quarta-feira, 17 de maio de 2023

Raridade

 Por Ronaldo Faria


Teu corpo é uma música aos meus lábios. Tua voz vive em meus alfarrábios. Como uma árvore se arvora a vencer o azul do céu. 


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Montenegrando

 Por Ronaldo Faria


Carótida exposta e posta à mesa. No mezanino, o homem ouve os barulhos da rua. Atordoado, revoa saudades e fatos. Fátuas lembranças mortas e desgarradas, tragadas pelo tempo ou pelo destino. Em desatino, a história de um pequeno menino. Um rincão no recôndito que pode ser o menor e mais escondido lugar do coração. Talvez um verso transverso e acarinhado de dedos próprios a correrem os cabelos a embranquecer. Uma lívida face a refazer esquinas e dobrar ruas retas e sem fim. No sol poente, a chuva que molha carros rápidos e pessoas que tentam se proteger na árvore mais fina da praça. Um perdão nunca dado, o filho torto a voar entre as nuvens esbranquiçadas de poeira de carvão, a entrega de duas almas para a paz. Na eterna prisão do ser, cataclismos fazem tudo revirar. Zarolha, o rapaz olha para o mar. Ao longe, vê um barco com seus degradados a jogarem remos acima e abaixo. No limite entre os raios coloridos e os ruídos de pássaros, as velas acesas ao acaso namoram o vento na maior calmaria da vida.

No sertão crispado de mortes e pequenos fetos que viraram fátuas pétalas a forrarem o solo seco, vozes vazias e cavalos magros e tordilhos se foram a trotar em dança as valas mortas. No salão, numa valsa, a bela brindava corpos e notas, ia às mesas mais tortas de copos e garrafas pesados, sentava-se com seu vestido de um azul lilás, bebia um ou dois goles, engolia palavras e frases, se esvaziava de sangue no choro escorrido dos olhos carcomidos pelo vendaval. Na cozinha, o mestre-cuca sujava de gordura o seu avental. Lá fora, entre aforismos e calçadas cheias de gente a esperar o trânsito parar, luzes chapiscavam de negror as gotas que brincavam de se atirar no chão. No todo, um ônibus, desavisado da poesia do tudo, as jogava para longe, conspurcando de realidade o quadro final. Num apartamento acima, onde se guardava a morena mais brejeira do lugar, duas mãos trançavam de ilusão e emoção a pincelada final. Da portaria, o interfone chamava o sono para acordar. A vida chamava para o tempo se fazer renascer.

sábado, 13 de maio de 2023

Mandinga

 Por Ronaldo Faria


Mandingueira feira de vozes e odes, profecias de algozes, canseira de torpes e alforjes. Na estradeira que se dá sem eira e nem beira, sobra, calcinada, a derradeira madeira. No meio de tudo, decerto haverá uma esteira para repousar o corpo cansado.

Assanhado, o poeta vira desafeto da vida e meio profeta. Esteta de si mesmo, vive a esmo no que der ou vier. E, se não der, que se vá entre vãos e qualquer lar. Afinal, para uma alma perdida não há muito a seguir para onde for ou mesmo um lugar no lagar.


quinta-feira, 11 de maio de 2023

A música de abril

 Por Ronaldo Faria


A noite se espreita lá fora à espera da madrugada que se desenrola entre canções e abóboras. A cidade ressona quieta entre um ou outro gemido, carros passando ligeiros, luzes que piscam solitárias num ou noutro lugar. No bar da esquina, os olhares e a sina. A assimétrica vertigem perdida entre o sorriso e os olhares que viajam por copos e goles. À frente do poeta, a mulher de voz e saudades perdidas. No arredor, o som do silêncio se faz apenas um pormenor. O mundo brinca de girar e se largar inerte e derradeiro.

A noite se entrega dissonante e arfante aos dois corpos. A pele, o cheiro, o gosto, os lábios unidos e vadios, a incerteza sempre certa do depois. O poeta, esteta de si mesmo, sabe que nem tudo haverá de sê-lo. Embriagado, partido em cansaços e emoções tão sonhadas e agora entregues, ele redescobre que a vida, ávida de si mesma, brinca de quadrantes que nem sempre são o que se quer. Mas, no fim de dia, diante dele, lá está ela: bem mais do que apenas uma mulher. A quem poemas não podem quantificar.

A madrugada, a brincar de querer esperar o sol voltar de uma bebedeira qualquer, traz um vento frio e esquecido entre as esquinas que descansam ao luar. Solitário, num solilóquio entre o quarto vazio e um armário, o poeta cheira seu próprio corpo para reviver o mundo dela. Se promete, criança que é, que nunca mais se lavará. Que a resguardará em cada poro e porto da paixão. No dia seguinte, que chega quente e ardente sem requinte, acaba por descumprir sua trama. Entre e a realidade e o desejo, urge o drama.

Na madrugada, porém, ficam a saudade e a realidade. Um ou outro ébrio ainda caminha em linhas tortuosas pelas esquinas que se repetem quadrantes e sinas, um casal enfim consegue se aninhar em trejeitos e esmeros, o mundo corre redondo e célere na busca de um sonho. Insone, o poeta fecha os olhos e revê o corpo nu e irreal. Afinal, pôde algum ser criar tal universo expresso em tanta beleza quase sobrenatural? Mais cansado do que o cansaço que o deixou não ser ele adormece para no dia seguinte tentar reviver...

terça-feira, 9 de maio de 2023

A rainha se foi. A rainha nunca morrerá...

 Por Ronaldo Faria


Rita mínima, ali...

26/06/2017

 Vampiro, me dá um respiro. Daqui, serei só mero suspiro. Quiçá, um gripado e escarrado espirro. 

No sorriso de não saber quem se é, vamos juntos a voar na lua cheia e na fé.


Marias do Chico, Edu Lobo e Wander Lee

 Por Ronaldo Faria


Marias da vida, Marias tantas, antevistas, revistas, revisitadas, caladas, dramáticas, atávicas, translúcidas, coloridas de mil cores, dissabores, desamores, fervores, paixões, milagres, encontros, bailes de anos novos, escadas, cansaços. Marias de arriscadas caminhadas, camas desfeitas, afetos desdobrados em vidas paralelas, favelas e ruas pequenas de cidades quase nenhumas. Quiçá quadriláteros que se formam em formas e fôrmas para formar. Alguma coisa de sei lá o quê, nos tantos acentos que esse que tem, esteja certo ou errado. Que seja somente um tempo antevisto, cheio de premonições e unções, beijos largados e ungidos de passado e presente, algo ausente de um futuro que se espera, à quimera, nem que seja num lar regado de idosos famintos de tempos atrás, desses que só cada um saberá contar e recontar, se a memória deixar. Afinal, Marias são tantas e têm tantas têmporas para se ver e beijar que perpassam e passam tantas vezes que às vezes a gente nem vê. Surgem de repente, em rompantes, em meio a luzes e vórtices que nem sabemos se são verdade ou serão, senão. E ficam e permanecem, se esvanecem de tomar contar conta do outro, sabem que são donas e doutrina, que far-se-ão tatuagem eterna. E nós, míticos e místicos amantes à busca de um colo, de um ventre, espaço entre duas pernas e beijo rasgado de saliva e suor, um coração em diapasão igual, nos entregamos lúdicos e vorazes. Sem saber do que iremos nos envolver, ver e ser. Talvez uma gota em meio a um temporal, uma pétala perdida num campo de girassóis, um planeta esquecido numa galáxia irreal, sem ar sequer para respirar o último suspirar fatal. Mas, a vida não será isso: um eterno buscar aquilo que não se sabe o que se é? À busca da madrugada que se faz tragada em lufadas nada, um resto de lucidez para o tanto de loucura que vaza da tez. Daqui, vamos, à busca da verdadeira Maria, a brincar de ser ator, dor e morbidez. A certeza da lua que virá crescer fica pra depois. Diáspora que brinca de deixar de ser. Quem sabe um universo que vira verso somente porque o reverso mente pra si...

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Ao Chico...

 Por Ronaldo Faria


Mil, novecentos e setenta e oito. Início da faculdade de Jornalismo, depois de um vestibular maluco, com diarreia salvadora nos mais de 40 graus do calor da Piedade (nome próprio para um bairro suburbano carioca e cheio de mistérios que a vida dá e deu). Ano doido, pra variar doído, do medo de não saber como enfrentar tanta matéria deletéria e as portas do anfiteatro que se abria para receber a confirmação de matrícula. Como saber driblar as matérias obrigatórias previstas? Cada nome difícil. Cada etapa maluca em dois anos gerais, com sociologia, história, direito, economia, outras coisas mais. Depois, seguir mais uns dois de coisas loucas e direcionais. Optar, viver feito festa sem fim, em dias de chumbo e medo, luta e alforria. Valeu? Valeu. Passou? Passou. Ficou? Pra sempre ficará... no campus da PUC/RJ e suas matas de mil.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Elis Regina

 Por Ronaldo Faria


Coisa agora, coisa e tal. 

Minimalismo no aforismo de algo animal.

Volta, tempo. Só por passar e pausar...

segunda-feira, 1 de maio de 2023

MIlton Nascimento

 Por Ronaldo Faria


Um sonho a dois, como Milton já cantava. Aqui, na calada noite quase madrugada, um trago e uma lufada de vento que foge da rua para dormir quieto no quadrilátero que emerge em cada nota que se denota única e final nesse dia de saudades e ambiguidades entre a dor e a felicidade. Mas haverá diferença nos dois? A coisa doída pede ou pode ser coisa doida? Saber-se-á. Makulelê, makulalá...

sábado, 29 de abril de 2023

Angela Ro Ro

 Por Ronaldo Faria

 

Para onde ir? Entre perdas, prisões, perpétuos amores, paixões desgarradas, o frenesi que a nada dá de prazer. Talvez uma espera, uma rara quimera, tudo à vera. Inverossímil, milimétrico no desajuste que a vida dá, em devaneios, permeios, pernas à espera de outras pernas abertas, na plenitude e quietude que só a solidão dá. Dádivas e devaneios mil, raros momentos de quartos escondidos onde vale um documento em plástico roto e quase rasgado. No degredo do coração, um ser degredado nos olhos da mulher. No segredo da fala que se esvai, em vala qualquer, o incêndio que na madrugada se apaga de viver.

Como rir de si? Nos sofismas dos abismos que se formam aos pés, prévias de um dia a mais, mágico e místico, prosopopeia de luares perdidos numa beira de mar, escritos proscritos de tanto permear, sorriso perdido na preamar, sol a esquecer de voltar para com o outro lado do mundo prosear. O lugar? Aquele que vaticina o corpo desgarrado da mulher e menina que corre nos pés que pisam a areia branca que voa para se juntar ao limiar que existe entre a vida e o torpor. No tropel que ouço à distância, entranhas fogem do corpo para a noite em escândalos poder fingir parar. Daqui ainda é possível fugir para o despertar.

 II

-- Tira a camiseta e o sutiã. Deixa, porém, a tiara. Vamos nos travestir de corpos nus, daqueles que sentem saudade imensa do calor, das veias que se escorrem em sangue, dos medos que nos dominam e desafinam quando estão numa cama que rebrilha em luzes estroboscópicas e disléxicas. Sejamos seda e seduções, soluços e goles, danças e lábios, carícias e corações translúcidos e lúcidos de que as horas são poucas e ocas no acaso que ocaso faz. E mais uma e outras separações chegarão. Talvez nunca haja nada mesmo além do que o degredo. Por certo, até decerto, pode nem haver ou existir um porto de chegada, daqueles que juntam dois num só e jogam em garrafas ao mar tudo que foi negado pelo destino em desatino.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Som de barzinho

 Por Ronaldo Faria


No bar um violão se espraia às vozes das mesas. Na letra, brinquedo de papel machê. Na janela, uma flor no sachê. Cheiros de madrugada tragada e ensimesmada. Num canto, o casal se acasala no quase nada que deveria ser uma sala. Não há solstício nem de inverno ou de verão. Talvez um inferno impregnado de tesão. Na cantoria vil, respirações, destratos e sermões. Nos pratos, salmões. No comer atrasado das emoções, o risco de virar salmonela.

No bar um violão vai a violar ouvidos e corações. Na música, dedos que correm as cordas. Acordados, inebriados, enlutados de tardias lembranças, os casais se engolem em lambuzadas lambidas e lambanças. Fora dali as cores de nuvens anuviadas diante do quadro se transformam em labirintos que bêbados com labirintite desmaiam. Entre potes e terras, uma flor antes morta se envermelha de todo. Dir-se-ia que ela sobreviveu para sair do lodo.

No bar um violão estremece o silêncio que dorme nas mãos e bocas entrelaçadas de ilusão. Nos acordes, odes limítrofes entre a saudade e a dor. Uma conta aqui, outra acolá, um passear de pernas e prosas nos caminhos que as mesas transformam em mar. Rebentações nos pés curvados das mesmas. Copos que desfalecem e se esvanecem em luz. No cansaço do relógio que não para, a imensa cisão entre o paraíso partido e sua derradeira cruz.

terça-feira, 25 de abril de 2023

Mangueira de pouquinho

 Por Ronaldo Faria


Mangueira, coisa minha e tardia. Vadia sem vadiagem enfim. Escola do morro e do asfalto, aquilo que é e será em si. Sou teu, o serei em ti.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Metáfora e Rita Lee

 Por Ronaldo Faria

 


-- Como eu vim parar aqui? Serei eu um anjo, o demônio ou meu próprio veneno?

O homem se pergunta e assunta sobre um ser qualquer. Se pensa morto ou à morte de uma mulher. Ser simplório a comer sopa de colher. Ao que der e vier...

-- Como eu fui chegar aqui? Serei eu uma metamorfose, uma coisa fóbica, a ilusão?

O poeta se questiona entre ser humano ou linfoma. Se descrê no invólucro que há entre o desespero e o lucro. Oculto de ser si mesmo, ensimesmado se dá...

-- Como eu nunca mais durmo? Serei eu lobisomem que acorda a cada pesadelo que a falta de zelo faz surgir?

O esteta de si mesmo eterniza a inglória fórmula da felicidade no cantar febril. Um dia, quando não houver mais dia, o sono eterno há de sentenciar sua finda sina...

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Octávio Burnier ou Tavynho Bonfá

Por Ronaldo Faria


Restos de sons sugerem uma dança inf(v)ernal, mas ainda estamos no outono. Inverno ainda há de chegar. O inferno também. Qual virá primeiro? O derradeiro, será? Nesse tocar de singular incongruência que a ciência dos homônimos dá, que vivam o músico, o ator, o lume ou o violão e os versos de quem possa brilhar. Nas peças dos nomes, que se preguem o derrocar e o eterno criar.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Nos ares de Nelson Ayres

 Por Ronaldo Faria

 

A vida se esvai na urina de um banheiro de bar. No autoflagelo das noites que se madrugam enternecidas e entorpecidas, num tanto de saideira, outros tantos de saudade, mais um pouco de inverdade, maldade dos neurônios que se fazem e perfazem em simbióticas sinapses neuróticas. Sob a ótica do meio vazio e meio cheio, o recheio de piano a untar e juntar as bolhas do copo a borbulhar. No olhar da urna que guarda a vida, o vento do ventilador que ventila a dor. O quadro dependurado, azulejo azulejado e impresso, a pressa do impreciso até quando. Afinal, tudo na vida é mero desmando. Talvez um xote, um baião ou um xaxado. Achado, quiçá. Hoje nesse mundo, quisera estar na Ilha de Itamaracá. A ver Lia, esteja ela onde estará. E nos acordes de um mundo de cifras e notas denotar que existe e sempre existirá um novo lugar, um lagar, um largar. Na largura da métrica da semínima ou da coisa mínima, a semiótica que há muito a ótica esqueceu. No lavradio de uma serra que escapou da sanha da serra eletrificada, a espera da esporádica e errática poesia que surge do nada. Que faz de um aprendiz de poeta que pouco leu e sabe apenas um misto de alguma coisa um algo a se decifrar. De onde virá? Quem, na verdade, escreverá? De onde surgem palavras, métricas, rimas, rumos e falar? Como um engodo ambulante pode saber se expressar?

Mas a vida se esvai na urina de um banheiro de bar. Vaticina gotas e jatos no jorrar de lembranças, anchas e achadas sabe-se de onde lá. Liquefaz em cor de ouro o tesouro que cada um tem e traz. Transfixa o olhar inebriado da fila vencida, da porta que se abre para o universo de gotículas esparramadas no chão, histórias sem começo e fim, senão. Quem sabe um réquiem àquilo que termina, uma ode à esperança que germina, uma valsa para qualquer coisa que se acredita seja a próxima sina. Talvez novo amor, trocar de carícias e camas desfraldadas de fadas e fatos incertos e certos no limiar de do calor que só dois corpos entrelaçados sabem compor. E nova história será criada, nova lembrança será gerada, nova orgia escancarada. Para cada uma, a múltipla magia de acreditar que depois da noite vem o dia. Senão, a insensata crença de que o novo será novo de novo, como a galinha pensa a por o seu ovo. Mesmo que ele, choco, não gere a vida em colostro. Mas, de onde virão as ideias, as prosopopeias (seja lá o que elas queiram ser), as efemérides que dormem n’algum lugar e, de repente, surgem para se fazer par? Mistério etéreo e que naufraga no nosso mais íntimo e ínfimo mar, um dia, qualquer um desses que ainda teimamos percorrer e vivenciar, nos dê uma mera e simétrica resposta, nem que seja póstuma, só por dar ou, ao menos, tentar nos enganar.

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...