ronaldo-ebook/dp/B01BVML6RG/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=34KDMMIMRZSE9&keywords=botecos%2C+madrugadas%2C+poesias+e+afins&qid=1655250400&s=books&sprefix=botecos+madrugadas+poesias+e+afins%2Cstripbooks%2C172&sr=1-1). Vale a pena ver e ler. E está barato. Ajude um escritor a curtir escrever e ouvir música.


Mas, feita a propaganda pessoal, vamos ao CD. David Sanborn, para quem não o conhece, vou apresentar após chupar uns dados da Wikipédia. Ele é um saxofonista norte-americano que já ganhou seis prémios Grammy, além de ser um dos campeões mundiais de vendagem no gênero instrumental, com cerca de sete milhões de cópias. Ele já acompanhou  Eric ClaptonRoger DaltreyStevie Wonder, Burt Bacharach, Paul SimonJaco Pastorius, The Brecker BrothersDavid BowieLittle FeatBob JamesJames TaylorAl JarreauGeorge BensonJoe BeckDonny HathawayElton JohnGil EvansCarly SimonLinda RonstadtBilly JoelRoger WatersSteely DanWeenThe Eagles, Michael Stanley, o grupo alemão Nena e a pop star japonesa Utada Hikaru, além do nosso Djavan, entre outros.

No seu currículo ele tem, segundo a Wikipédia, 27 discos. No seu site oficial (https://www.davidsanborn.com/) são marcados 24. Vou me ater a um CD de 1994: The Best of David Sanborn. Ao todo são 16 músicas que juntam Smooth JazzJazz-FunkContemporary Jazz por rápida uma hora e 15 minutos. Afinal, como diz o ditado popular, tudo que é bom dura pouco. Nele, há Chicago Song, The Dream, Let's Just Say Goodbye, Slam, Lesley Ann, Carly's Song, Anything You Want, A Tear for Crystal, Over and Over, It's You, Hideaway, Rain on Christmas, As We Speak, Lisa, Neither One of Us e Lotus Blossom.



A única coisa incrível e crível é que após este CD, que se propunha ser o melhor dele, vieram outros dez discos. Ou seja, veja esta obra discográfica como a antologia até 1994. Ele fez depois mais coisas e muito melhores. Aliás, David Sanborn é daqueles músicos que a gente fica a decifrar se a sua mágica não esteja em ter acompanhado tanta gente boa e abstraído, por osmose, um pouco de cada um deles. Se eu fosse você, buscaria saber mais dele. Vale a pena. 


Eu o descobri através do Pedrinho, que tinha uma loja musical na Barão de Jaguara, nos áureos tempos dos anos 80 e 90 do século passado e me apresentava sempre o que havia de bom. Diria que ele foi o meu mestre para abrir a mente ao inusitado de qualidade. Logo, se você tiver condições, segue aqui o roteiro de shows do David Sanborn para este mês em https://www.davidsanborn.com/tour. Se eu pudesse, iria. Mas com o dólar nas alturas, fico daqui curtindo os discos que tenho dele. Posso até ter bom gosto musical, mas me falta o vil capital.


Ps.: um rápido aviso – vou retomar a análise de discos e algumas escritas pessoais intercaladas. Afinal, há que se viver aquilo que se achar melhor. E a vida, creiam, é rápida e voa.

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...