segunda-feira, 28 de julho de 2025

A pensar em pitibiriba longe de Pirituba

  Por Ronaldo Faria


-- Necas de pitibiribas!
Com o sol a nascer, uns poucos raios encruados a percorrerem os galhos das árvores onde pássaros despertam seus cantos e trinados, como fossem treinados e doutrinados para a vida, José caminha na praça de descida e subida. E segue seus pensamentos e lamentos, saudades e trôpegos ausentes sonhos. Com passos firmes a pisarem o asfalto opaco, no cansaço de uma noite em que se divertiu nos pesadelos efêmeros e frágeis, descortina um céu azul limpo onde as nuvens esqueceram de passar.
-- Isso: vou escrever sobre pitibiribas. Sempre achei essa palavra sonora e límpida, extravagante e simples. E soa como zunido de abelha, dessas que vai de flor em flor a voar e flanar no ar.
Na contramão da ladeira e na rota que se aproxima do sol que brilha amarelo e lilás, um casal de idosos caminha de mãos dadas. Diante deles, duzentos anos se espelham e se empoeiram vertiginais. Do tempo dos castiçais a iluminarem as noites madrigais, ambos passam por José sem lhes responder o bom dia. Talvez o aparelho de surdez tenha ficado sem pilha. Pouco importa. Na casa branca da esquina a porta se abre. É hora de sair para trabalhar e suar pelo pão nosso de cada dia. Um périplo de mendigos também se esvai das calçadas em marcha das migalhas que esperam cair das mãos de algum pecador. Afinal, só este sabe o que é dor.
-- Como é bom ficar lúcido e beber o frio que sai dos dias juninos. Mas, pensando bem, o que melhora? A vida permanece a mesma, só que sem a graça da loucura que as notas e os goles dão. Quer saber: foda-se, hoje eu vou beber!
Aos poucos a luz toma conta de tudo. Os postes, automáticos no seu desligar assim que já são desnecessários, se deixam escuros e soturnos. Até o entardecer servirão apenas para um ou outro pássaro descansar suas penas calejadas e cagar só pra pintar de verde e marrom o alumínio que Plínio, funcionário terceirizado da empresa de luz, irá ter que um dia limpar.
-- Acordar nas cinco da matina até que é bom para a retina...
Apressada, uma doméstica atrasada para o trabalho não entende tal alegria de José, mas lhe dá bom dia. Deve ter pensado que doido a gente não deve contrariar. O mundo devagar já começa a rodar igual e fetal, fatal para alguns, nascedouro de emoções e unções para tantos mais. Já não há luz de cores diferentes que possam brotar a rodar nas pupilas ou púlpitos. É tudo somente claridão. Imensa, gigante, cheia de luzidias razões para caminhar, sonhar, continuar, renascer e logo depois cair na cama quente e ressonar.
 
(Sorvam o som de Chicas)

Magos

 Por Ronaldo Faria Dois magos (homem e mulher, se é que em mago há sexo definido ao infinito) descansam na noite que brilha e dir-se-ia luna...