Por Ronaldo Faria
-- Necas de pitibiribas!
Com o sol a nascer, uns poucos
raios encruados a percorrerem os galhos das árvores onde pássaros despertam seus
cantos e trinados, como fossem treinados e doutrinados para a vida, José caminha
na praça de descida e subida. E segue seus pensamentos e lamentos, saudades e
trôpegos ausentes sonhos. Com passos firmes a pisarem o asfalto opaco, no
cansaço de uma noite em que se divertiu nos pesadelos efêmeros e frágeis,
descortina um céu azul limpo onde as nuvens esqueceram de passar.
-- Isso: vou escrever sobre
pitibiribas. Sempre achei essa palavra sonora e límpida, extravagante e simples.
E soa como zunido de abelha, dessas que vai de flor em flor a voar e flanar no
ar.
Na contramão da ladeira e na
rota que se aproxima do sol que brilha amarelo e lilás, um casal de idosos
caminha de mãos dadas. Diante deles, duzentos anos se espelham e se empoeiram
vertiginais. Do tempo dos castiçais a iluminarem as noites madrigais, ambos
passam por José sem lhes responder o bom dia. Talvez o aparelho de surdez tenha
ficado sem pilha. Pouco importa. Na casa branca da esquina a porta se abre. É
hora de sair para trabalhar e suar pelo pão nosso de cada dia. Um périplo de
mendigos também se esvai das calçadas em marcha das migalhas que esperam cair
das mãos de algum pecador. Afinal, só este sabe o que é dor.
-- Como é bom ficar lúcido e
beber o frio que sai dos dias juninos. Mas, pensando bem, o que melhora? A vida
permanece a mesma, só que sem a graça da loucura que as notas e os goles dão.
Quer saber: foda-se, hoje eu vou beber!
Aos poucos a luz toma conta de
tudo. Os postes, automáticos no seu desligar assim que já são desnecessários,
se deixam escuros e soturnos. Até o entardecer servirão apenas para um ou outro
pássaro descansar suas penas calejadas e cagar só pra pintar de verde e marrom
o alumínio que Plínio, funcionário terceirizado da empresa de luz, irá ter que
um dia limpar.
-- Acordar nas cinco da matina
até que é bom para a retina...
Apressada, uma doméstica
atrasada para o trabalho não entende tal alegria de José, mas lhe dá bom dia.
Deve ter pensado que doido a gente não deve contrariar. O mundo devagar já
começa a rodar igual e fetal, fatal para alguns, nascedouro de emoções e unções
para tantos mais. Já não há luz de cores diferentes que possam brotar a rodar
nas pupilas ou púlpitos. É tudo somente claridão. Imensa, gigante, cheia de luzidias
razões para caminhar, sonhar, continuar, renascer e logo depois cair na cama
quente e ressonar.
(Sorvam o som de Chicas)