segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ao Arrigo Barnabé

 Por Ronaldo Faria

Loucura no invólucro de que pouca coisa falta. Mais uma lata só. Que dó...

Metrópole que pode ser a acrópole do fim de tudo. Paulistana sanha assanhada do drama. No meio de tudo, no todo, a briga entre o desejo e o ensejo do passado de muito atrás. Rojões ao léu, aos ouvidos do menestrel. Um quarto de hotel desnudo a granel. O amor entre o louco e Jezebel. O mistério se faz misterioso no fel. No mundo paulistano, melhor cruzar os meandros da metrópole e da acrópole do que ser Gardel.

Sejamos parcimoniosos com os corpos em ossos. Possamos possuir o que a noite nos dá: loucuras, clamídias, canduras. Um tanto de futuro e outro tanto de volátil urro. Brincadeiras e asneiras ao nada. Como diria o poeta, orgasmo total. Como a bola certa de um qualquer sobre o Nadal. Uma rena a fugir quando Papai Noel grita que está na hora do mais próximo Natal.

Nos façamos madrugadores de dores e odores. Deixem-nos pagar a conta ao garçom que sorri sem dentes como se não tivesse antecedentes de quem antes jogou a bandeja na cara de quem não a deseja ou veja. Ao prato, sabor de veneno. Cantilenas jogadas ao vento e ao ventre. Como o poeta embriagado e largado no imbróglio entre a cena de Sampa e o passado de samba, fez-se o derradeiro drama.

sábado, 5 de novembro de 2022

Bossanoveando

 Por Ronaldo Faria

Bossa Nova a tocar no piano virtual. Entre a realidade e o desejo, um sinal. Uma praia distante, sangrada de mares imaginários e verdes matas madrigais e infinitas, fatais. Morros diversos que perfazem o sol que cai detrás deles em poemas e versos, todos solares e prestos. E tem a morena a andar pela areia quente cheia de pedaços de suores e cheiros dos amantes do fim do dia. Lá longe, defronte entre o nada e a mentira, tem uma tira de tragédia antecipada, nuvem dissipada, carreira cheirada pelo louco que dorme solitário e derradeiro.

No mais, um entardecer obscuro e soturno, um cálido desaguar de olhares às coxas das moças, um esquálido propor de amor e dor. Casais a se acasalarem nos corpos frágeis e ágeis que correm pela calçada da zona que virou o sul. E se azucrinou de porres voláteis e perdidos entre dedos e medos que percorrem lugares escondidos entre biquínis mínimos e mimos que o bronze do sol derrete em dias que dão no que der. No beijo entre línguas, o cabelo negro do rosto branco da mulher. A cena, pano final do ato derradeiro qualquer.

No alto do morro, de dois irmãos, uma bananeira se joga ao céu de pedra e perdão. Uma luz aqui e outra lá se acende à chegada do escuro que esconde as ondas abaixo para o fim do mar. No tudo, em turbilhão e canção, fica o barulho do que quebra quieto e se deita entre as rochas e o oceano cadente e profano. Ao fim do horizonte, o desmonte. No quadro que se enquadra aos olhos, a volta de barcos e navegantes cheios de marejar e vagas espumas que esbranquiçam a pintura que se emoldura à gasta rotunda que volteia brilhos e trilhos nunca alcançados.

No mar, no fundo mais fundo e profundo que se faz ou fará, o desejo do amor se desfaz fugaz. Meras palavras ao vento mormo que bate a noroeste. O começo de uma epidemia que vem sem peste. Que se veste de peles entrecortas de desejos e recortadas de delírios que febre nenhuma faz secar. Como féretro regado a berimbau e segredos, degredos, ensejos e seixos. Ladeiras serpenteadas de paralelepípedos, subidas e descidas. Canções acrescidas de formicidas e sinais que nem o maior dos arqueólogos saberá decifrar à desmedida sina...
 
(Ao som da Cia. Estadual de Jazz)


sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A guitarra jazzística de Wes Montgomery

Por Edmilson Siqueira 

Ele começou a tocar aos 20 anos e morreu aos 45. Mas sua obra foi tão importante que ele é comparado, em termos de influência do seu estilo de tocar guitarra, a Pat Metheny e George Benson, dois gigantes do jazz. Trata-se de Wes Montgomery, nascido em 1926 em Indianápolis.  


Wes tocava guitarra de uma maneira pouco ortodoxa, já que usava o polegar em vez da palheta, bem como um modo único de tocar em oitavas ou em block chords, o que tornava a sua guitarra mais expressiva e melodiosa. Sua extrema liberdade e fluidez no instrumento chamaram, desde o início, a atenção de músicos como Cannonball Adderley, e em 1960 lhe valeriam o prêmio New Star da revista DownBeat. 


Tenho apenas um disco dele e, por sorte é uma coletânea da série Jazz Master, da EMI, lançado em 1997. Logo de cara, "Billie's Bounce (Parker), gravada em 1957, anuncia um jazz pegado e esperto, com um conjunto completo, de piano, bateria, contrabaixo, sax e, claro, a guitarra de Wes com sua agilidade natural. Infelizmente o disco não tem créditos dos músicos, todos ótimos, que fazem parte do conjunto.  


A segunda faixa traz "Leila", do próprio Montgomery, também de 1957, uma balada bem romântica onde a guitarra de Wes prefere o improviso, deixando o solo da melodia para os metais.  

"Stomping' At The Savoy, (Sampson, Webb, Goodmann e Razaf) serve também para Wes e seu grupo mostrarem toda agilidade e talento na decantação de um tema de jazz. Uma aula, com destaque para o piano e o vibrafone.

"Stranger in Paradise" (Robert Wright e George Forrest) de 1958, do musical "Kisnet", tem uma versão rápida do conjunto. A seguir vem outra de Montgomery, "Renie", também de 1958, onde piano e contrabaixo conversam na introdução, anunciando a guitarra suave de Wes. 


"Wes's Tune", também de Montgomery é a sexta faixa, com uma melodia que ficou famosa e foi regravada por muitos grupos de jazz.  


Já a sétima faixa traz um clássico, "Summertime", de dos irmãos Gershwin e Heyward. Sem mais delongas, Wes entra na melodia com sua guitarra, com piano, contrabaixo e bateria de acompanhamento, deixando todo o improviso inicial que a música sugere aos jazzistas para o piano. Mas volta depois par solar e encerrar em grande estilo. Um show a interpretação de todos, desse clássico que extrapolou o teatro - foi escrita para a ópera "Porgy And Bess" - e ganhou o mundo como uma das músicas mais gravadas de todos os tempos. 


"Montgomeryland Funk" é o nome da oitava faixa. A faixa mais alegre do disco, com introdução de metais para a guitarra de Wes ganhar corpo e passear num longo improviso.  


Outro clássico, "Bauble, Bangles & Beads", também de Robert Wright e George Forrest, aparece na nona e penúltima faixa. A lenta melodia parece ter sido feita à perfeição para a guitarra de Wes. Depois de seu solo, quem assume os trabalhos é o vibrafone num bonito arranjo, preparando a reentrada da guitarra em grande estilo. 


A última faixa é "Hymn For Carl" (H. Land), que segue esquemas anteriores, onde os metais e o piano se incumbem de apresentar a melodia inicialmente, para bem à frente, deixar a guitarra assumir o comando. Outro show do grupo. 

Trata-se de um disco muito bom para os amantes do jazz, pois, além do grande talento de Wes, ele se cercou de músicos extraordinários, realizando impecáveis gravações. O disco que tenho é importado, mas você pode encontrá-lo à venda em alguns sites da internet. E pode ser ouvido inteiro no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=ZiVSH_KmgfM&list=OLAK5uy_m2K5ofRbRWkBD8ZwQuSPuiEzKl5QY90v0 . 

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

À vila de lobos

 Por Ronaldo Faria

O trenzinho do caipira vem devagar, entre trilhos e trilhas sobre ferros e madeira queimada até o maior negror da fumaça que foge furtiva pela chaminé, margeando morros e miragens. Num pedaço do despedaçado cedro, misturado ao credo do maquinista de que um dia irá chegar, sobe o cheiro de vida e morte.

No campo o Saci Pererê pula e se esperneia, serpenteia difuso e confuso sem saber o que dizer. Do seu cachimbo sai um lamento que o vento destrói em brisas que chegam das terras molhadas do além-mar. No lugar, um ritmo transversal entre o que pode ser o bem e o mal. Um lumiar de incertezas certas e presenciais.

Aos acordes do violão tocado em sofreguidão, o lamurio do poeta que se vê profeta da própria morte, à sorte. Um desbragado trago, um exaurido afago, uma ignóbil desfaçatez ao tocar a tez da amada, calada. De Amsterdam, o sabor em prelúdio que os acordes acordam como fossem um galo a cantar seu estertor.

Na viola, o mundo vira mundão no tanto de distância que arrodeia. Não distante, o luar se engrandece de passarinhada a buscar seu pé de árvore dormida. O gado geme de desejo de ruminar e a pajelança morre à chegança do calar. Entre os lábios grudados, os mistérios cansados e os corpos largados.

No seu canto pequeno e sem lampião, o poeta dedilha a parelha que existe entre a pipa que voa e a saudade que avoa. Aos poucos, o pouco que ficou ressoa no silêncio pênsil entre a solidão e a canoa. No rio, o barquinho desce ao sabor do seu mundo, das correntes e do que for à toa. Em meio a tudo, o peixe até destoa.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Um cantinho, um violão e um violino

Por Edmilson Siqueira 

Um violinista e um violonista se juntaram para gravar um disco lá nos longínquos anos de 1974 e de 1977. Como ambos eram geniais, o disco se chamou "A Grande Reunião". Em 1974, tocaram os dois juntos, com bateria e contrabaixo e, em 1977, foram acompanhados, em uma das músicas, por uma grande orquestra.  


O violinista era ninguém menos que o francês Stèphane Grappelli e o violonista era o nosso internacional Baden Powell, o que, claramente justifica o nome do disco. E ambos foram sobejamente famosos no mundo do jazz e da bossa nova nos anos em que viveram de suas artes. Grappelli morreu em 1997 e Baden em 2000. A obra de ambos é eterna e, tenho certeza, continuará sendo apreciada e ouvida no mundo inteiro enquanto houver ouvido sensíveis à boa música. 


Foram acompanhados no contrabaixo por Guio Pedersen, na bateria por Pierre-Alain Dahan e na percussão por Clément De Waleyne e Jorge Rezende.


Não sei quando foi lançado o CD que tenho há muitos anos, mas, pesquisando informações sobre o disco, descobri que há um segundo volume, sinal que a gravadora francesa que produziu o trabalho, gostou do resultado.  

A primeira faixa traz música do baiano Gilberto Gil, "Eu Vim da Bahia", um dos seus primeiros sambas. Aliás, sobre ele, tenho uma historinha interessante: Gil trabalhou na Gessy Lever em Valinhos, nos anos 1960, pouco antes de se destacar no Fino da Bossa e desistir da carreira de administrador de empresas para se dedicar (ainda bem!) totalmente à música.  Minha irmã mais velha trabalhava lá, acho que na mesma seção, tanto que ela contava que ele sempre cantava umas músicas no intervalo do almoço para a moçada. Um dia ela apareceu com uma letra de música em casa e disse: "É do Gilberto Gil, um colega lá da Gessy".  Pois era justamente "Eu Vim da Bahia", datilografada pelo próprio. Infelizmente nem ela nem eu guardamos a folha, mas da história me lembro muito bem.  


A segunda música inaugura uma seleção de clássicos da MPB: "Meditação", de Jobim e Newton Mendonça, ainda só como violão, bateria e contrabaixo acompanhando o solo do violino de Grappelli.  


A única música de Baden no disco vem a seguir. Trata-se de "Berimbau", parceria com Vinicius de Moraes, o mais famoso afrosamba da dupla. É a única que tem um acompanhamento orquestral. 


A seguir, "Desafinado", também de Jobim e Newton Mendonça, é aberta com uma introdução ao violino que não lembra a melodia, própria de um jazzista como Grappelli.  

"Samba de Uma Nota Só", de Jobim, abre o "lado B" do disco original. A melodia simples de Jobim ganha ótimo improviso de Baden e também de Grappelli, e acaba tendo 5 minutos e 42 segundos, a terceira maior do disco. 


O sucesso de João Gilberto, "Isaura", de Herivelto Martins e Roberto Roberti, também entrou na "Grande Reunião" na forma de um sambinha lascado, que diverte quem ouve. 


"Amor em Paz", de Jobim é a penúltima faixa do disco. A belíssima melodia do nosso maestro soberano desliza pelo violino de Grapelli e pelo acompanhamento inicial de Baden com a nobreza que lhe é peculiar. O disco todo é ótimo, mas essa faixa acaba ganhando ares de especial pela qualidade da interpretação dos dois instrumentistas. 


Por fim, quase uma homenagem à terra dos autores de todas as músicas do disco, Grapelli e Baden interpretam "Brazil" que foi o nome que "Aquarela do Brasil" recebeu ao iniciar sua turnê internacional ao fazer parte da trilha de um desenho animado da Disney, onde estreava o "personagem" Zé Carioca, criação baseada no que Disney entendeu ser o o malandro da cidade do Rio de Janeiro. Mas é um dos maiores sucessos de todos os tempos da nossa MPB.


Tanto do CD quanto o LP ainda são vendidos por aí, nos bons sites do ramo. No YouTube dá pra ouvir não só o volume 1 como o 2 também, mas o segundo tem apenas duas músicas brasileiras. O link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=SxRo_R9bz-8 . 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...