sábado, 30 de julho de 2022

Entre Arnaldo Antunes e Freud

 Por Ronaldo Faria


Haja chapéu para tão pouco véu ou fel. Quem sabe um istmo inexistente entre o continente e o mar de Trafalgar. Um espaço escasso de tempos atrás. Um desejo que, ensejo, seja real. Metade ser humano e outro pouco animal. Afinal, somos isso. E Freud já o resolveu em escritos soltos e bonanças. E Arnaldo Antunes o cantou. No pouco afoito e imberbe, salve-se a verve. Ainda bem que os meus poetas do além etéreo me deixam mijar.


sexta-feira, 29 de julho de 2022

O samba nosso de Maria Rita

Por Edmilson Siqueira 

Maria Rita continua fazendo muito bem o que sabe: cantando excelentes músicas do seu jeito que lembra a mãe, a eterna Elis, mas o que não a impediu de construir carreira própria, baseada na escolha de um ótimo repertório, de grandes músicos na cozinha e de produções sérias que aliam o bom gosto e a criatividade. Assim é um de seus trabalhos que não canso de ouvir até hoje: Samba Meu, uma deliciosa seleção de sambas que nos é oferecida por uma grande intérprete que foi buscá-la na raiz do que a MPB tem de mais autenticamente urbano. O samba carioca, que veio do morro (no tempo em que o morro não tinha toque de recolher comandado por traficantes) e ainda guarda todas as características que o consagraram, como a letra fácil sem ser comum e o swing inconfundível da batida na qual se baseou João Gilberto para ajudar a inventar a bossa nova.  


Maria Rita desfila no CD com 14 sambas dos mais preciosos, onde pontifica a participação de Arlindo Cruz, um dos mais criativos sambistas cariocas. Mas tem muito mais gente boa na parada e sambas surpreendentes. É o caso da abertura do disco. Acompanhada só de violão, ela canta "Samba Meu" (Rodrigo Bittencourt), nome do CD e também de um samba meio manifesto, porém intimista e que apresenta perfeitamente o que vem a seguir.  

E a seguir vem "O Homem Falou", um sucesso de Gonzaguinha de sua melhor fase. A música seguinte – "Maltratar Não É Direito" (Arlindo Cruz e Franco) – é daqueles sambas feitos por homem com letra no feminino que só bambas conseguem realizar.


Seguem "Num Corpo Só" (Arlindo Cruz e Picolé) e a deliciosa "Cria" (Serginho Meriti e César Belieny), que começa com uma voz de criança, mas não entra na possível breguice: trata-se de um ótimo samba enaltecendo as relações iniciais entre a mãe e sua cria, tratada com humor e inspiração e que acaba se transformando numa das melhores faixas do disco, o que não é pouco dada a excelência do repertório.


"Tá Perdoado" (Franco e Arlindo Cruz), "Pra Declarar Minha Saudade" (Jr. Dom e Arlindo Cruz), "O que É o Amor" (Arlindo Cruz, Maurição e Fred Camacho), "Trajetória" (Arlindo Cruz, Serginho Meriti e Franco), "Mente ao Meu Coração" (F. Malfitano), "Novo Amor" (Edu Krieger); "Maria do Socorro" (Edu Krieger), "Corpitcho" (Ronaldo Barcelos e Picolé) e "Cãs de Noca" (Serginho Meriti, Nei Jota Carlos e Elson do Pagode) completam o disco sem perder a qualidade inicial.


Quem gosta de samba não vai parar de ouvir e quem prefere um repertório mais eclético vai acabar se encantando com as interpretações da moça nesse disco mais que perfeito.  


O CD está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music: https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_mCinpJ7cufhxdyHjYq8PHjx94Jy6LOHkk 

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Dick e Copa

 Por Ronaldo Faria

Farsas que não sobrevivem à voz de Dick Farney. Falsetes de tons que Copacabana nunca verá.  Quem sabe um andar a ouvir bolivianos a tocar nas suas pedras que misturam ondas a chegar e vagar. No meio de tudo, um pai no fim da vida a tentar o teu Rio de nascença te mostrar. Ou então uma voz a dizer que o seu mundo estava a se desfazer em areias que se esvaem entre dedos a dedilhar um poema qualquer. Mas, para quem não sabe sequer a que veio nesse veio sem fim, ai de mim... Em Copacabana, sem drama, a ti como tu, mais ninguém.


quarta-feira, 27 de julho de 2022

João Bosco e seu filho num disco único

Por Edmilson Siqueira 

Já escrevi aqui sobre o grande João Bosco, um compositor e cantor que já marcou definitivamente seu nome na história da MPB e, provavelmente, escreverei outra vezes mais. Hoje, vou comentar um trabalho dele que é, sobretudo caseiro. E, nem por isso, obviamente, perde a qualidade que ele sempre colocou em toda sua obra.  


É caseiro porque as treze faixas do CD são de autoria de João Bosco e de seu filho, Francisco Bosco. Estou falando de "As Mil e Uma Aldeias", nome que também é da primeira faixa do disco. 


À época, João Bosco disse que se tratava de um disco muito pessoal. Seu filho, então com 21 anos, já tinha dois livros lançados e se lançou como letrista do pai. Disse ele, em uma entrevista à Folha, em 1997, ano do lançamento do disco que se tratava de sua "melhor performance literária", reconhecendo sentir uma certa insegurança em ocupar um lugar que já havia sido de gente como Aldir Blanc, com quem João Bosco não trabalhava há dez anos. 

O disco é uma viagem musical, como diz não só o título, mas também a primeira faixa, que fala em Madagascar, Ceará, Jequié, Nazaré, Cafarnaum, Jericó e Bagdá. A influência da cultura árabe, perceptível em toda obra (João é descendente de libaneses), não é negada, mas também não é preponderante: "É um disco de música brasileira. Meu trabalho não é étnico. São fusões, não sobreposições". E reafirma que o que ele mostra pode vir de outros lugares, mas está dentro do Brasil.     


Mas a música de João, de raízes brasileiras, sempre, é universal. Sem qualquer preconceito, João faz boleros, rocks, tangos e qualquer outro ritmo, tudo sempre de uma qualidade ímpar para encanto de seus milhões de fãs no Brasil e no exterior. 


Após "Mil e Um Aldeias", os temas vão desfilando como uma verdadeira viagem num balão que voasse pelo mundo. "Califado de Quimeras", "Convocação" (com um berimbau na seção rítmica), "Arpoadora" (de influência jobiniana), "Das Marés", "Cora, Minha Viola", "Enquanto Espero", "O Medo", "O Sacrifício", "Prisma Noir", "Me Leva", "Jazidas" e "Benguelô/Metamorfoses" compõem o painel que João e Francisco Bosco nos ofereceram há 25 anos e que continua atual e muito bom de ouvir.  


Mas se o disco é "familiar", não quer dizer que João Bosco entrou sozinho no estúdio. Ele se cercou de um ótimo time de músicos, como Nico Assunção (baixo), Ricardo Silveira (guitarra e violão de aço), Carlos Bala (bateria), Hugo Fattoruso (Teclados), Marçal e Robertinho Silva (percussão), André Gomes (cítara), Marcio Montarroyos (flugel horn, Ramiro Mussoto (berimbau e percussão) e Paulo Moura (clarineta).  

O resultado da união "familiar" e de tanta gente boa só podia ser ótimo.  


O CD está à venda nos bons sites do ramo e pode também ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=tmZIACsKZRU&list=OLAK5uy_m1rlLOgOKCzj0rKauqiGucHn-cW5JRYKY . 

terça-feira, 26 de julho de 2022

Ao Júlio Reis

 Por Ronaldo Faria

Viver de amor, em flor. A si mesmo florescer. Talvez um pouco nada ou um nada de ninguém. Um pedacinho de qualquer coisa, partícula naquilo que for. Cadência de diminuta existência, fagulha no universo do louvor. Brincadeira atemporal no temporal que não veio, veio incrustado de busca à espera daquilo que somente urge ao mundo que não se faz. Afinal, ao mundo a realidade quiçá se refaz. Quem sabe uma alegria efêmera, uma incerteza ao mundo profunda, a inefável sofrência de sê-lo. Em desmazelo, me jogo ao nada. Na cadência do universo, o atropelo... Nas notas de um tempo atrás, uma valsa à serenata.

segunda-feira, 25 de julho de 2022

A boa trilha do Trem Misterioso

Por Edmilson Siqueira 

Um filme de 1989 reuniu, na sua trilha sonora, um respeitável time de roqueiros, baladeiros e blues-men que até hoje ainda são ouvidos por aí. O filme se chama Mystery Train e é uma antologia de comédia-drama escrita e dirigida por Jim Jarmusch e ambientada em Memphis, Tennessee. O filme é composto de três histórias envolvendo protagonistas estrangeiros, que se desenrolam ao longo da mesma noite. 


Mas o que nos interessa aqui é a trilha que abre com um sucesso de Elvis Presley de 1955, e que deu nome ao filme. Elvis gravou "Mystery Train" em 1955 e a canção voltou anos depois com algumas mudanças e acabou abrindo a trilha do filme e lhe dando o nome. 


A segunda faixa do disco também é Mystery Train, só que na versão de Júnior Parker, que é seu autor e a gravou em 1953. A versão de Elvis melhor, mas essa se apega mais às raízes da country music. 


O clássico "Blue Moon" (Rodgers e Hart), uma música gravada por roqueiros e jazzistas, aparece na terceira faixa, na versão de Elvis Presley, que colocou nela todo romantismo possível.


O grande Otis Redding dá um brilho especial à trilha, comparecendo com "Pain in My Heart" (Naomi Neville), com ótima interpretação desse que foi um de seus maiores sucessos em sua curta carreira, que acabou aos 29 anos um acidente de avião.  


Outro grande, Roy Orbison, aparece com "Domino" (Samuel Phillips). Trata-se de rock e dos bons. "The Memphis Train" (Mike Rice, Rufus Thomas e Willie Sparks) vem a seguir na voz de Rufus. Outro rock no melhor estilo americano, aliás, uma das melhores gravações do disco. 


"Get Your Money Where You Spend Your Time" (Tommy Tate e James Palmer) é a sétima faixa, na interpretação da Bobby Blue Band, uma soul music da pesada, onde os metais se sobressaem.  O clima continua na faixa seguinte, "Soul Finger", uma música com nada menos que seis autores. É a primeira só instrumental do disco. 


A "segunda parte" do disco (as aspas são porque da nona música em diante deve ser o lado B do disco de vinil) é toda composta por John Lurie e tocada por ele próprio na guitarra e na gaita, por Marc Ribot na guitarra e no banjo), por Tony Garnier no baixo e por Douglas Bowne na bateria. Trata-se da chamada música incidental que deve acompanhar os personagens nas diferentes cenas do filme. São oito trilhas instrumentais que podem ser ouvidas com atenção ou não, O grande filé do disco são as oito primeiras faixas com grandes intérpretes e ótimas músicas. 

O disco pode ser ouvido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=E971qc92J1I&list=PLXdA5lMqFnPEOTRKxSLCL7XaOQivGAAkG . E ainda pode ser comprado por aí nos bons sites do ramo. 

sábado, 23 de julho de 2022

Ellis Marsalis e seu coração de ouro

Por Edmilson Siqueira 

A gravação que vou comentar hoje foi feita entre os meses de fevereiro e junho de 1991 e foi dedicada a uma porção de gente, filhos amigos e parentes do artista e também a todos do presente, do passado e do futuro na América que tocarem a mais profunda e original música: jazz.  


Essa dedicatória é de Ellis Marsalis (1934 - 2000) que não só foi um excelente pianista de jazz, como teve filhos que se tão grandes como o pai na arte que o velho endeusava. Wynton, Bradford, Ellis Marsalis III são alguns deles. 


O disco, que se chama "Heart of Gold" é dessas pérolas do jazz mais que tradicional, com piano, bateria e contrabaixo. Na maioria das faixas, o baixo é de Ray Brown e a bateria está com Billy Higgins, mas Reginald Veal (baixo), Herlin Riley (bateria) e Jason Marsalis (bateria- e mais um da família) tocam em algumas faixas.  

O CD que tenho é muito bem produzido, com um encarte com um longo texto de Lolis Eric Elie contando um pouco da trajetória do músico e também comentando as excelentes gravações que nos trazem alguns clássicos do jazz norte-americano.  


A primeira faixa é "Have You Mett Miss Jones?" (R. Rodgers e L. Hart), que já demonstra o domínio total do instrumento e do gênero tanto do piano de Ellis quanto da bateria de Billy Higgins e do baixo de Ray Brown, com ótimas participações. A segunda é "Never Let Me Go" (J. Livington e R. Evans), uma balada lenta que pode aquecer qualquer encontro a dois. A terceira faixa é a primeira de autoria do próprio Marsallis - "Chapter 2" - e segue a linha da anterior. Ela antecede o primeiro clássico do disco: "This Can't Be Love", também da dupla L. Hart e R. Rodgers.  


"Spring Can Really Hang You Up the Most" (F. Landersman e T. Wolf) a quinta faixa é um solo de piano. A seguir, o swing toma conta do disco novamente com "Swingin At The Haven" de Marsallis. "Dr. Jazz" deve ter dado orgulho ao pai ao tocar, pois é de seus filhos W. Marsallis e de J. Oliver.  


A nona faixa volta aos clássicos do jazz: "Do You Know What It Means To Miss New Orleans" (L. Alter e E. Delange), seguida de mais um dos standards: "I Can't Give You Anything But Love" (D. Fields e J. McHugh). Em seguida vem outra música com um balanço de fazer inveja à bossa nova:  "Surrey With The Fring On Top" (R. Rodgers e O. Hammerstein II)   


Num disco com tantas coisas boas, não poderia faltar Cole Porte. E a obra do grande compositor é representada com "Love For Sale", numa interpretação correta e inspirada. 

O jazz com raízes mais profundas comparece na décima faixa: "Sweet Georgia Brown", a música gravada por dez entre dez grandes intérpretes do jazz. Composta em 1925 por B. Bernie, K, Casey e M. Pinkard, a música atravessou o século passado como referência de qualidade. Ellis Marsallis mantém a tradição com uma gravação que não fica devendo nada às melhores.  

"El Ray Blues" (E. Marsallis e R. Brown) e "A Nightingale Sang In Berkeley Square fecham esse ótimo disco do pai de, talvez, a mais famosa família jazzística dos Estados Unidos. 


O CD pode ser ouvido na íntegra em https://www.youtube.com/watch?v=hEk6OC_yQiU&list=OLAK5uy_nGelIk1A6Cgxt8jxnmX_IDPEy_8kQAv1M e ainda pode ser comprado nos bons sites do ramo.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...