segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Um brinde que valeu!

Por Edmilson Siqueira 

Uma vez, há um bom tempo, movido pelo entusiasmo, comprei um CD da Diana Krall direto do site dela. Só depois percebi que o preço do frete - do Canadá até minha casa! - superava o preço que havia pago no CD. E em dólares. O CD comprado se mostrou à altura da grande cantora, pianista e compositora, mas no pacote que abri havia um brinde. E esse brinde praticamente compensou o preço elevado que paguei. 


O brinde era mais um CD, distribuído pela Verve e produzido pela Desert Land Discs. Só uma capinha fina, de papelão, mas nele há 10 músicas cantadas por 12 artistas que podem ser considerados quase um Olimpo do jazz. Só grandes artistas cantando e tocando grandes clássicos do jazz.  


Logo de cara, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong cantam "Check to Check", de um dos LPs que ambos gravaram juntos e que entraram para a história da música norte-americana. A seguir, a grande Dinah Washington com "I Remember You". Count Basie, uma das três melhores orquestras de jazz dos anos 1940 e 50, toca "Corner Pocket". 

Outra dupla, esse legendária, aparece na quarta faixa. John Coltrane e Johnny Hartman, tocando e cantando uma faixa do LP que gravaram juntos só com baladas românticas. "You Are Too Beautiful" foi a faixa selecionada.  


A eterna Billie Holiday não poderia faltar. E ele comparece com "I Must Have That Man!", do clássico disco Lady Sing The Blues". John Coltrane volta, agora só com sua maestria no sax, para interpretar "Acknowledgement".  


A primeira participação de um brasileiro surge na faixa seguinte. Do Disco Stan Getz/João Gilberto, gravado pela Verve Music, foi extraído o sucesso mundial "Só Danço Samba".  


Sarah Vaughan preenche a oitava faixa do CD, com You're Not The Kind", sucesso dela nos EUA e em boa parte do mundo. 


O segundo brasileiro a aparecer no disco não poderia ser outro a não ser nosso maestro soberano, Tom Jobim. Ele toca "Once I Loved", título em em inglês para "Amor Em Paz".  


E pra encerrar a fina seleção, temos a volta de Ella Fitzgerald com o clássico "The Lady Is A Tramp". 


Como se vê, o "disquinho" que veio de brinde é coisa de gente grande. Ele está à venda em https://www.discogs.com/master/623051-Various-Desert-Island-Discs-Music-You-Gotta-Have  (é importado e tem uma faixa a mais "But Not For Me", com Diana Krall) e, infelizmente, não o encontrei à disposição no YouTube para ser ouvido. 

sábado, 1 de outubro de 2022

O fabuloso Time Out

Por Edmilson Siqueira 

Em 1959, o quarteto de Dave Brubeck lançou um disco que se tonou legendário: "Time Out". Eu poderia escrever muita coisa sobre esse disco pois tenho dois CDS dele: um é cópia fiel do LP original e outro, uma edição comemorativa dos 50 anos do disco, lançado, obviamente, em 2009. Essa é de luxo, vem numa caixinha com dois CDs e um DVD, além de um encarte do 24 páginas, com lindas fotos da gravação e um longo texto especial para a edição, assinado por Ted Gioia que, além de músico é também escritor, tem livros sobre jazz e é fundador do site www.jazz.com. 


Mas, sobre esse disco especial, reproduzo aqui o artigo de Graham l. Flanagan, também escrito em 2009 e publicado no site All About Jazz (https://www.allaboutjazz.com/). Ele diz tudo.

"O ano de 1959 poderia facilmente ficar marcado como um dos anos mais importantes da história do jazz gravado. Além de "Kind of Blue" (Columbia), de Miles Davis, foi lançado o inovador LP "Time Out", do Dave Brubeck Quartet. A Columbia Records teve a arriscada decisão de lançar na terceira faixa do álbum, a música-título escrita por Paul Desmond, como um single e se tornou o primeiro single de jazz a vender um milhão de cópias. 


Apesar do fato de que "Take Five" pode ser uma das três principais gravações de jazz mais reconhecidas de todos os tempos, a história do álbum mostra que ele quase nem foi lançado. De acordo com Brubeck (em uma entrevista incluída no DVD bônus), a Time Out deixou os executivos da Columbia extremamente céticos em três pontos principais. Primeiro, Brubeck queria apresentar nada mais do que uma pintura abstrata na capa.


Em segundo lugar, os executivos temiam que as marcações de tempo inovadoras e não convencionais do álbum não se sustentassem nos salões de dança. Terceiro, todas as músicas eram originais, o que significava que padrões como "Stardust" ou "Body and Soul" não preencheriam as obras mais desconhecidas. Felizmente, o presidente da empresa, Goddard Lieberson, acreditou na visão de Brubeck, resultando no que permanece hoje como uma das obras-primas indiscutíveis da música. 

O DVD que o acompanha inclui uma entrevista de 30 minutos realizada em 2003 com um animado e reflexivo Brubeck onde ele discute em detalhes a origem do álbum, bem como a origem de cada faixa individual. O DVD também apresenta uma "aula de piano" interativa e multi-ângulo, onde o espectador pode alternar entre quatro ângulos de câmera diferentes que simultaneamente filmam Brubeck realizando uma versão solo de "Three to Get Ready". 

Mas a jóia da coroa desta edição, no entanto, é o disco bônus com o mesmo quarteto da Time Out em várias apresentações no Newport Jazz Festival em 1961, 63 e 64. É difícil descrever a emoção de ouvir este conjunto clássico tocando no seu melhor e para um público cujo entusiasmo é igual ao dos artistas no palco. Os destaques incluem a assombrosa e noir "Koto Song", bem como o magnífico trabalho solo de Brubeck em "Pennies From Heaven".  


O disco, tanto a versão simples como a edição de luxo ainda estão à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido também no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=_1d-Axi4mhY 

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Para a Verônica Sabino, outra vez

 Por Ronaldo Faria

Escuridão à voz de Verônica Sabino parece um canto de acordar de um sabiá.

Não há muito mais a seguir pelo asfalto que esfria depois da quentura da tarde perdida e final. Mas o homem vai com um pé depois do outro a cruzar o que estiver pela frente. À fronte, um universo que se redime e se encontra num verso. Prosaico, o mundo se entrega às colchas e retalhos de uma cama onde dois corpos se refastelam em toques e ósculos. De óculos, o bêbado da cena enseja perder-se do depois. Do alto do prédio, uma mulher canta bossa-nova. A tristeza? À essa, uma ova! Nas reentrâncias do mar, entre uma onda dispersa e a pressa que para de correr, o barulho é só marulho, desses que o Rio de Janeiro traz aos ouvidos do mais insensato desejo brejeiro. Afinal, se não há mais nada a varar pelo infausto asfalto, que a vida morra à toa. Por aqui, no interregno da ilusão, um barquinho desmaia a deslizar...

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Os baladeiros

Por Edmilson Siqueira 

Muito antes que a palavra "balada" tivesse a conotação que tem hoje em português, ela foi usada (e ainda é) para definir um tipo de música dentro do universo do jazz. É aquela música mais lenta, geralmente com letra e que praticamente todos os grandes nomes, do jazz ou não, da música norte-americana gravaram. E, claro, tem gigantescos sucessos entre elas. 


E, tanto assim é, que uma série dedicada aos grandes artistas da música dos EUA, patrocinada pela GRP Records e distribuída pela Verve, produziu um disco chamado "Balladeers", com a fina flor dos cantores de jazz dentro da coleção "The Gold Score Séries". 


E abrindo os trabalhos, o maior jazzista de todos os tempos, Louis Armstrong. Ele canta "When It's Sleepy Time Down South" (Leon Rene, Otis Rene e Clarence Muse) com a grande categoria de sempre. E depois volta, na última faixa, com "The Lucky Old Sun" (Beasley Smith e Haven Gillespie).  


Nat King Cole, um dos maiores cantores não só de baladas, mas de tudo que se propôs a cantar, também nos oferece, na coletânea, dois de seus grandes sucessos. Primeiro, na segunda faixa, "This Will Make You Laugh" (Irene Higginbothan) e depois, na nona faixa, a deliciosa "Sweet Lorraine" (Cliff Burwell e Mitchel Parish). 

Na terceira faixa, Arthur Prysock canta "Don't Sleep a Wink Last Night (Roy Lee, Howard Biggs e Joe Thomas), um blues sensacional do qual o vozeirão do cantor se incumbe com grande competência.  


Na quarta e oitava faixas, quem canta as baladas é Al Hibbler. Primeiro "After The Lights Go Down (Alan White, Leroy Lovelt  Phil Belmonte) e, depois, 'Unchaimed Melody (Alex North e Hy Zaref).  


O grande Sammy Davis, Jr. também nos presenteia aqui com duas músicas de seu imenso - e ótimo - repertório. Na quinta faixa ele canta "Something's Gotta Give" (Johnny Mercer) e na décima faixa nos traz ""Hey There" (Richard Adler e Jerry Ross).  

A sexta e a décima-terceira faixa estão a cargo de Mel Tormé, considerado, simplesmente, um dos cantores mais completos de todos os tempos. Ele canta "That Old Black Magic" (Johnny Mercer e Harold Harlen) e September Song (Maxwell Anderson e Hurt Weill).  


Johnny Hartman, o único cantor que Charlie Parker consentia acompanhar, também aparece em duas faixas. A sétima - "Lush Life" (Billy Strayhorn) e a décima-segunda, "In The Wee Small Hours Of The Morning" (Bob Hillard e David Mann). 

Jimmy Rushing, um dos poucos que canta apenas uma faixa, aparece com "Sent For You Yesterday" (Eddie Durhan e James Russhing) com um fino detalhe: ele tem como companhia a orquestra de Count Basie.  


Trata-se, como se vê, de fina seleção de cantores e de músicas. Encontrei o CD ainda à venda em alguns sites, mas não o encontrei no YouTube ou outros sites de música. 

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

No estertor da orquestra

 Por Ronaldo Faria

Melancolia antropofágica em cacófago. Sem saber se é ou se será. Comiserada de si mesma. Envolta em tragédias, falácias e palavras que ninguém entende ou lê. Como um carro que roda sem relê. Falácias entremeadas de sílabas e notas, todas dissonantes e caladas. Calcinadas de si mesmas. Benfazejas e encruadas dentro do peito. Como sonetos ou sonatas. Sob a batuta do maestro que rege o ensejo diverso. Ao autor, resta o verso. Um relembrar de mãos juntas e untadas de viver. Tristezas assassinadas pelo prazer. Pés que subiam o cadafalso como fossem à igreja rezar. À que Deus? Esse nem precisava estar. Quietos e senhores de si, em todos, desnudos e rotos, bastavam calar. Línguas em perfídias, passagens de mudar de lugar. Aos desejos, o largar. Um lagar infinitamente só. De fundo, um piano transforma suas teclas em valsas diversas. Há corpos que se transmutam corpóreos para o infinito tão perto do fim que parecem anjos ou querubins. Nas vestes, cetins que se jogam ao chão desnudos do que se for, por fim. Centelhas de mil azuis a cantarolarem a despedida finita e crível em cruz. No sorriso final, a certeza de que existe o mal. De bom, o bem que vai e volta, traz luxúria e revolta, se aconchega de bem-querer. No frio da certeza, a madrugada em açoite. A incerteza certa de que o amor nunca há de morrer. Na nota que vence os ouvidos trôpegos e torpes, a rítmica e sombria realidade da noite. Os carros que se arrastam sem saber aonde chegar, as chagas untadas de além-mar. Nos poros que secam ao degredo do tempo, unge de frescor o vento. A dissonante chegada dos minutos que se foram como aforismos da canção. No momento, o sentimento se embriaga de ilusão. Pensamentos como unguentos que nunca se irão passar. Agora, esbaforido de tanto correr e tentar, o poeta se aconchega em sopas de letras e rimas só para tentar rimar. À toda ilusão, cabe o vil sonhar.

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...