segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Chet Baker brasileiro

Por Edmilson Siqueira 

Quando Chet Baker gravou um disco como o Boto Brazilian Quartet, em Paris, a música brasileira não era novidade para ele. Segundo o blog "Borboletas de Jade", Chet participou de várias gravações tendo o ritmo brasileiro como tema variável de seus álbuns. Em 1966 participa do antológico "Brasil! Brasil! Brasil!" de Bud Skank com João Donato e Laurindo Almeida representado a terra verde amarela no ginga da bossa nova. Em 1977, gravou com Astrud Weinert (Astrud Gilberto), uma baiana, de Salvador, filha de pai alemão e mãe brasileira, o álbum “The Girl From Ipanema” (Tom/Vinícius) que além de contar com o clássico do título, traz uma boa seleção de bossa nova com a participação especial de Chet Baker, nos vocais e trompete na faixa "Far Away". Diga-se de passagem que no medley com a marchinha “Mamãe Eu Quero”, e “Chica Chica Boom Chica”, Chet até tentou cantar em português, mas passando a bola para Astrud Gilberto, numa versão em inglês de arrasar." 


Mas, por não conhecer essa faceta de Chet Baker (eu conhecia a gravação dele de "Zingaro" de Tom Jobim, música que depois de receber letra de Chico Buarque virou "Retrato em Branco e Preto), fiquei surpreso ao encontrar, na lendária Hully Gully Discos que funcionava ali na Dr. Quirino, centro de Campinas, o CD "Chet Baker and the boto brazilian quartet" (na capa o nome do grupo está em minúsculas). Uma produção bem cuidada, com textos em francês e inglês, e com informações precisas, como "Recorded at Studios Davout - Paris, on July 21, 22 e 23 - 1980." 

Ainda pelo blog "Borboletas de Jade", fico sabendo também que o mesmo grupo, comandado pelo pianista Rique Pantoja, gravou outro disco com Chet, que leva o nome dos dois. 


Mas o que tenho é o primeiro, com Rique Pantoja ao piano, o francês Richard Galliano no acordeom, Michel Peyratoux no baixo e José Boto na bateria e percussão. 

O repertório, composto por oito faixas, é todo de autoria de brasileiros, com exceção da terceira faixa, "Forget Full", cuja autoria deve ser desconhecida, já que no lugar do autor, há apenas um "x". E nessa faixa Chet Baker canta.  


No geral, o que temos, é um Chet Baker um pouco diferente do que estamos acostumados a ouvir nos discos gravados com repertórios extraídos na música norte-americana. Aqui, o ritmo brasileiro se impõe, o trompete de Chet é mais alto, mais agudo e mais rápido em várias músicas. Das oito faixas, seis são de Rique Pantoja Leite - "Salsamba", "Balsa", "Inaiá", "Sheila", "Balão", e "Julinho" - uma é sem autor e a nona faixa - “Novos Tempos” - é de Marcos Rezende. 

O CD é importado, mas está à venda nos bons sites do ramo. E pode ser ouvido na íntegra no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Y0F4gnsftUM . 

sábado, 7 de janeiro de 2023

Bossa nova: um programa histórico

Por Edmilson Siqueira 

Tenho assistido a um depoimento - dividido em várias partes - de um dos fundadores (se é que existe essa categoria) da bossa nova. Trata-se do grande compositor e violonista Roberto Menescal, hoje com 85 anos e esbanjando saúde e talento. Esses depoimentos estão no YouTube e como já acessei várias vezes, o logaritmo da rede colocou como sugestão um musical que ele fez com Nara Leão, em 1987, na TV Manchete. Claro que não se trata de uma raridade, pois publicado no YouTube está ao alcance de muita gente. Mas, pelo registro, menos de 54 mil pessoas assistiram ao programa. E pouco mais de mil deixaram seu "like". Ou seja, o público amante da bossa nova não conhece e o público mais jovem, que não conhece o que foi a bossa nova, está perdendo uma boa chance de assistir a dois de seus maiores expoentes num show de técnica, vocal e repertório. Além da beleza de Nara, que paira acima de qualquer suspeita.  


Nara, também chamada de "musa" da bossa nova (o que ele detestava, diga-se), era filha da classe média alta, com apartamento grande em Copacabana, de frente para o mar. Por sorte ficou amiga, na juventude, de alguns compositores que, num futuro bem próximo, estariam fazendo uma música que sairia das areias das praias do Rio e ganharia o mundo, começando pelos Estados Unidos, onde chegou a virar febre e influenciou nada menos que o jazz, uma música com as mais profundas raízes norte-americanas.  


Menescal era um desses amigos, frequentava o apartamento com outros amigos, que também levavam o violão, e o local ficou conhecido como onde nasceu a bossa nova. As noites eram preenchidas com um uisquinho, muita conversa e música cantada baixinho para não incomodar os vizinhos. Menos às quartas-feiras, dia em que o pai de Nara reunia os amigos, entre eles Paulo Francis, para um pôquer. 

O programa da Manchete não se restringe às apresentações de Nara e Menescal - ambos ao violão - mas, dirigido por Aloisio de Oliveira (o maior produtor da bossa nova) o programa tem alguns trechos em que artistas (e o próprio Aloisio) falam sobre o que foi o movimento que ganhou o mundo. Aloisio abre o programa apresentando Nara e Menescal. 


O repertório é clássico, como não poderia deixar de ser. Começam com "A Felicidade" (Jobim e Vinicius) e o que vemos são dois artistas descontraídos, cantando e tocando como se ainda estivessem no apê de Nara, por volta de 1956.  

""Desafinado" (Jobim e Newton Mendonça), a segunda música, começa com um prólogo que não consta das gravações todas que se fizeram dessa música, mas era algo comum nos anos 1950.   


E, completando a trilogia de clássicos de Jobim, entra "Chega de Saudade", que ele fez com Vinícius e é considerada a música que despertou os brasileiros para a nova forma de cantar e tocar samba, também conhecida como bossa nova.   


A quarta música nos apresenta outro fundador da bossa nova: Carlinhos Lyra, amigo de Menescal e Nara, autor também de clássicos do movimento, principalmente em parcerias com Vinícius. Aqui, a música é "O Negócio é Amar", cuja letra é de Dolores Duran, então uma cantora de sambas canção, mas que entrou muito bem no espírito da moçada da época. 


Só na quinta música é que o maior sucesso de Roberto Menescal (em parceria com Ronaldo Bôscoli) é apresentado: "O Barquinho", cujo história é curiosa. A turma toda havia saído para passear na Baía da Guanabara num barquinho. Já longe da praia, o motor pifa e, ao tentarem fazê-lo pegar novamente, ele produzia um som com ritmo que ia sumindo e Menescal e Bôscoli até brincaram com ele, fazendo ligeira melodia que combinava com a vã tentativa. Até que apareceu um barco maior que os socorreu, amarando o barquinho e levando-o de volta para perto da praia. Na volta, Menescal começou a cantar "o barquinho vai, a tardinha cai", mas ficou nisso. Dia seguinte, no apê da Nara, Bôscoli pediu para repetir a melodia que haviam feito com a batida do motor tentando pegar. Depois de algumas tentativas, conseguiram a melodia e Boscoli fez a letra, aproveitando como refrão o trecho "o barquinho vai, a tardinha cai". E assim, nasceu, de uma brincadeira, uma música que é cantada e gravada até hoje em todo o mundo. 

As seguintes músicas, intercaladas de depoimentos de alguns personagens do movimento, como Carlinhos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Armando Pittigliani e os próprios Roberto Menescal e Nara Leão, são cantadas a seguir: "O Pato" (Jayme Silva e Neusa Teixeira), "Manhã de Carnaval" (Luiz Bonfá e Antônio Maria),  "Você e Eu" (Caros Lyra e Vinicius de Moraes),  "Você" (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), "Eu Gosto Mais do Rio" (Pacífico Mascarenhas), "Dindi" (Jobim e Aloisio de Oliveira), "Wave" (Tom Jobim) e "A Banda" (Chico Buarque). 


O link para assistir o programa é https://www.youtube.com/watch?v=LPBCV8fS3ZU&t=513s . 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

O termo do Arnaldo Antunes

Terminar o inacabável, o impensável, o imponderável, o fortuito tempo sem termo assinado ou assassinado de viver como o tempo fosse foice a ceifar a vida. Foi-se. E voltar ao passado remoto e impróprio que o impropério esconde entre o cheio e o vazio d’alma, para o retorno ser mais claro e sentido. Saber ser sem sê-lo, virar carta sem selo, ouvir a música num cello perdido no meio da madrugada tragada na dor. Brincar de se afogar no vagar de um sonho inesperado. Ser samba e jazz. Assim, se valer de coisa qualquer, sentir os lábios da mulher, afagar os pelos da filha que habita o corpo em quatro patas e lascas de felicidade finda. Ser a vida linda e incrédula, depender da cédula suja de sangue e suor, cerzir o que ainda há de vir no próximo porvir. Ser o que ainda se quer ser na etérea e redonda cama. E brincar nas ondas de espuma na banheira quente e frenética que se esconde numa vicinal entre duas estradas e veias mil. Quem sabe depois alguém não passa de cor anil para fazer tudo rebrilhar outra vez. Ou haverá um esconderijo nas profundezas mais superficiais que habitam e coabitam o ser e estar. Daqui, entre goles de copo e Che vindo de um canavial, brinco de recriar trilhas e trovas entre falésias e fusões nucleares de molares a baterem. Talvez umas línguas em perfídia, pérfidas e banais pernas que se dobram impávidas ao colosso do amor. Num canto, à espera do fim, a mesma dor. Aquela que se desdobra profícua como abóbora num plantio infindo. Quem a haverá de comer? Quem sabe um poeta louco e roto a dedilhar, uma mulher a cravar têmporas e trovas nas trevas que a dor do outrem traz, um par de bonecos que alguém mexe com as mãos feito marionetes sem alma e sem vestes. Assim, quem sabe ao fim de outra peça sem pregas e portais, haverá um sentimento único e sem mais. Um limite entre a limítrofe saudade que a maldade da separação faz. Afinal, nada me apraz. Nem o sol, nem a lua ou a chuva que pinga incapaz. Talvez, quem saberá, no além-mar, chegue o alvará da soltura de ninguém. Ou, como diria o poeta, “a casa é sua, porque não chega agora... nem o prego aguenta mais o peso desse relógio”.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Jane Monheit, um show de cantora

Por Edmilson Siqueira

O disco começa com uma voz apresentando a cantora à plateia. Depois da apresentação, palmas e ela começa a cantar, a princípio sem qualquer acompanhamento. A música é um clássico: "Over The Rainbow" E. Y. Hairburg e Harold Arlen). A voz é segura e a interpretação beira à perfeição. Quando o acompanhamento se faz presente, melhora ainda mais. Se você está ouvindo sem saber do que vem a seguir, vai pensar, certamente, que se trata de uma ótima cantora e que o repertório será de músicas lenas, com violinos chorosos e uma performance vocal muito boa, mas parecida com outras cantoras que vivem da gravação de standards da música norte-americana.  


Mas, quando começa a segunda música, já dá pra perceber que toda a qualidade da primeira tinha algum significado: a cantora é Jane Monheit e seu repertório é ótimo. 


Gravado ao vivo para um DVD, no Rainbow Room, que fica no 65º andar do Rockefeller Center em Nova York, em 2003, de onde foi extraído o CD, já na segunda música, que começa com um contrabaixo suingado, Jane explora as possibilidades jazzísticas de "Just Squeeze Me" (Duke Ellington e L. Gaines), mostrando qualidade de improvisos das grandes cantoras de jazz. 


E, para quem gosta de jazz e já estaria admirando a performance anterior, a terceira faixa é covardia: Jane vai de "Chega de Saudade" (Jobim e Vinicius, com letra em inglês de Jon Hendricks e Jessie Cavanaugh), o famoso "No More Blues", acompanhada apenas do violão (muito bom, por sinal) de Rene Toledo e pelo contrabaixo de ninguém menos que Ron Carter. Um show. 

E Jane continua com a nossa música na quarta faixa, onde ela canta a letra de Ray Gilbert para a mús8ca de Jobim e Aloysio de Oliveira, a maravilhosa "Dindi". É outro momento marcante no disco. 


A quinta faixa é "More Than You Know" (W. Rose, E. Vincent, E. Eliscu e Youmans) mantém o clima de jazz e também serve para Jane mostrar suas qualidades vocais com alguns scats muito bem colocados.  


O disco todo acaba sendo, pra quem não conhece a cantora, uma grande e agradável surpresa. E para os brasileiros, ela volta a encantar na décima faixa. A introdução séria da orquestra, em tons graves, prepara o clima para o hit de Ivans Lins e Vitor Martins, "Começar de Novo". E ela canta em português! Outro show de interpretação que chega a emocionar. 

Além de alguns clássicos como o já mencionado "Over the Rainbow", há ainda "Tea for Two" (Vincent Youmans e Irving Caesar) e Cheek to Cheek (Leonard Bernstein, Betty Comden e Aldolph Green). 

Mas bom mesmo é quando, na décima-quinta faixa ela ataca de "Waters of March" de Jobim. Antes de cantar ela diz algumas palavras elogiosas citando Antonio Carlos Jobim, como uma reverência ao nosso maestro soberano. A interpretação de "Águas de Março" é de uma cantora com total intimidade com o a complicada letra e os mais complicados ainda caminhos da melodia, com suas modulações todas. Não fica a dever nada para as melhores gravações da música, inclusive com um final totalmente inesperado e diferente.   


Por fim, "Some Other Time"(Betty Comden, Adolph Green e Leonard Bernstein) fecha um disco sob aplausos demorados da plateia. 


Tanto o DVD quanto o CD ainda estão à venda nos bons sites do ramo. E o show pode ser ouvido e assistido na íntegra no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=1N3_s-dyRPs . 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Jorge Vercillo

Por Ronaldo Faria


Ser o que se é, brincadeira sabe-se lá do que. Talvez uma bruma perdida num oceano qualquer, um pedaço de infinito tão finito que brinca de ser real. E nos faz velejar como náufragos perdidos num mar que inexiste e nós, meros personagens de trama qualquer, nos subjugamos a remar. Apenas personagens em loucura multidimensional a cumprir um jogo qualquer, como um joguete que diverte sabe-se lá quem. E quando a pilha acaba? Acaba? Lógico que sim. Depende apenas do quanto o jogador se cansa de controlar vida alheia. Sejamos, pois, interessantes à trama. Personagens na passagem deletéria que tiver que ser.

“Nada mais é o amor do que o encontro das águas.” (Jorge Vercillo)

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...