terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Vinicius, o filme necessário

Por Ronaldo Faria

Este artigo era para ter saído no último dia 21, mas a morte de Elza Soares mudou o cronograma. Logo, leiam o ontem do primeiro parágrafo como o dia 20 de janeiro de 2022.

São Sebastião teve ontem (dia 20) o seu dia comemorado na terra onde nasci, que de forma imponente é chamada de a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Hoje vou falar de um DVD (misto de documentário e pocket show) que eu acho uma obra-prima: Vinicius, de 2005. Afinal, quem melhor do que ele, o eterno Poetinha, para mostrar o jeito do carioca. Dirigido por Miguel Faria Jr, foi um sucesso no cinema e traz na interpretação de Camila Morgado e Ricardo Blat a vida e obra do grande poeta, crítico de cinema e autor de teatro, compositor, cantor, cronista, boêmio, amante, ex-diplomata e brasileiro esculachado, no bom sentido, como diria Ferreira Goulart no filme.

No documentário, junto a Goulart, há Antonio Candido, Tônia Carreiro, Edu Lobo, Caetano Veloso, Chico Buarque, as filhas Susana, Luciana, Maria e Georgiana de Moraes, Maria Bethânia, Baden Powell, Gilberto Gil, Francis Hime, Toquinho e Carlos Lyra a discorrerem histórias sobre o poeta e a relação dele com seus eternos amigos (afinal, como é dito, ele amava estar junto e odiava a solidão) e a vida. Já nas vozes de Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, Renato Braz, Edu Lobo, Chico Buarque, Francis Hime, Gilberto Gil, Mariana de Moraes, Miúcha, Mart’nália, Mônica Salmaso, Zeca Pagodinho, Gilberto Gil, Toquinho, Sérgio Cassiano e Olívia Byington, além do violão de Yamandu Costa, as músicas de quem contou e expôs como ninguém a alma do carioca e, muito mais, do brasileiro. São dois DVDs. O primeiro traz o filme em si. No segundo há mais cenas, entrevista com o diretor sobre o documentário e sua produção/escolha do repertório e fotos. 

No filme, ambientado como pano de fundo num espetáculo dentro de um pequeno teatro, recortes de Vinicius de Moraes a cantar, em papos caseiros com os filhos, regados a uísque, a recitar seus poemas, galerias de fotos e entrevistas diversas. E filmes de época incluídos – da família, de momentos do País e sua carreira musical e geral. Como Tom Jobim a falar que, no início, depois de Orfeu da Conceição, quando se apresentava e não o reconheciam, resolvia logo a dúvida dizendo que era o Tom do Vinicius.

Ao todo são 122 minutos de pérolas musicais, poéticas e cinematográficas. Como nas cenas onde Camila Morgado declama o Soneto da Fidelidade e o Poema de Separação com os olhos marejados e em lágrimas. Num verde molhado que nem as águas do mar que sempre tiveram parte nos parcos 66 anos de vida do Poetinha neste mundo veriam igual. Ou ele e Tom, já bastante “alegres”, a cantarem e contarem da revolta das mulheres que quebram garrafas de uísque na pia, de forma inócua, porque no dia seguinte eles compravam outras. Ouvi-lo dizer aos filhos Pedro e Susana, num vídeo caseiro incrível, a vontade de ter voltado a ver a mãe de ambos e depois, acariciado em cafuné, deitado, entregue, vê-lo exprimir em voz solene que achava não estar bem de saúde. 

Ouvir vários artistas e amigos a declamarem o maravilhoso poema Pátria Minha, tão em voga nestes tempos sombrios. Ouvir ainda Ferreira Goulart e Chico Buarque a falarem do riso de Vinicius como a coisa melhor que se pode lembrar do Poetinha. Um corpo inteiro a rir e o copo de uísque amparado no pé, sem cair. Na verdade, talvez seja isso que faça verdadeiramente falta ao Brasil de agora: alegria, riso livre, vontade de ver o mundo sob os raios do sol e não nas trevas da obscuridade que pairam em cada canto. Apesar de esse documentário completar 15 anos em 2022, ele permanece solene e pleno, atual e vivo, a contar e cantar, declamar e perpetuar Vinicius de Moraes. A relembrar que é possível se casar nove vezes por amor e viver cada amor enquanto houver chama, numa eternidade plena.

Senão, saber que Vinicius é um ser iluminado no mundo paralelo em que a música e a poesia convergem de forma desbragada e sincera. Alguém, que na última cena do filme, na voz do Chico, a relembrar um papo, foi indagado sobre se havia crença sua na ressureição. Em caso positivo, como o Poetinha gostaria de voltar. Ele não titubeou em dizer que gostaria de retornar igualzinho, só que “com o pau um pouquinho maior”. Saravá, Vininha! Daqui, nós, meros aprendizes, só temos a agradecer.

É possível assistir a esta obra no GloboPlay.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Toots e seu Brazilian cake (2)

Por Edmilson Siqueira

Como eu disse no artigo anterior, o segundo disco que Toots Thielemans gravou com os brasileiros ficou tão bom quanto o primeiro. Não era o caso apenas de repetir uma fórmula de sucesso - nem sei se o disco vendeu muito - mas sim de se aproveitar um maravilhoso repertório que, convenhamos, não se esgotou em dois discos e não se esgotaria em muitos deles, tal a qualidade do grupo que foi reunido para os "Brazilian cakes" de Toots e a quantidade de grandes músicas que cada um deles compôs. 

No disco número 2, Toots escreve algumas palavras de agradecimento e diz que se trata da "segunda parcela do bolo brasileiro que Miles Goodman e Oscar Castro-Neves prepararam para ele com ajuda da Private Music..." 

A primeira música, , de Ivan Lins e Vitor Martins, é instrumental. Uma ótima vocalize de Ivan substitui a letra. Os teclados de Ivan, o violão de Castro-Neves, o baixo de Brian Bromberg e a gaita de Toots completam o quadro.

Choro Bandido, parceria de Edu Lobo e Chico Buarque, não abre mão da bonita letra de Chico sobre a melodia de Edu, que participa cantando. Toots entra num ótimo improviso, mantendo a estrutura melódica e lenta do "choro".

Chico Buarque está presente também na terceira música, o já clássico Retrato em Branco e Preto, que Tom Jobim compôs e a chamou de Zíngaro, antes da letra de Chico. Eliane Elias no piano e Tom Clark no sopro preparam a entrada de Toots que navega como que deliciado pelas possibilidades que as longas frases da música lhe proporcionam.

Obsession, de Dori Caymmi, Gilson Peranezzetta e Tracy Mann, vem a seguir, com Dori fazendo os vocais e um time completo sustentando os floreios e improvisos de Toots.

O número seguinte dá uma nova sonoridade ao megassucesso de Milton Nascimento e Fernando Brant (letra em inglês de Gene Less) - Travessia. Milton e sua voz metálica fazem a introdução para Toots iniciar a melodia, sem mudar nada, solando mesmo, reverenciando a belíssima melodia, até que Milton voltam com alguns scats e assume a letra no famoso refrão. Se havia jeito de Travessia ficar mais bonita, não há dúvida que aqui está um exemplo. 

A gostosa melodia de Flora (Gilberto Gil) irrompe a sexta faixa, com Gil cantando suave, estendendo o tapete para Toots se divertir com a gaita, buscando caminhos não dantes imaginados e avançando num improviso que só enriquece a volta de Gil para cantar toda a melodia e misturar voz gaita num bonito final. 

Amor Incondicional (Unconditional Love) de Oscar Castro-Neves é aberta com um solo de violão de Lee Ritenour. A gaita de Toots passei pela lenta melodia dando espaço para o firme trompete de Mark Ishan.

A música de João Bosco e Capinan escolhida para o cake de Toots casou perfeitamente com o clima do disco: Papel Marché. João Bosco, muito à vontade com seu violão preciso, e Toots solando o bolero que, no caso, nem precisou da bela letra de Capinan para se destacar no conjunto. 

O sincopado samba de Chico Buarque, O Futebol, balança o clima a seguir. Chico canta a tabelinha que criou com alguns de seus ídolos do futebol e deixa o acompanhamento harmônico e um seguro improviso. Destaque para o solo de guitarra de Ricardo Silveira.

Caetano Veloso comparece com a romântica Linda (Você é Linda), devolvendo ao disco aquele clima mais íntimo. Só o teclado imitando violinos, violão de Caetano e a gaita de Toots são suficientes para que Linda se se mostre em toda sua beleza singela.

Samba de Uma Nota Só, mais um clássico de Jobim com Newton Mendonça tem arranjo diferente no início. O piano de Eliana Elias se encarrega de fazer uma lenta introdução, até disfarçando o que surge a seguir com Toots. Mas a gaita coloca as coisas no lugar o "sambinha" da dupla de criadores da bossa nova se mostra como ele é tocado no mundo inteiro. 

Na última música, Toots faz breve introdução para a voz de Djavan iniciar Oceano, apenas com o violão e um discreto piano de Dave Grusin. No fim, a união dos três instrumentos mais a voz de Djavan preenchem o clima soft da performance.

E, por fim, a música de Luiz Bonfá e Antônio Marina - Manhã de Carnaval - outro sucesso mundial que recebeu letra em inglês de André Michel Salvet - encerra o grande disco num clima de samba e (quase) Carnaval.

Assim, o cake de Toots Thielemans se completa com o mais puro sabor brasileiro e internacional. 

Esse disco, como o primeiro, está à venda no Mercado Livre e em outros sites de vendas. Ele pode ser ouvido no Amazon Music, no Spotify e no Deezer.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Toots e seu Brazilian cake (1)

Por Edmilson Siqueira

A ideia deve ter sido de Miles Goodman e Oscar Castro-Neves. Convidaram o grande gaitista de jazz Toots Thielemans, colocaram na parada a gravadora de música instrumental Private Music, de Los Angeles, e reuniram um time de artistas brasileiros num trabalho primoroso de escolha e acertos de agendas. 

Luiz Bonfá, João Bosco, Chico Buarque, o próprio Oscar Castro-Neves, Dori Caymmi, Djavan, Elaine Elias, Gilberto Gil, Edu Lobo, Milton Nascimento e Caetano Veloso. É mole? E com cada um deles Toots Thielemans gravou duas músicas que resultaram em dois discos que, de tão ricos de intepretações e arranjos, serão mostrados aqui em duas colunas seguidas. 

O trabalho todo, feito em 1991 e 1992, recebeu o nome de The Brasil Project e, no segundo disco, Toots já o chamou de "Brazilian Cake", pois ele considerava uma delícia tocar aquelas músicas todas ao lado de seus autores, o que deu um brilho todo particular à performance.

Toots era um artista já consagrado mundialmente - o melhor gaitista de jazz do mundo, segundo muitos críticos - ganhou prêmios nos EUA raramente concedidos a estrangeiros (ele nasceu na Bélgica) quando se dedicou ao "cake" brasileiro. Ele amava a música brasileira. Tanto que gravou um disco, em 1969, na Suécia, com ninguém menos que Elis Regina, que se chama Aquarela do Brasil e que será assunto nesse blog dia desses, pois é uma obra prima de ambos. 

Nos dois discos, 26 músicas, 25 delas brasileiras, com os autores na gravação e uma delas, Bluesette, de Norman Gimbel e Jean-Baptiste Thielemans (nome deToots) onde nove brasileiros participam e com letra em português também, de Ivan Lins.

O primeiro disco abre com Começar de Novo, com a gaita fazendo uma longa introdução, já demonstrando toda a qualidade do improviso que sobrevoaria todo o disco. Quando Ivan começa a cantar a primeira estrofe, percebe-se sua emoção depois de tão nobre interpretação de sua música. O arranjo, acertadamente, reserva apenas uma pequena parte da música cantada para Ivan. O astro é Toots e sua incrível gaita. 

A segunda música já ostenta um ritmo mais marcante. É Obi, de Djavan, que acompanha Toots ao violão e também canta sua música acompanhado de Toots, numa harmonia singela e gostosa.

Oscar Castro Neves, produtor do disco e também grande violonista e compositor, entra com sua Felicia e Bianca, apenas instrumental, com, além de Toots e solo de guitarra de Lee Ritenour, Mark Isham no trompete e Cassio Duarte na percussão. 

A famosa canção O Cantador, defendida por Elis Regina num festival da Record, onde ela ganhou o prêmio de melhor intérprete, vem a seguir, com o autor da música, Dori Caymmi (a letra é de Nelson Motta). Com seu vozeirão, Dori inicia a dolorida e bem resolvida letra de Nelson, apenas a primeira estrofe para que a gaita de Toots complete o trabalho com delicadeza e com improvisos que, no talento do gaitista, parecem óbvios de tão belos. Dori volta pra completar a música cantada, abrindo espaço novamente para Toots encerrar com a competência de sempre. 

Chico Buarque e sua Joana Francesa, uma delicada canção com toques, obviamente, franceses, não poderia se encaixar melhor no som da gaita de Toots, já que o acordeom, de som semelhante, é instrumento recorrente da música francesa. Chico só introduz os versos e deixa para Toots continuar, até voltar, misturando francês e português, naquelas soluções linguísticas que a genialidade de Chico sabe encontrar. E com um gênio da gaita como Toots, a canção acaba ganhando uma roupagem de gala.

O samba volta a imperar, agora mais forte ainda, na voz e violão de João Bosco, com Coisa Feita, dele, de Aldir Blanc e Paulo Emílio. Toots o acompanha na letra inteira, até assumir o arranjo e completar, sem perder o ritmo e assumindo a melodia meio complicada do samba em inspirado solo. 

A melodiosa Preciso Aprender a Só Ser, uma variação como uma nova "filosofia" que Gilberto Gil criou sobre o sucesso dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle (Preciso Aprender a Ser Só), cai como uma luva pra longos solos de Toots, numa gravação marcante, onde Gil mantém o tom da sua interpretação, deixando para o gaitista a trabalho de colocar a cereja no bolo.

Fruta Boa de Milton Nascimento e Fernando Brant é a próxima canção que ganhou roupagem nova e de luxo no disco, "apenas" com os teclados de Gilson Peranzzeta, a voz de Milton e a gaita de Toots. Um momento marcante. 

Um dos primeiros sucessos de Caetano Veloso foi a música escolhida para a nona faixa: Coração Vagabundo, que ele fez ainda na Bahia, antes de "descer" para o Rio e São Paulo. Aqui Toots inicia a canção com alguns floreios que a triste melodia permite, acompanhado pelo violão batido de Caetano, que entra cantando sem maiores alardes, comme il faut pro clima. Toots vem em seguida com um solo primoroso, inventando nova melodia sem perder a ambiência. 

O sucesso mundial de Luiz Bonfá, Manhã de Carnaval, é outra música apenas instrumental do disco. E nem precisou ganhar as palavras da magnífica letra de Antonio Maria para que nós brasileiros, ao ouvirmos o disco, lembremos dela. O solo inicial é do violão de Castro-Neves, depois entra a gaita, com a cozinha rítmica ganhando espaço conforme aumentam os improvisos de Toots. Um show. 

Casa Forte eleva a temperatura novamente do disco, com Edu Lobo, seu autor, ao violão e vocal, abrindo os trabalhos para a gaita entrar acompanhada de forte percussão. Em seguida dá lugar aos improvisos de Peranzzeta nos teclados, para numa mistura de voz, violão, gaita e teclados, preparar o final da forte música de Edu que, pelo que sei, jamais ganhou letra.

Eliane Elias, a pianista e cantora brasileira que se firmou no mundo jazz nos EUA, é a autora de Moments, pujante balada jazzística que Toots e o piano de Eliane, com um discreto baixo de Marc Johnson, se incumbem de interpretar com elevado talento, em dois minutos e 32 segundos. 

Por fim, nesse primeiro disco, aquela música em que a trupe brasileira do disco homenageia Toots, cantando a sua Bluesette, num ritmo de bossa nova, por 9 minutos e 39 segundos. É um festival de solos e vozes, em português e inglês de quase todos os participantes do disco com a gaita de Toots entrando eufórica e algumas passagens. 

O próximo disco, que comentarei no próximo artigo, é tão bom quanto esse, gravado um ano depois do primeiro, num projeto que mostra a importância de nossa música e a influência que ela exerceu e exerce sobre muitos dos maiores músicos e cantores do mundo.

Esse CD está à venda no Mercado Livre, a preços entre 50/60 reais. Ele pode ser ouvido no Amazon Music, no Spotify e no Deezer.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Elza, a voz se fez eterna

Por Ronaldo Faria

Ela viveu 91 anos, mas foi como ter vivido centenas deles, pela intensidade de como a sua vida se deu. Tenho todos os discos dela e, ao saber ontem da sua morte, no mesmo dia que faleceu o seu maior amor, Mané Garrincha, o gênio das pernas tortas, há 39 anos, não tive dúvidas: guardei o agradecimento a Vinicius de Moraes e São Sebastião, padroeiro carioca que teve seu dia ontem também, e vim agradecer a Elza Soares por ela ter existido. Foi difícil escolher de qual disco falar. Por mim, falaria de todos, mas há um espaço gráfico a se respeitar. Assim, decidi por dois: Se Acaso Você Chegasse, de 1960, seu primeiro, e Deus é Mulher, de 2018, que virou um marco para mim. 

Em Se Acaso Você Chegasse, a música que dá nome ao vinil é do grande Lupicínio Rodrigues. Nela, Elza joga pela primeira vez num bolachão o falsete que a acompanharia na carreira. Ela mostra neste álbum que surgia para ser uma rainha do samba. Uma voz para marcar o ritmo e fazê-lo ganhar espaço e importância. Nesse disco inicial há também outro clássico – Mulata Assanhada, do não menor Ataulfo Alves, onde ela repete o falsete. Ao todo, são doze canções que compõem o vinil. Nele, a nova cantora era apresentada, num subtítulo, como “A Bossa-Negra”, talvez em contraponto à Bossa Nova em voga.  Não tive este disco em mãos por dois motivos: quando ele saiu, eu ainda não tinha completado os três anos e, como disse na apresentação do blog, nunca tive um vinil (repito aqui que por ter aderido às fitas cassete e depois migrado para o CD, não por não aceitar a qualidade dessa mídia).

Se Acaso Você Chegasse traz, além das duas músicas citadas, Casa de Turfista Cavalo de Pau, Era Bom, Samba em Copa (com falsete), Dedo Duro, Teleco-Teco nº2, Contas, Sal e Pimenta, Cartão de Visita, Nego Tu Nego Vós Nego Você e Não Quero Mais. É um disco curto. A música mais longa tem dois minutos e trinta e oito segundos (Samba em Copa). A mais curta, Não Quero Mais, bate no único minuto e 54 segundos. Quer dizer, sambas curtos, com arranjos simples e a voz incrível da cantora que menos de dois anos depois desse vinil, em 1962, conheceria o Mané Garrincha, craque da futura Copa que dedicaria o título mundial e o coração a ela. Enfim, uma mulher nascida em 1930, no hoje bairro de Padre Miguel, na favela da Vila Vintém, e que gravou apenas quase 30 anos depois.

De lá pra depois, tragédias e perda de quatro filhos (entre eles, Garrinchinha, aos nove anos de idade, num acidente de carro), carreira em ascensão e queda, perseguição de muitos que diziam que ela teria destruído o casamento do craque (apesar dela ter segurado a onda do alcoolismo crônico do eterno camisa 7 do Botafogo e da Seleção). Uma vida onde a trégua pouco aparecia.

Enfim, vale destacar outro disco, como disse: Deus é Mulher, que surgiu 38 anos depois de sua estreia fonográfica. Nele, há onze músicas. São elas: O Que se Cala, Exu nas Escolas, Banho, Eu Quero Comer Você, Língua Solta, Hienas na TV, Clareza, Um Olho Aberto, Credo, Dentro de Cada Um e Deus Há de Ser. Com a participação de Edgar e Ilú Obá de Min em duas faixas, este CD é um soco no estômago daqueles que há quase quatro décadas queriam reduzir Elza Soares a uma caixa de repeniques, tamborins e surdos. Neste CD a música mais curta tem quase um minuto a mais que a mais longa da sua estreia. 

Nele, do alto dos quase 90 anos, Elza explicitou uma força musical plena, com um som rítmico que mostra que a música negra tem mil visões e formas de expressão. Arranjos incríveis e trabalhados, bem diferentes do vinil etéreo e puro inicial da sua carreira. Afinal, ela já não era mais somente uma sambista a mais. Já era, há muito, uma deusa da MPB, um ícone no mundo musical, reconhecida e admirada dentro e fora do Brasil. Na faixa Eu Quero Comer Você, talvez a multiplicidade que ela assumiu em ser plural (que ela já havia mostrado três anos antes em A Mulher do Fim do Mundo) e intérprete no novo tempo. Impossível não amar este disco. Impossível não amar Elza Soares – um ser que se fez volátil para sobreviver àquilo que a vida lhe impôs. 

Uma guerreira sem par. Que lutou com unhas e dentes, garras e força contra tudo, quase todos e o destino, e venceu. Ontem, nos deixou com uma voz que ninguém teve ou terá. Que só melhorou com o passar dos anos. Agora ela irá repousar, rever seu grande amor e filhos. Agora, irá soar no céu a voz que nunca morrerá. Que os anjos e santos a recebam com aplausos e homenagens mil. Afinal, a mulher dentro dela saiu de dentro de casa, ganhou o mundo e hoje é do universo.
 
É possível ouvir esses discos no Spotify, no Deezer e no Amazon Music, além de diversos sites.

No https://pt.wikipedia.org/wiki/Elza_Soares, um pouco dessa mulher infinita.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Elis Regina no Fino da Bossa

Por Edmilson Siqueira

Eu sei que elogiar Elis Regina é chover no molhado. Sei também que ontem, 19 de janeiro, marcou a trágica morte da estrela, em 1982. Mas hoje, aqui, além de manter minha convicção de que ela foi e ainda é a melhor cantora do Brasil, vou comentar sua incrível performance num programa de TV que durou três anos como campeão de audiência (e não foi na Globo) e vou encher de elogios um homem responsável por eternizar esses momentos de Elis em companhia de outros craques da MPB, que estariam inevitavelmente perdidos e só existiriam na lembrança de alguns por algum tempo. Eu, por exemplo, me lembrava de alguma coisa, mas mínimas perto do que foram os programas O Fino da Bossa exibidos pela TV Record nos anos de 1965, 66 e 67. Pois o responsável pela preservação desse tesouro da MPB foi o grande Zuza Homem de Mello, que morreu em outubro de 2020, e que fazia a engenharia do som (ele não gostava de ser chamado de sonoplasta) nos shows da emissora de maior audiência na década de 1960 do século passado. 

Conheci Zuza quando trabalhava no Correio Popular e, entre outros afazeres, eu escrevia uma coluna chamada Farol, na revista semanal do jornal, a Metrópole. Ele lia minhas colunas, onde música era assunto constante, pois tinha uma casa em Indaiatuba onde passava fins de semana, e acho que comprava o Correio de domingo em alguma banca da cidade. Por conta da amizade dele com Nelson Homem de Mello, então diretor Editorial do Correio (à época ambos estavam tentando descobrir se eram parentes), Zuza deve ter falado sobre mim e Nelson resolveu promover um almoço entre os três, o que me deixou todo orgulhoso, pois conhecia Zuza como autor de alguns ótimos livros sobre música e, principalmente, sobre os Festivais da Record, que eu havia comprado anos antes. 

Zuza, como engenheiro de som da Record, conta nos CDs detalhes das peripécias tecnológicas que fazia para extrair dos parcos recursos à época o melhor som possível e gravá-los por perceber que naquele palco estavam ocorrendo momentos históricos. 

Elis Regina, ainda jovem, (20 anos!), mas com o todo talento que lhe era peculiar, comandava, junto com o brincalhão e ótimo cantor Jair Rodrigues, o show que trazia a nata da MPB para São Paulo, onde ensaiavam à tarde o que iria ser apresentado à noite. Orquestra completa e grupos de jazz e bossa nova (Zimbo Trio, Os Cariocas, O Quarteto, Quinteto de Luiz Loy) completavam o cenário. O auditório estava sempre cheio e não eram "claques" e sim um público pagante que fazia fila para comprar ingressos. 

Nas centenas de noites em que o programa foi apresentado, Zuza gravou quilômetros de fita de rolo. Depois tentou, por muitos anos, transformá-las em disco. O pouco caso com música de qualidade que foi se acentuando no Brasil no fim do século passado, fez com que, durante quase 30 anos, as fitas permanecessem estocadas, ainda bem que sob os cuidados do próprio Zuza. 

 Mas o fato de a gravadora Velas ter se interessado pelo acervo e transformado-o em três CDs somente em 1994, acabou colaborando para que o som extraído por Zuza não perdesse muita  qualidade. Afinal, quase trinta anos depois a tecnologia de gravação havia evoluído muito e foi possível aparar possíveis arestas contidas nas velhas fitas de rolo que Zuza guardou como um tesouro pirata. Zuza explica como foi difícil transformar em disco a fitas depois de várias tentativas ao longo dos anos: "Para minha decepção, nenhuma dessas tentativas frutificou, até que a sensibilidade e o espírito de músico de Vitor Martins, Ivan Lins e Paulo Albuquerque, da [Gravadora] Velas, os levasse a assumir a decisão de lançar essas fitas, o que foi possível três anos depois de nosso aperto de mão inicial. E não apenas um, mas três CDs de uma só vez, em álbum triplo" (na verdade são três CDs independentes).

Prossegue Zuza: "Se de um lado o tempo provocou um desgaste natural às fitas, de outro, a tecnologia digital e os recursos atuais de recuperação permitiram reconstituir, na medida do possível, como na arqueologia, o som daquelas segundas-feiras dos anos 60". 

Zuza explica também muita coisa daqueles tempos de euforia musical, além de acrescentar um ótimo depoimento de Elis, dado a ele mesmo, em duas entrevistas feitas em 1978 e 1979 para o Programa do Zuza que ele mantinha na Rádio Jovem Pan. Os depoimentos de Elis são longos e ocupam os encartes dos três volumes. Enfim, os CDs são um documento precioso do que eu costumo chamar de raízes da moderna música popular brasileira. Ali estiveram desde nomes consagrados do samba como Ciro Monteiro, Dorival Caymmi e Baden Powell, como grandes intérpretes como Elza Soares, Lúcio Alves e Agostinho dos Santos. E jovens que estavam iniciando carreiras que viriam a se tornar históricas no Brasil, como Gilberto Gil, Wilson Simonal, Hermeto Paschoal, Edu Lobo e Jorge Ben (depois Benjor). Sem contar os instrumentistas todos de grupos como Zimbo Trio, Quinteto de Luiz Loy ou a grande violonista Rosinha de Valença.

Com esse time, e muitos outros bons nomes (Ataulfo Alves tem uma apresentação espetacular, Adoniran canta várias músicas com Elis e revela, inclusive uma, até então inédita, parceira com Vinícius de Moraes) à disposição, o resultado só podia arrancar aplausos em cena aberta em quase todos os números apresentados. 

Os três CDs, intitulados Elis Regina no Fino da Bossa Ao Vivo, são o retrato de uma época em que a televisão, em branco e preto, parca dos infinitos recursos de hoje, retratava, pelo menos em alguns programas, o que havia de realmente melhor na música brasileira. Durante três anos, o brasileiro amante da boa música tinha um encontro semanal de duas horas com o fino do fino da MPB, comandado por uma cantora que se firmava definitivamente no cenário musical brasileiro e por um cantor, Jair Rodrigues (sim, o programa era mais ou menos dos dois), que com sua alegria no palco, suas improvisações e suas ótimas interpretações, acrescentava a dose exata de humor e qualidade em noites memoráveis. A grandes momentos do Fino, Zuza acrescentou duas apresentações de Elis com outros artistas em dois outros programas da Record: o Show em Simonal e o Corte Rayol Show, também campeões de audiência à época. 

Os três CDs ainda estão à venda em sites na internet, mas quem quiser ouvi-los de graça, estão à disposição no YouTube, nos links abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=lFzPjf_NZ2M

https://www.youtube.com/watch?v=TBr2UaTBiO8

https://www.youtube.com/watch?v=NuOB8VyfyBE

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Voz, violão e coração

 Por Ronaldo Faria

Voz e violão apenas. É pouco? Precisa mais? Cadê a banda? O backing vocal onde ficou?  Acho que pouco importa. A junção dos dois, voz e instrumento, já traz à tona e alma aquilo que é essencial para quem ama a música: a certeza de que o intimismo do homem com as cordas far-se-á um só. Em Solo Contigo, Geraldo Azevedo consegue isto. E certamente não precisava mais do que isso. Gravado no Rio de Janeiro em 6 de Setembro de 2018, no Imperator - Centro Cultural João Nogueira, o show traz 24 músicas de uma carreira que “começou” aos cinco anos, quando ganhou um violão do pai, feito pelo próprio. A partir daí o caminho para uma obra expressa em 25 discos/CDs e três DVDs – Solo Contigo, Uma Geral do Azevedo e Salve São Francisco (além das três edições de O Grande Encontro). Aqui vou me ater ao primeiro da lista, que é o último lançado, em 2019. 

Nele, Geraldo Azevedo se atira ao cerne da sua obra. Vê-se a parceria com o grande ator e poeta Mário Lago, Fausto Nilo, Nando Cordel, Alceu Valença, Capinan e Zé Ramalho, entre outros. Há ainda canções de Vital Farias, Chico César, Sérgio Peres e Luiz Melodia onde ele se faz intérprete. Hoje, aos 77 anos completos no último dia 11 deste mês de janeiro, o artista se aventura pelos palcos junto com Chico César no espetáculo Violivoz. Ou seja, vitalidade não falta aos nossos quase octogenários musicais. Para nossa felicidade.

Aos poucos, à medida que o tempo passa e os ídolos musicais vão envelhecendo também, parece que parte da vida fica estagnada. Mas Geraldinho, Chico, Caetano, Gil, Zé Ramalho, Milton, Tom Zé, Gal, Bethânia, Alceu e outros mostram que não. Que há vida produtiva e solar àqueles que sempre foram grandiosos. Não é saudosismo apenas. Afinal é impossível não reviver momentos que marcaram junção entre canção e emoção com “Veja (Margarida)”, “Dia Branco” (que é cantado num coro afinado da plateia), “Caravana”, “O Charme das Canções”, “Você Se Lembra”, “Canta Coração”, “Sabor Colorido” e “O Princípio do Prazer”. Como não redescobrir a força que sempre houve em “Dona da Minha Cabeça” e “Bicho de 7 Cabeças II”. Aliás, nessa última Geraldo Azevedo volta com o solo que leva o público ao delírio. Ele e o violão continuam amigos do peito e em simbiose.

O fim do espetáculo vem com “Táxi Lunar” e a vontade de entrar num desses para fazer o tempo voar à frente ou voltar aos tempos bons, rompendo com a velocidade da luz esses tempos sombrios de agora, se torna uma catarse entre o artista e a plateia. Em cerca de uma hora e 22 minutos, é possível determinar que a saudade se faça palavra extinta dos dicionários para cravar em som o presente final – aquele em que achamos que é possível eternizar a plenitude numa concha qualquer, que mar ou maré nenhum levarão. Enfim, Solo Contigo é uma joia rara nesses dias de pouca criatividade, a rememorar canções que já comemoraram maioridade há anos. Mas não é a maioridade a sentença de que atingimos o melhor de nós? Ou não? Na dúvida, cravo aposta no sabor a na emoção.

Solo Contigo está no Spotify, no Deezer Music e no Amazon Music.

Aqui, 35 sucessos do Geraldo Azevedo: https://www.youtube.com/watch?v=jKiZxqkM_8g

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

O talento de Papete

Por Edmilson Siqueira

Assim como Jobim, nas palavras de Sérgio Augusto, foi nosso melhor Antônio Carlos, Papete foi o melhor José de Ribamar que o Maranhão nos deu. Engenheiro ambiental por profissão, pouco fez pelo ambiente físico, mas elevou o ambiente cultural do Maranhão a alturas internacionais. 

Eu conheci sua música há muito tempo, quando ele participou de um festival em Campinas com “O Bonde”, singela composição que, depois, faria algum sucesso nas rádios. Mas suas qualidades todos nos foram apresentadas pela Discos Marcus Pereira, sonho de um publicitário que produziu grandes trabalhos e que faliu, como muitos empreendimentos culturais honesto nesse país. Nesse LP - Papete, Berimbau e Percussão - o primeiro dele,  Papete demonstrava mais que suas composições ou sua interpretação correta e singela: havia arroubos de um percussionista que chegou a ser considerado um dos cinco melhores do mundo. Na contracapa do disco, escreveu, mais ou menos assim, um surpreso Marcus Pereira: "Levei um amigo neurocirurgião para assistira uma apresentação de Papete. Ao final do show, ele me disse que o que ele faz na percussão é raríssimo. Um lado é independente do outro, ou seja, ele pode tocar uma coisa com a mão direita e outra com a esquerda, sem perder o ritmo em nenhuma das duas."

As qualidades rítmicas de Papete chamaram atenção de grandes nomes da MPB. Durante um bom tempo ele fez parte dos músicos que acompanharam Toquinho e também João Bosco em shows pelo Brasil e pelo mundo. 

Esse LP da Marcus Pereira, que já não tenho mais (deve estar com minha filha, que herdou todos quando decidi ficar só com os CDs) também vendeu bastante e deu certa fama ao maranhense. 

Depois, Papete gravou mais alguns discos e dois deles, que tenho em CDs, vou destacar aqui. Um é Água de Coco, onde ele mostra, com arranjos magníficos, um leque de seu talento, abrangendo percussão, composição e interpretação. E não tem receio algum de colocar sua visão pessoal em material sagrado como “Domingo no Parque”, de Gilberto Gil, “Ponteio”, de Edu Lobo e Capinam e ‘Promessa de Pescador”, de Dorival Caymmi. E juntando ainda a música típica do Maranhão interiorano, sua especialização maior, em “Cavalacanga”, de Sérgio Habibbe, completada com a instrumental “Procissão dos Mortos”, de Marcus Vinicius. As oito faixas do disco são preenchidas com três composições próprias: a já citada “O Bonde”, “Água de Coco” e “Se Num Samba”. 

Trata-se de um disco que chama a atenção pela qualidade sonora e pela ousadia dos arranjos, como em “Domingo no Parque”, onde um berimbau passeia por toda a música, criando um clima meio nebuloso para uma música que retrata uma tragédia urbana nos quase cinco minutos de duração. “Ponteio”, na visão de Papete, é apenas instrumental, onde um surpreendente teclado faz a melodia, contrastando com a percussão e a viola nordestina. São mais de sete minutos de pura inspiração e improviso. 

Sobre o outro disco, Papete mesmo declarou que se trata de um trabalho emblemático. São nove faixas dedicada à música maranhense das festas e procissões. São composições singelas, onde a festa do boi é tema recorrente. Nesse trabalho, a opção de Papete foi cantar as músicas como elas são, sem maiores arranjos, na simplicidade com que são cantadas nas festas religiosas ou carnavalescas do seu Maranhão. “Boi na Lua”, “Boi de Catirina”, “Dente de Ouro”, “De Cajari pra Capital”, “Flor do Mal”, “Engenho de Flores”, “Eulália”, “Catirina” e “Bandeira de Aço” são as faixas que compõem essa grande homenagem de Papete aos compositores maranhenses. 

Papete morreu em maio de 2016, aos 69 anos, lutando contra um câncer. Foi embora cedo, mas deixou um legado precioso que será cultuado para sempre. 

Os três discos estão no YouTube, nos links abaixo:

 https://www.youtube.com/watch?v=AgGxx2k4oME, 

https://www.youtube.com/watch?v=QvDdZBoEa4c

https://www.youtube.com/watch?v=03lfBktfRXs

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O Mestre no instrumental

Por Ronaldo Faria

Eu idolatro Angenor de Oliveira por ele ser mangueirense e fundador da Verde e Rosa ou eu idolatro a Mangueira por ela ser berço de Angenor de Oliveira e tantos mais? Eis a questão. Até hoje não fechei essa equação. Mas Cartola, assim como Nelson Sargento, Carlos Cachaça e Jamelão, entre tantos outros, são um momento à parte deste mundo chamado Samba, pelo qual sou um apaixonado. Este ano, aliás, se houver Carnaval no Sambódromo, ele, Jamelão e Delegado (mestre-sala maior da escola) serão os homenageados, com justa razão.

Mas Cartola, razão deste texto, é um daqueles casos onde o destino esqueceu e depois lembrou, para as bênçãos da música, que existia e produzia obras-primas do samba. Do Bloco dos Arengueiros que seria a essência para fundação da Verde e Rosa em 1928, Cartola teve sambas gravados na década de 1930 por nomes como Araci de Almeida (musa de Noel Rosa), Carmem Miranda (nossa embaixadora nos Estados Unidos), Sílvio Caldas (o eterno seresteiro), Francisco Alves (Chico Viola ou Rei da Voz) e Mário Reis (o Bacharel do Samba). Contudo, apenas aos 66 anos, em 1974, ele foi a um estúdio gravar o primeiro daquele que daria espaço a mais três discos, até a sua morte em 1980, aos 72 anos.

Mas eu não vou discorrer aqui sobre nenhum desses quatro discos do Mestre Cartola. Mas falarei noutros textos, deles e de outros em sua homenagem, como um do Arranco de Varsóvia. Vou ficar aqui em um que surgiu em 2008 – o Chora Cartola. Esse é um CD instrumental com 15 canções do Mestre em forma de samba/choro ou choro/samba. À exceção da última faixa “A Canção Que Chegou”, todas são um discorrer de notas e harmonias musicais com Carlos Malta (flautas e sax), Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Joel Nascimento (bandolim), Paulo Sérgio Santos (clarinete), Beto Cazes (percussão) e Rildo Hora (gaita). Na derradeira música, a voz de Moyseis Marques. E há outros músicos esporádicos e convidados em algumas faixas.

Na verdade, este CD mostra que o samba de Cartola é de uma profusão de tal beleza que nas mãos de solistas incríveis se enche ainda mais de ternura e musicalidade. Esse é um disco que merece ser ouvido num final de tarde, numa noite de lua, numa madrugada de brisa fresca, numa manhã de sol a brilhar. Enfim, a toda a hora. Tem as clássicas “As Rosas Não Falam”, “Alvorada”, “Tempos Idos”, “O Sol Nascerá”, “Acontece”, “O Mundo É Um Moinho” e “Divina Dama”, entre outras canções que se eternizaram no mundo sonoro da MPB. Como toda a obra de Angenor de Oliveira, este CD é lirismo e samba da melhor qualidade. Logo, que este ano a Mangueira possa homenageá-lo no Sambódromo, ou não, se a pandemia impedir. E se impedir, falhará no seu intento. Afinal, Cartola vive hoje e eternamente em cada acorde que o coração faz pulsar. E isso nenhum vírus vai matar.

Ps.: este disco você encontra no Spotify.
Para ouvir um pouco do Mestre (150 músicas): https://www.ouvirmusica.com.br/cartola/

A Piaf brasileira no palco

 Por Ronaldo Faria

Como escolher algo de Abigail Izquierdo Ferreira para escrever? Dos tantos discos, qual? Difícil escolha. Por isso decidi partir para um dos dois DVDs que tenho dela. Mas qual? Histórias e Canções ou Canta Piaf? Resolvi optar pele segundo, gravado ao vivo no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro, em janeiro de 2004. Nele, se junta a grande Edith Piaf e a não menos menor Bibi Ferreira. Atriz desde os 20 dias de vida, quando estreou nos palcos, Bibi tem uma trajetória incrível e premiada no teatro e na música. Para quem quiser saber mais sobre ela é importante acessar o http://portais.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/atores-do-brasil/biografia-de-bibi-ferreira/. Lá há um pouco da sua trajetória. Morta em 13 de fevereiro de 2019, aos 96 anos, Bibi nunca deixou de produzir e subir aos palcos para emocionar com a sua voz.

Neste DVD há um pouco da história de Edith Piaf, contada pela própria Bibi e por um mestre de cerimônias, Nilson Raman. E há muito da artista francesa para ser dito. Ela que foi talvez a maior cantora do universo parisiense e afins. Mas não cabe a mim discorrer sobre ela. Não sou um crítico contumaz, que sabe até quando a figura descrita deu o primeiro espirro. Assim como não serei um conhecedor pleno de Bibi Ferreira. Ela está bem acima daquilo que poderia escrever ou descrever. Mas ouvir e ver o show com ela é invadir um universo múltiplo.

Algumas músicas ela traduziu para o português e as cantou assim.  Declamou, como em Bravo Pour le Clown. Mostrou que unir música e teatro fazem do palco uma grande encenação que raros podem ou sabem dominar. Bibi sabia como poucos. Acompanhada de orquestra e coro, faz dos quase 50 minutos de espetáculo um marco de poesia e emoção. Envolve-se nas canções, as interpreta e não apenas as coloca na voz. Expressa talvez como Piaf a dor de cada melodia. E tudo com um brilhantismo só de Bibi. Nas 16 canções, um mundo à parte, de cafés, bordeis, ruas, vielas, noites, bares, amores, sensações plenas de dor e vida. Um mundo que Piaf viveu e conviveu, sofreu e descortinou, perdeu entre copos e drogas, mas eternizou na voz e encantamento que apenas poucos conseguem expressar.

Bibi a mostrou neste show de forma lírica e conclusiva. Ela, que foi a maior intérprete da francesa em terras tupiniquins, traz o épico La Vie en Rose como um eterno grito de paixão. Ao fim, sob os aplausos da plateia em pé, onde a nossa acadêmica imortal Fernanda Montenegro também estava, fecha com chave de ouro o espetáculo com a interpretação de Non, Je Ne Regrette Rien. Enfim, uma aula de Piaf, um grito de poesia, uma declaração de permanência daquilo que a arte tem de maior. Em tempo: esse espetáculo também foi apresentado em Paris e Nova York com igual entrega do público.

Aqui, um pequeno exemplo de Bibi/Piaf no medley que ela fez em Histórias e Canções: ​https://www.youtube.com/watch?v=gVD0A5kD_zs
Ps.: este disco você encontra no Spotify.


Thelonious, "The Genius"

 Por Edmilson Siqueira

Na apresentação que fiz no blog, escrevi que um disco do Thelonius Monk, comprado na loja Raposa Vermelha, de Campinas, fez minha cabeça em relação ao jazz. Agora, relembrando mais um pouco os meus primórdios do Jazz, lembrei-me que não foi um disco apenas que comprei lá. Houve um segundo que havia me fugido da memória, afinal, já se passaram mais de 40 anos. Remexendo na discoteca, quando bati os olhos nos jazzistas que começam por "C", deparei com uma fieira de Charles Mingus, o que me remeteu ao texto de apresentação. Havia um LP de Mingus também na minha iniciação jazzística. Lembrei-me até do nome, embora ele não esteja mais comigo, nem em CD: "Three or Four Shades of Blues". Era mais uma fusão entre blues e jazz, mas que serviu para que eu conhecesse um universo musical que já vinha me paquerando em alguns filmes há um bom tempo. Trios de jazz e orquestras que apareciam em filmes norte-americanos eram, muitas vezes, minha parte preferida no filme.

Feita a correção, resolvi dar uma ouvida acurada em "The Genius", título dado a um disco de Thelonious Monk que comprei na primeira e única visita que fiz à lendária Tower Records de Londres (que não existe mais) em 2001. Tinha 50 libras para comprar CDs, acabei gastando 100 e saí de lá olhando pra trás, com vontade de voltar e gastar o que eu não tinha. Era um andar inteiro (dos quatro do prédio) só de jazz. Eu me lembro de ter visto uma seção só de Brazilian Music, onde reinava absoluta a bossa nova e uma estante ao lado, só com "Milton Nascimento" e quejandos. Deduzi que não conseguiram enquadrar o nosso grande Milton e a turma do Clube da Esquina em gênero algum...

Esse CD de Monk é uma coletânea e, pelo título que foi dado, pode-se imaginar o tamanho de sua fama, bem-merecida, aliás. Ela foi produzida com as músicas de dois LPs gravados na Blue Note em 1951 e 1956 reunidas em 1989 e depois também lançadas em CD na série Giants of Jazz. 

Logo de cara, o grande sucesso de Monk, "Round Midnight" que ele compôs em 1944 e até hoje é regravada. Diz a Wikipedia sobre a música: "'Round Midnight" rapidamente se tornou um padrão do jazz e foi gravada por uma grande variedade de artistas. Uma versão gravada pelo quinteto de Monk foi adicionada ao Grammy Hall of Fame em 1993. É um dos standards de jazz mais gravados composto por um músico de jazz.

E a genialidade do "The Genius" se faz notar por todas as 21 faixas do CD, sendo 14 dele e as restantes de outros compositores, exceto uma, fruto de uma parceria entre Monk e K. Clark. Embora as gravações já tenham entre 60 e 70 anos, a qualidade é muito boa. Como eram também os participantes dos conjuntos, com destaque para Art Blakey na bateria, que viria a se tornar um bandleader dos grandes, Milt Jackson (vibrafone), Billy Smith (sax tenor), Danny Quebec West (sax alto) que tinha 17 anos à época, Shadow Wilson (bateria), Gene Ramey (baixo), o cantor Kenny "Pancho" Hagood, que comparece em duas faixas e o ótimo trompetista Idrees Sulieman.

Os discos foram considerados à época como "jazz moderno" devido às inovações apresentadas, hoje totalmente normais em qualquer grupo de jazz que se preze. Thelonious não era bem-visto pela crítica, que entortava o nariz tanto à sua postura ao piano (ele tocava bem curvado) quanto aos improvisos, executados com pouquíssimas notas, porém certeiras. 

Seu estilo foi confundido com o bepop no princípio, mas com o passar do tempo ele adquiriu um jeito próprio de tocar e compor, tanto que algumas criações suas viraram standards do jazz, como "Epistrophy", "'Round Midnight", "Blue Monk", "Straight No Chaser" e "Well, You Needn't", das quais, as duas primeiras podem ser conferidas aqui. 

Esse CD em particular, não encontrei disponível no YouTube, mas no link abaixo, estão várias das músicas do "The Genius" além de outras mais. 
https://www.youtube.com/watch?v=NYj61DQzaQs&list=PLBZmD4G_qXo68jkEOw5a18qujtuiTB_zA

Bromélias, mar e Bossa Nova

 Por Ronaldo Faria

Roberto Menescal é um compositor por quem eu tenho admiração profunda. Ou, como ele se mostra no seu site (https://www.robertomenescal.com.br) um instrumentista, compositor, cantor e produtor. Em boa parte, claro, por ter sido um dos caras da Bossa Nova. E como carioca e amante da música, sou bossa-novista convicto. Sei que pode ser retrô, vintage, coisa de velho, parado no tempo etc. Mas, num tempo onde o futuro já perde há muito para o passado, reminiscências valem muito. Ainda mais quando se remete ao Rio de Janeiro que era certamente uma cidade maravilhosa, solar, abençoada pela natureza, com uma gente que não tinha perdido a essência de viver e sonhar. Aonde a música nova chegava para encerrar a melancolia de dores mil e amores perdidos e traídos. 

Enfim, o que escolher do Menescal?  Minha opção foi o CD/DVD de 2017 gravado para um especial do Canal Brasil, em comemoração aos seus 80 anos. Uma raridade que inclui um time pra lá de incrível. O elenco musical que o acompanha em 17 músicas não tem como deixar de reverenciar: Marcos Nimrichter, Wanda Sá, Jorge Vercillo, Quarteto Do Rio, Luiz Pié, Paulinho Moska, Zélia Duncan, Marcos Valle, Zé Renato, Ney Matogrosso, Danilo Caymmi, Cris Delanno, Lenine, Verônica Sabino, Joyce Moreno, Leila Pinheiro, Fernanda Takai e Leny Andrade. Sem dúvida, são 80 minutos de voltar no tempo, misturar lembranças e “cantanças”. De descobrir que vale a pena ter saudade.

Cada música é antecedida por uma explicação sobre ela. Assim é possível ouvir histórias do Ronaldo Bôscoli e seus amores que viravam composição para tentar salvar a barra com as amadas. Histórias das pescarias em Cabo Frio com a turma da Bossa Nova, onde um barco com problema a deriva acabou virando O Barquinho. Da noite devorando a beleza do entardecer solar a se transformar em Nós e o Mar. Um pouco da Nara Leão, musa da Bossa Nova, responsável por juntar a patota no seu apartamento e que roubou o coração na infância do Menescal e depois do Bôscoli. Aliás, ela foi a responsável por arrancar Menescal dos escritórios da PolyGram para devolvê-lo à música depois de 15 anos sem gravar ou tocar. Para cuidar de Nara, com câncer, ele optou por comprar um violão novo e retomar a vida de estrada.

Enfim, o documento dos 80 anos desse instrumentista, compositor, cantor e produtor é, sem dúvida, um libelo para os ouvidos. Como aqui é um espaço para mostrar a paixão pela música, independente das mil críticas, certamente muito mais elaboradas, que já saíram sobre este CD/DVD, vale mostrar meu agradecimento à Bossa Nova por ter ela existido. Certamente quem visitou seus acordes e viveu no Rio antes da perda da sua alma brejeira, sabe que há vida inteligente no planeta – excluindo críticas daqueles que acham que essa é uma expressão pueril de um povo da Zona Sul. Mas, cada um com seu cada qual.

Por fim, um final engraçado. Onde Menescal conta que uma repórter de tevê linda, de seus 22 anos, vai à sua casa fazer uma reportagem sobre bromélias. Ele tem como hobby o cultivo de bromélias. Sempre perguntando se estava bem arrumada nas passagens, ao fim a repórter resolveu dizer que tinha uma surpresa. Que ela queria saber que, se além de cultivar bromélias, ele tinha algum hobby. Para espanto da mocinha, ele falou que gostava de música e fazia música. Surpresa, ela fechou a reportagem dizendo que seu entrevistado, além de cultivar plantas, era músico. Logo, se você quiser ouvir um pouco desse “bromelista”, segue a dica: https://www.ouvirmusica.com.br/roberto-menescal

Azul da Rosa

 Por Edmilson Siqueira

Ela já foi considerada uma espécie de João Gilberto de saia tal a qualidade que imprime em suas interpretações. Mas Rosa Passos não se intimida com tamanha consideração: segue seu rumo fazendo história dentro da MPB como uma de suas mais singulares intérpretes aqui no Brasil e em vários palcos do mundo, como o Carnegie Hall, onde fez um concerto solo para americanos e a Blue Note, lendária casa de jazz de New York.

Sua discografia é vasta e nela se destacam tanto composições de grandes nomes como trabalhos um tanto quanto desconhecidos e também uma lavra própria de alta qualidade. Suas composições serão objeto de um artigo aqui, com certeza, mas hoje quero botar o foco nas belas e sensíveis interpretações de alguns dos nossos grandes compositores reunidos num só disco.

O disco se chama Azul, nome de uma das músicas de Djavan, que está presente em cinco das treze faixas. Foi produzido pela gravadora Velas e lançado em 2002. Os outros compositores premiados com a interpretação de Rosa Passos são Gilberto Gil e João Bosco com Aldir Blanc, Capinam e Abel Silva.

Desse seleto grupo da mais fina MPB, Rosa selecionou joias que fizeram sucesso e outras desconhecidas do grande público apesar da qualidade de seus autores. A novidade aqui é o estilo e a voz da cantora, que veste nova roupagem em cada uma das músicas escolhidas e dão a elas uma digna sobrevida nas vitrolas (cd players, né?) do mundo. 

“Desenho de Giz” abre o disco e Rosa não economiza alguns agudos que normalmente não fazem parte de suas interpretações sempre comedidas e exatas. O bolero de João Bosco e Abel Silva com referências a “Molambo”, ganha arranjo de cordas e sopro de Proveta que embelezam a melodia. 

Djavan, o mais reproduzido no disco, aparece na segunda faixa com o sucesso “Samurai”. Rosa optou por um balanço mais marcado que a gravação do autor. A seção rítmica, com bateria e percussão, no arranjo de Lula Galvão, se destaca durante toda a música e com os metais dando um colorido especial ao conjunto. 

A terceira faixa é de Djavan também - “Aliás” - e nela Rosa assume uma interpretação mais intimista como exige a canção de amor que é entremeada por um belo improviso de guitarra de Marcus Teixeira.

O arranjo de Proveta se destaca também na quarta faixa, “Papel Marché” que o próprio João Bosco gravou com grande sucesso. A letra de Abel Silva, um achado, ganha mais delicadeza na voz de Rosa e o belo arranjo de flugelhorn de Walmir Gil completam um quadro sonoro delicioso de ouvir.

Gilberto Gil chega na voz de Rosa com uma das suas mais antigas composições e que causou certa estranheza à época, não pela música em si, um gostoso samba, mas pela temática, já que Gil, um baiano recém-chegado ao Sul, enveredou por um tema carioquíssimo. E claro, se saiu muito bem com “Mancada”, escrita em 1966. Rosa se mantém fiel à gravação de Gil, sem maiores arroubos, passeando pela melodia com a tranquilidade normal de grande intérprete que é.

E Gil continua na voz de Rosa na faixa seguinte com “Ladeira da Preguiça”, um samba cheio de balanço, de difícil interpretação. Claro que Rosa se sai bem na missão, complicada talvez pelo fato de a música ter sido gravada por Elis Regina numa interpretação exuberante. Mas Rosa não parece se inibir e bota sua marca na música que só tem a ganhar com mais essa gravação. 

Na faixa que dá título ao disco - “Azul” - com arranjo de Lula Galvão, ganha destaque a seção de metais, vibrante e em contraponto com a voz de Rosa, comedida, sem maiores firulas, dando luz própria ao sucesso de Djavan.

João Bosco e Abel Silva são os autores de “Quando o Amor Acontece” e Rosa canta a música como se fosse uma velha conhecida dela, com a “sofrência” dos belos versos e sem cair na armadilha de querer imitar a gravação de João Bosco. Rosa sabe das coisas. 

Nas músicas seguintes “Açaí” e “A Ilha”, ambas de Djavan, Rosa continua a nos mostrar seu belo timbre vocal, principalmente na segunda, um jazz abrasileirado, numa bela letra do autor, até fugindo um pouco dos devaneios poéticos que lhe deram fama. 

Uma música pouco conhecida de Gilberto Gil - “Mar de Copacabana”, de 1983, recebe de Rosa uma delicada interpretação e a seguinte é outro desafio, pois ela traz “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”, de João Bosco e Aldir Blanc, também gravado por Elis Regina e que até hoje frequenta as boas rádios do Brasil. Rosa registra sua interpretação sem maiores problemas, brincando no final com o mesmo bolero que Elis introduziu, acrescentando alguns scats que dão mais brilho ao final do sucesso da dupla.

“Amor Até o Fim”, outra antiga de Gil (1971) encerra os trabalhos dessa intérprete única da MPB. Um samba de Gil que serve a várias divisões vocais que só os grandes conseguem fazer sem perder o ritmo e solidez da interpretação. 

Enfim, Rosa nos mostra nesse disco porque é considerada, com justiça, um pouco acima da maioria das cantoras brasileiras e admirada aqui e no exterior.  

O link para ouvir Azul de Rosa Passos: https://www.youtube.com/watch?v=THdcd9nPQVg

Um Céu de música

 Por Ronaldo Faria

Conheci o Céu da Boca ainda na PUC do Rio. O grupo foi formado em 1979. Na sua composição inicial, Paula MorelenbaumMaucha AdnetMárcia RuizVerônica SabinoRosa LoboPaulo MalaguttiPaulo BrandãoChico AdnetRonald Valle e Dalmo Medeiros. O Malagutti, o Paulinho Pauleira, estudava na minha turma de Comunicação. Entramos em 1978 na PUC. Ele na época estava também, como a quase totalidade do Céu da Boca, na ProArte, no Rio. Depois de dois anos de faculdade, desistiu do Jornalismo e foi se jogar de cabeça na música, onde criou o Arranco de Varsóvia e agora é integrante do MPB4. Enfim, curti o grupo no Teatro Ipanema inicialmente e vi, em 1981, eles lançarem o CD homônimo. Depois, em 1982, lançariam o Baratotal. E daí cada um seguiu seu rumo. Aliás, onde só existia a nata emergente da MPB, todos voaram alto. Tanto que nos anos de 1981 e 1983 o Céu da Boca ganhou o prêmio de Melhor Grupo Vocal, conferido pela Associação de Críticos de São Paulo.

No primeiro disco eles traziam Assis Valente (Uva de Caminhão), Zé Rocha (Bumba Meu Boi da Boa Hora), Alberto Rosenblit/Luiz Fernando Gonçalves (Luciana), Luiz Eça (Melancolia), Aylton Escobar (Sabiá, Coração de Uma Viola), Ernesto Nazareth (Odeon), Armandinho/Moraes Moreira (Davilicença) e Eduardo Dusek (Injuriado), além de composições próprias de Paulinho Pauleira (Clarissa) e Dalmo Medeiros (Trindade, Arado e Araguaia, esta última em parceria com João Fernando Vianna).

Acho que o Céu da Boca foi aquele antagonismo musical e emocional: te faz explodir de emoções e sinergia enquanto existe e te cobre de musicalidade e genialidade quando termina. Afinal, como não amar o trabalho posterior de cada um deles? Falarei em futuros posts ainda sobre alguns dos membros do grupo de quem virei tiete e fã incondicional. Mas este disco – Céu da Boca - é um interminável ouvir de belas canções, interpretações incríveis, sonoridade plena. Para mim, rola sempre quando quero relembrar meus tempos de carioca e, mais do que isso, saber que vi o surgimento de tantos artistas fantásticos num lugar só. Tipo o Asdrúbal Trouxe o Trombone, que aliás tem um disco também incrível do qual falarei.

O Céu da Boca de certa forma contrastou com grupos vocais à época que incluíam ou só homens ou só mulheres. Eles misturaram tudo na dose certa e mostraram que vozes masculinas e femininas se completam e se locupletam na medida exata quando há sonoridade e qualidade implícitas no todo. E esse disco e o Baratotal são a prova máxima disso. Eu se fosse você nunca deixaria de ouvi-lo. O link para ele é o https://www.youtube.com/watch?v=jnVun5qNCe4

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...