sábado, 8 de julho de 2023

Celso Fonsequeando 3

 Por Ronaldo Faria

 


Como será o amanhã? Que ressacas serão? Terão nome de mulheres, paixões, emoções, dores de cabeça ou apenas desaparecerão? Comerão um meia-lua no bar que não mais existe? Andarão em andrajos e pés trôpegos nos sonhos calcinados? Brincarão de dois num corpo só, solitário e em sofreguidão? Saberão ou saber-se-ão? Sei lá...

Quem de fato, ser fátuo, saberá? Será como o sopro de um saxofone no meio de uma música do Chico? Ou apenas um verso requenguela, daqueles que cai da página pela janela? Como o jogador maior de futebol de mesa dedicado à iugoslava que no continente era alemã? Na verdade, essa vida é só mera esfera de sequer poder brincar?

Por que vivemos numa vivenda esférica de onde a água não cai se sequer sabemos quando cairemos quicando para um mundo melhor? A pedir logo à madrugada que se esfalfa para chegar fechamos um saco de lixo reciclável para sermos um ser a mais afável ao mundo que não depende daquilo que acreditamos sermos nós no logo após.

 

Na foz da poesia, a azia se faz profana, ainda mais para quem nem vesícula tem mais... Obrigado Celso Fonseca por ser eterno e terno professor.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Celso Fonsequeando 2

Por Ronaldo Faria


Quem faz bem a quem? Estará tal ser aqui ou no além?

O homem, na aquiescência que o abstrato no substrato de nós dá, caminha nas areias de Ipanema como se fosse na eternidade um simples fonema. Algo que brinca de tracejar pra lá e pra cá aquilo que não sabe denotar de par. Já andou por sobre trilhos de trem, escapou de pivetes, correu ladeira abaixo de um ladrão do Méier, vagou embriagado onde o diabo jogou o pão que amassou, se escondeu em colcha de retalhos para crer que não seria estraçalhado. Foi, fortuito, fugitivo, famélico de querer. Quem sabe, quilombola de um quilombo perdido nas perfídias de história qualquer, encontrou, por fim, sua derradeira mulher. E deitou quieto, aquietou num lugar apócrifo e, creiam, sequer vomitou. Foi apenas ele, enlouquecido e aquecido de goles ou roupas do Vietnã. Foi viajar na Jamaica, baseou seu universo num pedaço de papel o seu véu e se esvaneceu de porvir seu por vir numa data inusitada da menor fé.

O homem, menino na verdade de quem quiser crer, até acreditou pudesse domar os ventos, a foz do rio, falar com Deus. Mas qual, era apenas ínfimo ser, sem palco, orquestra e vocal. No desterro do fugaz enterro frugal, a fragilidade que sequer a maldade sabe desenhar ou desdenhar. Afinal, qual será o lugar final e fetal? À espera da próxima música, a versejar, o aprendiz a sonhar descobre que nem o mais pobre dos mortais se enternece da noite clarear.

Celso Fonsequeando

 Por Ronaldo Faria

 


Venham sombras da noite e os açoites que nos percorrem em pesadelos sem zelos num tentar dormir em paz. Cheguem, porém, na aquiescência da vida, generosos e zelosos. Deixem-nos, ao menos, memorizar em mármore de carrara a fugaz fervura de algo ser. Afinal, quantos anos, dias ou minutos mais? De quanto tempo a eternidade se perfaz?

No canto do bar que se derrama na esquina onde qualquer quina serve de anteparo para um bêbado trôpego poder viver, o pranto não tem lugar. Talvez saudades travestidas de mulheres vestidas de lingerie e toques de almíscar a esvoaçar nas nuvens que esperam gotas de chuva chegar para parirem seu viver.

-- Tocar violão de ser bão. Tentei aprender para viver o mundo de uma morena clássica. Não consegui. Hoje resta babar por quem sabe fazê-lo...

Na imensidão que um quadrado dá, sob a luz de milhares de pontos de uma tela esteta, o pseudo poeta vai a vomitar saudades, calamidades e chamados vãos, em vão. Quem sabe um dia uma nova anestesia não permita tudo esquecer, reencontrar o rabinho peludo a balançar, saber que nada mesmo há de saber.

-- Cantar, como é bom cantar. Desopila o fígado, tira as rugas do rosto, oxigena a frágil mente, deixa a gente a crer que vale a pena ser.

Na ilusão premente que cada um mente pra si, os dormentes de um trem que nunca chegará na falta de casais a chorarem o despedir, na loucura daquele que busca o vagão de onde chegará seu repente, quiçá réquiem e refém. E assim, assintomático, em sofisma, vamos a ouvir quem nos diz que ela é carioca...

terça-feira, 4 de julho de 2023

Paulo Freire e São Gonçalo

 Por Ronaldo Faria

 


Com a lua cheia no céu, seara qualquer, num canto recôndito São Gonçalo faz abençoar o violeiro que dedilha sua música e seu cantar. Num lugar onde o lagar e só o largar da pinga goela a dentro, adentro a vida como fosse fermento a ver o bolo sovar. Como fosse um ébrio que se desgarra da reta e cai, soberbo, num meio fio que apenas frio tem. Tênue, o homem busca o hímen notívago que não existe e persiste solitário riste e firme. Como um marujo perdido no derradeiro cais do porto. Talvez um atávico ser que tenta apenas, a duras penas, sobreviver com altivez. Senão, um inócuo binóculo que apenas enxerga entre lentes, vidros e frigidez.

Mas a lua cheia que se esgueira no céu escuro se faz calada, sob uma árvore caiada e quase caída, de branco, sombreia a luz que o luar irreal derrama na terra onde brota o impassível amor. Em flor, as plantas transplantadas em fulgor se espalham no chão que espelha o rosto da moça mais fagueira que a figueira centenária viu. Como um socó que dorme e ressona na copa esverdeada, o sonhador olha para o céu e vê pequenos pontos de luz, clarões esparsos e dispersos como disparos de um bacamarte qualquer. Não muito ao longe, o rosto avistado da mulher. Lívida, quieta, faz-se presta ao violeiro que anuncia o amor altaneiro, primaz e primeiro.

Contudo, creiam, a lua de São Gonçalo haverá de reaver a fé na infinda e benfazeja crença do novo alvorecer. Quem sabe não existirá um louco a gritar nalgum lugar feito profeta de um esteta a voar e revoar seus incertos incestos entre a poesia e o jogral que desvanecem na voz do imberbe que crê no mero flerte. Na praça onde o coreto deixa a banda tocar, um bêbado lança seu olhar além-mar, mesmo que as ondas batam somente milhões de pés após. E pensa o escrevinhador: “caberá apostrofe só para rimar?” No dedilhar da viola, formosa moda se faz em corda. E lá onde o mundo se acaba a festa e se refastela de crenças, descrenças, inhambu chitão e xororó.

sábado, 1 de julho de 2023

Nordestino Jovino Santos Neto

Por Ronaldo Faria

Ah, meu Nordeste... por quê estás tão longe milimetricamente se existe em mim na carne que ainda bate simultaneamente? Onde estão teus cheiros, esmeros, fontes de água límpida e risos destravados de dor, como imagina o filho desterrado de cá?

 


Embriagado de desejar ser e estar, a vagar, Juvêncio corre entre árvores mortas, capim seco, cabeças de gado já descarnadas por carcarás, pequenas covas que guardam corpos de gente que nem vingou. Seu cavalo percorre picadas, foge de espinhos que sangram o mais forte dos vaqueiros, vira sem eira e nem beira à vontade das mãos que o chicoteia. Para ambos, uma estrada à vista, onde a vista anseia caminhos nunca trotados, tratos nunca criados, vontades nunca feitas. Em cenas refeitas e desfeitas, a fresta de uma porta esconde a mulher posta em trejeitos nus e beijos perdidos e urdidos, ardidos, feito a ferida que vislumbra, translúcida, a certeza de nunca sarar.

Mas Juvêncio não para. Segue em frente sempre, fronte molhada de suor e rasgada de rugas profundas que lhe correm a face. Sabe que em algum momento, nem que seja em lamento, seu destino chegará. “Ave Maria de lá”. No alpendre da fazenda deixada para trás, o pai dorme na rede dependurada de acordo com o lastro de sol. No poço logo perto, de água salobra e quente, os animais matam a sua sede de querer na Terra ainda ficar. O vento traz uma brisa tênue e fugaz. Em algum lugar deve haver o nunca mais. Resta somente saber se será aqui e agora ou para depois de algo que se esvai. Na crina molhada do cavalo descem gotas que abrandam a chegança mansa.

Feito ser imperfeito, Juvêncio trilha um universo onde há de tudo, menos verso. Talvez sílabas soltas, rotas, feito louças que se quebram em translúcidos cacos que cortam o quase anoitecer. O sol lhe queima os olhos, a poeira traz uma névoa dispersa que parece ter pressa de dispersar. Seu cavalo, único amigo de agora, corre enlouquecido nas derradeiras forças que restam. Mais um pouco, cairá decerto. Feito decreto divino de algum feitor, roubará os últimos minutos, nas notas de uma canção dedilhada em anginas mortais, desfará as certezas que nem o maior ébrio do lugar poderia crer. Cansado, depauperado, Juvêncio para seu animal e, descrente, nada mais anseia.

Lembra o passado, sua filha a buscar os raios da manhã, num olhar distante de quem sabe a morte infame e sórdida logo chegará. Seu mundo desgarrado, destratado e desamparado, partido entre meios, entremeio atado, parece um poema que nem em prece perceberá ser sagrado. Untado de pó marrom e segregado, Juvêncio já não cavalga. Apenas senta, encarquilhado, e vê as primeiras estelas chegarem. Achega-se a si mesmo e, a esmo, dilacera o que, além da serra, pode se ser vida ou vastidão. E apenas fecha os olhos, chora seu mundo final e descobre, afinal, que tanto trilhar termina sempre, invariavelmente, num escuro, infértil, inexistente e inócuo lugar.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Em cantos e poesia

Por Ronaldo Faria


Vem meu anjo ou santo da poesia e letras, acordes e alforjes do passado, e me tragam do que falar ou vociferar. A ouvir um perdido Em cantos e poesia volto à minha tese de que Pernambuco é, sem dúvidas, o maior berço musical do Brasil.

E o tempo? O que é? Tão rápido e inócuo, desses que vem e voltam em invólucros que nunca saberemos, é somente um parágrafo ágrafo num turbilhão de letras e sílabas, balbuciadas e expostas em postas de carne viva e viúva numa esquina qualquer.

Talvez uma filigrana de emoção, uma inaudita razão sem amores em cisão. Quem sabe a calada e tardia madrugada que se expõe, os corpos que latejam em ilusões. Às açucenas ou falenas, a certeza de que inebriantes canções se abraçarão na noite.

A sentir o sabor das ruas de Olinda, dos seus casarios e ladeiras nos tambores da madrugada, da dança descoordenada, a incerteza profética de que o fel pode dar mel. Do vinho à cevada, a certeza de que no mundo, inócuo, há fantasmas e também fadas.

terça-feira, 27 de junho de 2023

Daquilo que virá

 Por Ronaldo Faria


 O poeta/aprendiz profetiza na insígnia do amor que em algum lugar existirá a continuidade da vida antes da eternidade. “Menos um órgão para falhar”, pensa o escritor enquanto preenche de letras pretas o branco da tela a piscar. Aos ouvidos, Zé Renato a trocar audição e poemas tresloucados, daqueles que surgem do nada e para nada vão. Certamente não em vão...

Afinal, haverá algo depois daqui? Só saberemos após fugirmos daqui. Se fuga há, saber-se-á. Certamente, pelo que já vi e vivi, não. Só um juntar de cinzas pai e filha, nada mais. Mas, como diria qualquer ébrio recente, haveremos de nos enganar. Na noite quase fria que chega, o aconchego trôpego da amante que nunca se dá, a paráfrase do que não se abstrai jamais.

Nas plêiades da vida (eita palavra velha), a performance de uma peça que resistirá ainda até a cortina derradeira baixar. Mais alguns atos performáticos, aplausos de casa cheia, merda no camarim, bilheteria chinfrim e sem aplausos do depois. Mas, foda-se! Cada um em seu cada qual, desigual, informal, impreciso e abismal. Apenas um na noite que enseja o amor.

Na mesa de canto, quieta e tresloucada, onde dois se fazem um e perfazem o suor que virá no depois do ser nenhum, só dois, a nuvem de cigarros acesos tem acesso ao ar fresco da quase madrugada que afaga a cena translúcida à vida. Como qualquer paixão, a insana cena flui entre um misto de tristeza, perda e tesão. Às próximas horas caberá a derradeira sofreguidão.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Arlindo Ricarte Jr

 Por Ronaldo Faria

Descobri que sobre ele pouco há, mas o seu CD já é cotado a R$ 45. Ou seja, quase uma dúzia de cerveja em lata. Contudo, não vale vendê-lo além de ouvi-lo. É pouco dinheiro para tanta poesia. Assim como é pouca a certeza de que haverá quase nenhuma leitura de texto escrito além de parca legenda. É foda o tempo passar tão ligeiro que não deixe nem quase baião ou mera canção ficar no derradeiro centeio de um trigo que não florescerá. Daqui, às três horas e algo de um domingo feminino e de mães, mamo outra vez a revelia da sangria que desabrocha na flora que aflora nalgum lugar. Do seu canto (coisa de lugar) Arlindo Ricarte Jr há de tal lembrança reverberar. Senão, fica a declaração de amor à Iolanda.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Billy Blanco

 Por Ronaldo Faria


Ele subia o moro quando parou, entre a bebedeira da madrugada finda e a feira que já se montava, para garantir centavos e alguns avos tardios na caderneta do homem que vendia desde a mãe até a vadia que nele grudara pelo insensato feto que paria. Subia e parou porque um sambista sorvia um gole de cachaça e entregava ao vento sua voz que cantava a derradeira morte na horizontal.

Mas ele continuou a subir. Cambaleante e trôpego, translúcido ao último luar e itinerante de emoções sem noção, coisa de quem titubeia em praguejar nas mesas de bar e o inaudível cantor da própria solidão. Em vão, dá bom dia à lua tardia que se esconde e sequer sabe que há desvão. Certamente, no barraco, uma morena o espera para redescobrir o amor que ama em apenas ser bom.

E assim continuou, nas sinuosas ruelas cercadas de tijolos e telhas de amianto, como tudo fosse um simples pranto disperso. Um subir quieto feito incesto e cataclismo, perplexos de sê-lo. Tem vontade de lamber um selo e mandar carta à amada para que ela o receba com carinhos e beijos, café quente na mesa e desejos de “rolar”. Mas, qual nada, há somente a chegada do mesmo nada.

Mas lá foi ele, a pensar que um Deus que deixa tantos morrerem à mingua, ainda pode existir ser bom. Mas, ao menos, tem o lampejo de ver que está sob o domínio de goles e golfadas e diz com sua razão: “Fodam-se as regras do mundo, já que estamos lá no fundo”. E subiu os últimos metros de terra, cheirou os derradeiros cheiros que o dia que nasce dá e brincou de poeta ainda poder ser.

Parou defronte ao barraco que teimava em não descer ligeiro morro abaixo e agradeceu o pouco que derramava dos olhos encharcados de saudades e riquezas inexistentes. Por sorte, a birosca do Noca estava a fechar as toscas portas. Pediu a última cachaça, sorveu o penúltimo gole e deitou sob a árvore morta no tempo a ver o sol que rebrilhava no chegar qualquer que vertia num sequer.

Começou a cantar sem uma letra saber e fez-se Pavarotti num samba eclético e profético nunca cantado antes ou decantado entre alas e baianas cariocas na avenida. Apenas o foi, nas falácias que a vida dá. Achou que era, viu-se em quimeras, sorveu o fel e o mel que a vida dá. Porém, sem saber, morreu. No jornal popular do dia que enxugava o suor, virou pé de página: “Malaco torra na dor”.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Cazuza na madruga

 Por Ronaldo Faria


Cazuza na madruga. Mandrágora que dá gargalhadas diante do nada da troca de óculos e da falta de ósculos da amada. Uma ou outra sensação na pulsão do coração. Que o assim seja e se anteveja nas vestes largadas e tragadas das ilusões que invadem corpos e mentes nos espaços e percalços que a vida dá. Que os panos da derradeira cortina do palco que impõe tragédias e comédias no teatro atávico da casa/maternidade até a sepultura/forno venda seus ingressos pregressos e futuros para a plateia ateia e crente de que cada “verdade” emergente é real ou ausente. Se for ou não, que o falsete das notas e versos se faça num aríete que destrua minaretes sem fim... ou a fuinha que tem no focinho o saber de morrer ou amar. Madrugadas, botecos, poesias e afins, um dia chegaremos ou findaremos lá.

Ps.: as melhores camas não são as hospitalares, mas as que dão paixão ao invés de drenos e as que se enrolam de corpos, peles e suores ao invés de pessoas de branco em cancros de parecer de boa para pagar as contas que irão cair.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Novos e velhos baianos

 Por Ronaldo Faria

À espera da próxima cerveja gelar, o limite entre a alegria e a amargura. A finitude e a plenitude. A vacância dos próximos dias e a dialética tardia. Haverá? Em qual diapasão? Na dialética métrica da razão ou na irracionalidade do senão? Saber-se-á. Mas, afinal, algo sabemos do próximo segundo? Será ele fecundo ou findo? Notas, acordes e um acordar sonoro ou o silêncio discrepante e infante que nos desdobra em lençóis que nos deixaram descobertos feito fetos a chegar no mundo?

A ver e ouvir Novos Baianos, antes de dupla morte em falta de sorte, vem a incerteza sincera e deletéria que não quer derrear. Desde meu passado atávico e territorial, quase um armorial, até a chegança do tanto faz ser, estar ou ficar letal. Na verdade, os da casa não sabem a joia que tem. Nos ritmos dos inexatos e nem sei, vamos caminhando em andrajos e lantejoulas, para o mesmo mundo que era de um El-Rey. No copo em cópulas com o borbulhar da cerveja, a infinita chegança do até onde poder chegar.

 II

Sonoridade e sororidade em idades uma hora já não nos cabem. Ou não? A resposta, posta, só a alguns caberá... Aqui, estou de peito aberto a descobrir.


segunda-feira, 12 de junho de 2023

Gilviandando 2 (para boêmios, aposentados e doidões da madrugada)

 Por Ronaldo Faria


 

Aonde escrever os últimos versos, desses que se deixa como epitáfio e coisa grafada na cova que não existirá?

Aonde perpetrar as últimas ideias, aquelas mesmas que surgiam sabe-se lá de onde vieram no vocábulo finito?

Aonde frigir os derradeiros versos, cataclismos perplexos de uma existência entre a lucidez e o hermético plexo?

Aonde cantarolar a saudade que não passa e perpassa nos istmos que unem lugar nenhum até nenhum lugar?

Aonde ondear as ondas que batem na praia que se espraia feito passageiro que perdeu sua última viagem?

Aonde perpetrar a infundada e estapafúrdia prosopopeia deletéria que se faz infausta e quase delirante aquiescência?

Aonde reverenciar nossas loucuras, agruras, semeaduras e viver como enfeitiçados de uma única e sublime mulher?

Aonde reviver um viver a quem não daremos explicações, satisfações, emoções derramadas como esmola de ter?

Aonde conquistar o palco que irá desabrochar a cortina vermelha em centelha que não se apaga ou se apega quiçá?

Aonde viver o lugar em que o passado e o futuro, nesse presente ausente, far-se-ão uniformes e algozes apenas por ser?

sábado, 10 de junho de 2023

Gilviandando

 Por Ronaldo Faria


Na passagem do passado, ultramarino e largado, ladeado de tempos, temperos e prosa, vem do fundo a frase em grifo: “É foda!” É foda seguir sem querer, ter que ir sem ter porque, caminhar até que o corpo não possa tremer ou temer.

Na verborragia que se intromete entre a sede e a orgia, picos de glicemia, os entreveros daqueles que versejam como marinheiros sem porto ou canção. Moribundos senhores a quem se pede apenas a pena a troçar e escrevinhar, aquém.

Na costa aonde a onda não bate, a poesia que se traveste de azul e de verde para deixar a terra mais viva. Para sorrir de soslaio para qualquer vida, dizer que não se fez aguerrida apenas por ser. A somente crer e, quem sabe, até descrer.

Ser talvez um pedaço de atabaque e tamborim, afoxé e até coisa chinfrim. Ou nada ser. Algo que parece prece e parafernália, dessas que a gente quer somente um amor que se chame Amália. Quem sabe, no fim, Amélia também valha.

E destemperar como louco ao ver o tempero fazer da gororoba mais do que uma alucinógena sobra. Pedaço de arquétipo milimétrico e aquiescente de toda uma vida. Sentimento alucinógeno de bolhas, colarinhos e sabores mil.

Porque, enfim, no sempre fim que sempre há de se caminhar nas cruzes e obuses que varrem o chão, descer dias transversos. Como o aprendiz de poeta que passeia no passado e anseia a ceia de sexo, amor e tesão que dorme na criação.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Lulu Santos

 Por Ronaldo Faria

 


Notívagas e vagas vogais que se misturam em consoantes, recondicionadas de emoções e junções nas sílabas que sibilam entre as frestas que todas as festas trazem e traem. Entre a comédia de uma Cinédia ou a dor de um tordilho que corre na vastidão. Na transpiração do amor que o sexo dá, a transposição da cisão entre o passado e a passagem para a vida que perfaz. No entremeio e no meio de tudo, a canção. Unção e remissão.

Lambidas e beijos num quarto de cama redonda e luzes que invadem a cena encenada há anos nas centelhas que a lembrança não desfaz. E perfaz a performance que falha na ansiedade que transpõe a vontade de ser e estar no restante que o restart dá. Coisa de um Quasimodo que é quase – quase ser, quase torto, quase modo. Simbologia da orgia que desvai nos segundos e põe dois a se entreolharem, nus, no espelho que mostra pelos e peles.

Imaginação que sopra no cangote feito fagote em orquestra numa sinfonia apócrifa e gótica. Na lógica do amor, a dor da separação que se transmuta em algoritmos que não têm ritmo e nem razão. Mas se trocam e se tocam à distância na infame realidade que prescinde da verdade. Dois juntos na louca razão de sentimentos e pensamentos, como fossem ambos unguentos de uma fantasia dessas que se conta entrecortada de separação.

Na superação do longe estar, uma estrela fulgura como star. E chega aos dois como uma rachada recheada de rompantes ilusórios e retóricos, que superam a própria dor. Dor de mais um dia longe, de mais uma junção desfeita, da perfeita treta que corre em cama de rodas, chão sem tapete, vinhos enviesados e derramados na ação. Na canção, a mansidão que só se faz no sossego do depois, na trama que a tramoia transpôs na curva da ilusão.

E assim, no acidente que todo Ocidente traz, nos seus pecados de afagos e amores desvairados, pegadas que se afundam no redemoinho de moinhos de ventos e ventres, o brincar de esconder e se fartar, à espera de um asilo juntar e untar. Senão, que a hora, que já é, seja a certeza de sensações cruzadas, emoções resvaladas, brincadeiras caladas. Até que o verso do poeta resvale no momento em que a vida nada mais seja do que imensidão.

terça-feira, 6 de junho de 2023

No taco da (Fernanda) Takai

 Por Ronaldo Faria


 

Cancioneiro sem canção, vaticínio sem vastidão, saudade sem solidão. Universo entre o fim e o verso. Verborragia em reverso. Limite da imensidão. Sortilégio de um camaleão. Tudo a se esvair sem razão. No vão entre duas vidas, a visão de um quaternário saber.

Amor sem cacófatos e iluminações, um transbordar e bordar de emoções. Entre a vontade de desaparecer e continuar a ser. Lâmpada a esquentar o voo da mariposa que pousa para morrer. Na ilusão, varre-se o frágil momento que chega na unção da canção.

Indulgente indigente que na calada da noite ensurdecedora doura a pele com os raios que descem dos faróis. Na chegada do escurecer, um revoar de pássaros e corujas que povoam o imbróglio que há entre a paixão e a parcimônia que habita toda a solidão.

Despretensiosa e ciosa roupagem da gente, que transmuta a certeza de que há amplitude na separação que junta e desune, no sentimento que perpetua e atenua a certeza incerta e presta. No universo que corre sem dono, ainda toca longe em gramofone.


Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...