quinta-feira, 30 de março de 2023

Vinicius Cantuária e Zeca Baleiro

 Por Ronaldo Faria


A última dança é um ultimato ao mato que o jardim se fará. Traz consigo um consignado entre a dor e o amor. Dissabor, quiçá. Como um embuste que o sentimento apraz, aprisiona alma, desejo e tanto mais. Transmuta imaginários cantares, se encanta de saudades, foge da realidade que não há. Afinal, somos apenas pretéritos mais do que imperfeitos de um futuro que já passou. Logo, nos deem penas para um voo imaginário. Ícaro haverá de nos trazer aos píncaros que destruirão asas, mas nos farão voar mesmo sob chuvas mil.

A última dança é aquela que entorpece, transcende, cria  milhares de  vozes, versos, versículos, homúnculos, poemas que vêm de um além que se saberá sequer. Brinquemos, pois, de videntes, mesmo sem dentes. Que os deméritos sejam alcoólicos, reminiscências de Bossa Nova, sinapses que ainda se ligam, ligações em diásporas e prosas. Assim, num crepúsculo malfadado, possamos postar prenúncios daquilo que não se basta, presunções de passos mal dados e maledicências que não surpreende quem sabe sequer pensar.


terça-feira, 28 de março de 2023

Equanimidade nos sons de fevereiro

 Por Ronaldo Faria

 

Equânime sentimento que lateja e pulsa, transpassa e repassa momentos e vidas. Que nos chama de volta como chama que nunca se acabou. Que fazer?

 Trêmulo, o homem segue em seus pesadelos e sonhos noturnos e soturnos a brincar de ilusão e tesão, como canções que envolvem o tempo que se perde no vento que corre as ruas num revolver como tantos luares tropicais. Em respeito aos peitos que surgem e ressurgem, o desequilibrado anda sobre uma faca cheia de navalhas e novas prosopopeias. Serpenteia nas teias de um simulacro onde o acaso e o ocaso se fazem transversos como versos perdidos e ardidos em qualquer tela de computador. Com uma puta dor a invadir o quadrado em que cada sílaba se faz frase qualquer, o monossilábico ser se expande em exangue sangue que teima em circular e ficar no mesmo lugar. A vagar faz-se impropérios e deletérios sofismas que nem ele mesmo saberá. Na voz de Belchior, a voz que vem entre o melhor e o pior. Vontade de retomar o mar do que já se foi, ser foz de si mesmo, recriar noites, sexos feitos e refeitos, dúvidas, dívidas com a felicidade e algo nunca mais.

Incrédulo, o homem vaticina a sina a vir. Far-se-á ou não antônimo e pronome de si mesmo? Buscará outra vez o limite entre o reflexo e o plexo que morrem a cada ensejo ou sorverá cada gota de quase nada que cai feito solidão e sensação fugaz? No lado de fora, onde os olhos mal conseguem ver, o mundo se faz e refaz, vaticina futuros e passados, longe do presente que não pressente o trópico perdido há décadas decaídas em desfaçatez. Amanhã, bem provável e talvez, haverá um hiato entre a lucidez e o novo dia. Diásporas chegarão. Um chão entreaberto se abrirá a cada passo. Voltar a pouca lucidez e irá demorar, desmoronar horas, principiar e findar tormentas mil nos navios que eu sei nunca aportarão. As portas, decerto, estarão entreabertas, entrepostas como celeumas que vivem no nosso porão. Serão, logo, um entrave e o reminiscente morrer de quem ainda aprende a viver.

 (Ao Belchior)

sexta-feira, 24 de março de 2023

E vão-se as certezas

 Por Ronaldo Faria


Lembranças talvez de ancas, anchos seres com quem cruzamos, vestimentas de passado, utopias que resvalam em diáfanas realidades de um segundo qualquer. Talvez a mulher ao volante, infante na nova vida que espera e esmera, quem sabe um descalabro que vem e volta, mostra que um segundo vale a vida, desmedida vida... Desmentida vida.

Lembranças que logo serão cinzas, solidão infinda e eterna, mas ungidas de duas queimas ao fogo mais imenso, abrandado pelo avarandado que deve existir entre o início e o nada. Quem sabe nessa hora a saudade não bata quieta e vegete feito nesga de sol na noite fugidia. O dia nenhum do depois agradecerá tudo poder na finitude que se antevê letal.

Lembranças de sabe-se lá o quê. Talvez um jeito errado de escrever tantos quês, um espaço próprio na semiótica que nem a ótica mais nítida consiga ver. Uma idiossincrasia qualquer, das partes que se unem e se delimitam nos limítrofes restos de querer ser. Talvez um carro de boi do passado em que não se sabia sequer se haveria presente ou futuro.

Lembranças que destoam daquilo que se queria ser, se é que algo se quis. Que brincam de preto e branco em fotos que fazem aniversário tardio, remontam cenas, montam prosápias e acham que serão para o sempre. Não serão. Nada será. Apesar do novo amanhecer a cada sol que se deixa dormir e acordar, viajar entre luzes e algozes do renascer.

Lembranças de lágrimas. Mas haverá outras? A tal de saudade que nos invade a cada dia não é somente um mar de reminiscências e voltas cheias de desejos e ensejos, coisas desaparecidas e descabidas, como ver a cana virar mel. Senão, ouvir milhares de centenas de abelhas a voar e cobrirem de negror do Nordeste a zoarem no silêncio da tarde quente.

Lembranças de mulheres uivantes ou arfantes, que vêm e voltam nas tardes tardias de um passado que poderia ter sido e não o foi. De noites solitárias, de açoites perdidos, desses que  ninguém quer mas vêm quietos, prestos, passionais, coisa que aflora no repente de uma nota musical, de amor venal, de algo que mistura desejo e sabe-se lá o quê.

Lembranças de compor a sua história e trajetória, seja ela para aonde for, dos espinhos à flor de lis. Quem sabe o desejo guardado e resguardado, antecipado e ceifado, procrastinado por não ter certeza de que esse é o verso final. Assim, como alguém que canta e descobre no atropelo da vida que o universo é um verso transverso que carece de ser. 

(Ao Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho)

quarta-feira, 22 de março de 2023

Anos 70, de Caetano

Por Ronaldo Faria


Anos 70, de profícuas ideias e aneurismas iniciais, saber-se-ão fatais e letais na trajetória de cada um. Até que o embrião saia da vagina materna e se resguarde na angina que espera logo ali em frente, defronte do coração. Na ação o menino que canta Caetano para baianos que vivem entre lampiões e a seca do Nordeste que habita entre o oeste e o norte, à beira da morte, deflorado e lembrado no seu sincero amor. Se tiverem sorte terão sobrevivido ao azul de um mar nunca visto, antevisto no marrom das queimadas e da estiagem que leva a lugar nenhum. Quem sabe um telefone que se roda com os dedos à espera de um sinal – 2398515. Talvez a incerteza da Guanabara que inexiste há décadas, jogada ao léu entre a montanha e o céu, o mar e o véu da viúva que descansa nos arcos da Lapa sob a lupa que a lampreia vê no mar. Senão, o anão que percorre o corre que o morro dá para o asfalto seguir. No ensejo do poema, o fonema certo, o membro ereto, o desconcerto do deletério. Logo mais, no atroz desconcentrado e atávico desconectado da vida, o ávido desejo de querer ver o que a frente, fugidia da vida, ainda pode, como leviandade, dar

segunda-feira, 20 de março de 2023

Ao Ordinarius - https://www.facebook.com/ordinariusvocal

 Por Ronaldo Faria

Passadio frágil que percorre o passado feito coisa que pode voltar de onde se sabe lá meu Deus. Talvez numa cantiga antiga, num frouxo acorde que acorda memórias que mitigam por parecerem reais, mesmo esquecidas num canto qualquer que ninguém sabe onde está ou de onde vem. Um samba, um Verão que se faz chuva entre nuvens e águas que desaguam meninas e infindas, a refrescarem o mato que cresce e desvanece feito coisa qualquer, como fosse a vida apenas calor, torpor e algo sem fim.

Manhã passageira e fagueira, frágil e fátua, feito amor que se desmancha em beijos perdidos na mata que desabrocha línguas e lânguidas saudades frouxas e enfastiadas de ser. Talvez, num talvez sem vez, a volta de passos corridos num subúrbio distante, equidistante entre a realidade e o além. E lá se vão dias que nunca voltarão, sensações que se perderam em senão, sombrias orgias em estradas que se enredam de ilusões e tesões espremidos ente mantas e mantos nas mãos da amada que acariciam em vão.

Corridas da rua até a linha de trem, do trem para a avenida, da avenida para a vida entorpecida de medos e magias e tragédias mil, feito céu que se desbota ente o cinza e o anil. Igual imaginação que se perde entre os seios e o quadril, numa velocidade que em segundos vai de zero a mil. Coisa que brota às madrugadas e se desfaz num assento sem acento como se o vocabulário fosse banal. Como palavras enviesadas e fadadas ao fado que se arrasta numa rua de paralelepípedos e epítetos soltos ao tempo.

Mares e marés feito barco perdido nas torrentes e correntezas que jogam ondas e rios com trejeitos de cores e odores, adoradores de vestes jogadas ao chão nas peles desnudas e surdas para tudo que foi largado do lado de fora, afora e em aforismos. Quem sabe lá um pernoite entre os afagos e os afogados de saliva e línguas, aqueles que se misturam entre anzóis de braços jogados nos lençóis e abraços perdidos na partida que delimita o que há além do cais que a tantos assusta e a outros tantos apraz.

Num salão de baile, a rodar e bailar, o casal se esquece das luzes que brilham lá fora entre faróis e alforrias, sombras esguias de um sol que teima em se esgueirar nos quartos que escondem a condessa e o conde, condecorados pelo imperador que antevê a dor. Mas quem saberá o momento certo de antever aquilo que nem a vertente do vento denota às vórtices da voz que mente e desmente aquilo que vem à mente em letras e frases, prosopopeias e epopeias, finitas e derradeiras, à beira do caos.

sábado, 18 de março de 2023

Violões

 Por Ronaldo Faria


Um violão dedilha aos dedos do seu dono o dom de iluminar o silêncio com notas e acordes, a acordar quem denota existir a frágil incerteza de frigir ovos e forjar inebriantes casais a um beijo derradeiro, herdeiro do sentimento que precede o tormento. Feito cordas presas a um traste, vê-se o traste que cambaleia na rua deletéria e sombria iluminada por postes apagados em simetria. Não há luz, não há sequer uma cruz, não há a velha a vender seu cuscuz. Existe apenas a sombria pena que pranteia de lágrimas a infausta certeza que se esgueira na sombra do copo que descansa sobre a mesa. Talvez um sibilo de dó, de ré, de fá, sol, lá, em si. Quem sabe o limite limítrofe entre a saudade e o dizer não para reverberar o sim. Pouco importa. A porta entreaberta e incerta fecha a rua que invade a hora certa. Já não há ódio, poesia ou prosopopeia. Somente um querer ausente, uma plácida saudade carente, um insondável ouvir premente. Algo que se faz e desfaz feito o último segundo fecundo e primaz. A todos nós, que atamos e desatamos nossos próprios nós, a incerta certeza de que a vida não se põe à mesa.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Gilberteando

 Por Ronaldo Faria

 


Imaginação em ação. De onde virão essas sílabas, essas palavras, essas frases parafraseadas num corpo que sabe sequer o que é? Entre perguntas e prenúncios ciosos de ter respostas óbvias, ficam a dúvida, a dívida com a eternidade, a eterna saudade de um voltar sem rever. Talvez uma vadia e tardia elegia dos cheiros de um mar ao sul, banal e fatal, quase fetal, a virar segundos infinitos e mortais, tais e quais.

Na celeuma que há entre o falso cadafalso e o falsete do cantor, o ator que há em si pede para a cortina nunca descortinar o que não se fará. Não esqueça também que uma lata treme de frio à espera de um corpo, internamente, para se fazer esquentar. Um dia isso não mais acontecerá. Se oriente, rapaz... a tal de paz pranteia mil desejos e ensejos, mas, creia, ela não sabe sequer em que porto poderá se aportar.

terça-feira, 14 de março de 2023

Senise toca Gil

Por Ronaldo Faria 

Permeia entre a vontade e o desejo um mistério de valer-se solitário, etário, segregado de si mesmo, a esmo. Como nada fosse, fossilizado entre a realidade e o amargo, na forma de um caule que encapsulou para nunca ser.

Semeia no fundo de um canto escondido, entre o peito e o coração, numa oração inconstante e vadia, a semente de um amor nunca acabado, encostado e tardio a esperar, quem sabe, a ilusória razão de crer-se num fátuo crer.

Vagueia soturno e solitário um errante senhor que perdeu o rumo e o sumo, que brota num chão seco. Que rega de versos e prosas as rosas que teimam em solapar de cores e odores o amanhecer cheio de ínfimas nuvens segregadas.

Anseia uma incrédula vaidade que sobrevive só por maldade de saber-se. Que é profícua e fica única e volátil a vadiar entre canções e unções. Quem sabe um amor maior, desse que pensa ser único e fugaz, uma linha tênue e tenaz.

Tudo a permear, semear, vagar, ansiar e crer no solstício que nunca se fará. Como brinquedo sem enredo, solidão sem medo, frevo somado de liberdade e degredo. No imbróglio de ser, o poeta descobre-se emir da solidão em si.



sexta-feira, 10 de março de 2023

Na noite com Silvério Pontes

 Por Ronaldo Faria



Coisa de antigamente, quase demente, como o bêbado que mente à vida e desmente seu próprio viver. Uma retreta no coreto, uma treta a travestir de cores e odores as dores dormentes que pedem apenas para dormir. Feito amores ausentes de dois que plantam a semente de amar. Defronte, um mar que margeia o que pode ficar ou estar apenas para se fazer passar. Enfim, o fio cortado e jogado à tesoura voadora que se mexe à frente do espelho. Antes dele, alguns vários no desvario de brilhar sob os óculos maltratados pelos olhos cansados de enxergar.

Entre tantos metais num assoprar, respirar, soltar e prender o ar, dedos a correr o frio instrumento de intento, vem o cheiro do vento que rompe e irrompe à noite numa magia de lembranças e devassidão. Talvez umas pernas se abram logo ali neste instante, quem sabe uma língua se fartará de prazer a fazer em si mesma num desaguar de saudades e madrugadas nunca vividas ou chegadas. Um recital de prazeres e vendetas a vender ilusões e paixões, sermões e senões. Cantilenas para falenas que esvoaçam entre flores nunca vivas e vozes em desditas finitas, mil.

Assim, ao som do instrumento vil, feito comensal que se farta de temperos mil e sais, o silêncio se faz. Na suntuosa orgia que vagueia entre dias passados, passeios de degredados, demências de rastros perdidos, vai-se o que resta, presto, daquilo que se presta, em festa, à escuridão que é servidão do desejo de se desejar. Por fim, no reencontro do chorinho que une paisagens passageiras, como meeiras de um louco a vagar nas vagas que o oceano dá, espera-se a vida, que não tardará. Do lado de fora, a escuridão borbulha de faróis que correm na esperança de um dia poder chegar.

quarta-feira, 8 de março de 2023

Ao Rolando Boldrin

Por Ronaldo Faria

Madrugada enluarada e ponteada de raios de luz que descem do céu entre o mato seco e largado e a saia da morena que brinca de amor na pele suada. Coisa de correr pelo sertão em cavalo barbo, desses que derruba peão e relincha e pula feito demônio a vencer o dragão que se esconde em cada saudade desvairada e desvirada ao avesso do verso.

Madrugada enviesada de saudade de raios de luz e lembranças das ancas que se desnudam no rio que verte ao mar feito ilusão – visão prateada e pranteada de um sol que dorme de roncar em algum lugar. Talvez do lado debaixo da Terra, onde nada apruma para o prumo da vida, quem sabe do alto de uma serra que vê de cima tudo que se perde do chão.

Madrugada ensimesmada e calada entre goles de birita pouca e barata, ou talvez a barata que corre de esgoto em esgoto à busca de comida. Afinal, neste final de alfinetes e falsetes, tanto faz como fez ou fará o canto de uma coruja ou de um sabiá. Na esquina que desatina a dar caminhos mil ao ébrio, a história vira só memória da dor que vem de antemão.

Madrugada versejada e reticente, dessas que se envolve de verve e canção, segue teu limiar do alvorecer, deita na rede que balança entre árvores e vultos e se faça vórtice de qualquer lugar. Para o cantador pouco importa se o coração tem porta de entrada ou de saída. Basta um cantinho onde a morte se mostre poesia derradeira de uma dor que dorme doída. 


Um dia falaram para a criança que dormia que o sonho existe para se acordar e o pesadelo serve para as manhãs de sol anuviar. Daí os dias começavam e derreavam entre tropeços e atropelos, feito tropéis de cavalos enlouquecidos nas rédeas que viajam de terra em terra consumida e carcomida. De comida, um poema aqui, uma trova ali, uma troça acolá. Na sacola ou no embornal carregado nas costas queimadas pelo sol, desejos de ter um lugar para parar. Um colo para guardar seu amor, um varal para quarar sua dor, uma boca para matar a sede de ser. Assim, como louco, desses que corre de cidade em cidade a crer que é possível vencer a maldade, o menino foi pelos anos de vida afora a caçar uma moda de viola para fazer seus dias clarear. Hoje, velho alquebrado, sem cabeçalho ou ponto final, vive de bar em bar, a desatinar. Fala com um, grita para si mesmo e vê-se, em enlevo, nos últimos dias brotar feito espinho que fere o dedo da amada com a rosa despetalada sem saber porquê...

segunda-feira, 6 de março de 2023

Com Beto Guedes

Por Ronaldo Faria


Madruguemos, pois, mesmo que a noite ainda esteja nos seus estertores. Saibamos dirimir nosso certo e errado. Possamos errar e arrematar conchas e grãos de areia que se diluem nos dedos e desejos. Saibamos que a vida é um curto caminho que se esvai como falácias ao vento que vemos viajar a cada segundo. Sejamos um surdo a ouvir em surdina a poesia que desatina a caminhar nas teclas quietas e prontas para explodir em seu mesmo lugar. Logo, possamos divagar feito cheiros no ar, livres, leves e soltos... Creio, isso nos bastará...


domingo, 5 de março de 2023

Com a boca livre

 Por Ronaldo Faria


Corre rio para o mar, faça-se desaguar feito gota de chuva a desabrochar de pétalas transversas e vorazes a tomar de chofre aquilo que chafurda para não ser lama e virar vida. Aqui e acolá um fruto cai para dar de comer às formigas que correm num desolador saber que a morte está logo ali.

Corre o tempo para o fim, famigerado chegar que não leva a nenhum lugar. Talvez um sonho famélico por fazer de si mesmo o esmo de um mundo ensimesmado de jogar às horas e minutos os diminutos e frágeis chegares. Na brincadeira de ser sem eira e nem beira, um umbral volatiliza mortal.

Corre a boca entre as pernas entreabertas da amada, desarmada de sofreguidão e paixão. E silencia a si mesma em lânguidas lambidas pueris e febris. No compasso do passo a passo que percorre madrugadas repletas de fadas e fingimentos, tormentos e tortuosas curvas de um corpo que sua ao som.

Corre o acorde que acorda a verve do poeta de mentira que sentencia a embriaguez perene de saber-se um ser pungente diante do fim. E vaticina a vadia orgia de letras, notas, sons e cismas. Algo que talvez valha no outro lado de qualquer rio, entre risos e desafio. No fio da navalha, derradeiro frio.

Corramos, pois, sem saber a estrada, a luz, o caminho, o destino ao desatino. Sejamos algo como a atravessar um arame de farpas e aço. Num equilíbrio bêbado entre um lado e outro. E assim seguiremos, palhaços e mortais, dramaturgos e artistas num teatro vazio a pedir bis na solidão inoportuna da vida.

(Ao Boca Livre)

sexta-feira, 3 de março de 2023

Ao João Bosco

 Por Ronaldo Faria


 Página branca, pintada de luzes e branco, feito neve que vem sobre o olhar esbranquiçado do tempo deletério e etéreo. Coisa de tocaias no meio da avenida escura e toques inertes de doçura e verve. De laje com as suas lajotas a derrearem a dor da separação. De onde se vê a vida que já foi, a que é e aquela que não virá. Alvissaras a quem assim quiser ou puder. Que viajam nos céus que enegrecem e clareiam a cada girar de uma bola azul no infinito. Talvez um invés que foge pelas mãos e percorre longínquas esquinas onde sinas e sonhos se enternecem de tanto beber e acreditar que a lucidez um dia chegará.

Página com algumas letras estapafúrdias que brotam sem saber porque e nem sequer se ali deviam estar. Mas, estão. Fixas, claras, negras, deitadas sobre o fundo branco e sob os dedos do poeta que nunca foi. Como um corpo estirado no estrado a fazer amor, entre orgia e dor. Do alto, santos mil, negros e pretos, cheios de força e luz, jogam pétalas de flores vermelhas e molhadas de gozo e ilusão. Senão, quem sabe a inócua incerteza que a vela que agora veleja traz benfazeja a paz. Coisa de corpo e alma, tragédia disseminada e livre só por ser. Brinquedo de cores que buscam o inexistente e perplexo mar.

Página completa, transversa e musical, dicotômica e atônita apenas por sê-la e ser. Algo próprio e perverso no verso que vai e vem num vaivém. E notas trocam o traste do violão para vestir de prazer e gozo que cada velho e cada moço se joga às vísceras abertas da vida para apenas viver sem sangrar. Mas há amor sem sangue e sofrer? No desvanecer da hora que dorme entremeada de lua e escuridão, as pedras no asfalto rebrilham no chão. E vem e vão os minúsculos lábios que se tornam abertos para o impossível que existe no real. E chega o fim, o derradeiro fingir e o saber que a solidão estará sempre aqui.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Vou resistir, ainda...

 Por Ronaldo Faria


Meu companheiro de batalha sonora, Edmilson Siqueira, resolveu, na marca de um ano do Musicoólatras, no mês passado, deixar o barco. Dá para entender, ele tem afazeres diários constantes. É apresentador do Bastidores do Poder (https://www.radiobandeirantescampinas.com.br/programacao/bastidores-do-poder/) coisa de responsa, de verdade, e escreve para o Chumbo Gordo (https://www.chumbogordo.com.br/), que também é de alta responsa, além de outras coisas mais. Achei que ele está certo em largar mão daqui. Afinal, certamente ninguém estará lendo este texto mesmo. Nascemos como ideia numa apresentação de música em Barão Geraldo, colocamos a coisa em prática e vimos o negócio acontecer. Estamos próximos dos três mil acessos. É bom? É. Mas já se vai pouco mais de um ano da criação. Isso quer dizer que foram, em média, 250 acessos por mês. É pouco. Faltou ação? Talvez. Faltaram novas plataformas de divulgação? Talvez. O tema é chato? Um analisando discos e o outro viajando na maionese. Pode ser. Na verdade, estas duas vertentes foram para mesclar o tema, deixar coisas díspares e próximas para agradar gregos e troianos, ou desagradar ambos. Mas, é isso: pretendo continuar, após ver completo este um mês que o Ed nos deixou. Pretendo manter um ritmo contínuo. Minhas loucuras e, talvez, vez ou outra, uma análise de um disco. Afinal, tenho milhares deles. Como aposentado das letras jornalísticas, me aterei a essas aqui, daqui, ao menos por um tempo mais. Assim, vamos ver aonde tudo vai parar... Assim, boa sorte pra mim mesmo, já que ninguém deve ter lido mesmo. Valeu! Vamos em frente que atrás vem gente com fome.

Zé Geraldo

 Por Ronaldo Faria A viola viola o sonho do sonhador como se fosse certo invadir os dias da dádiva que devia alegria para a orgia primeira...