Por Ronaldo Faria
Viajante dos montes que se
desmontam pelas bandas de qualquer lugar, Januário vai a marchar e murchar em
caminhadas e passadas, cascos marcados no chão que pouca gente quer trilhar. Quem
sabe aquele que busca o beijo saudoso que tem gosto de paixão encardida e
lavada na solidão. Por toda a vida e na remissão. Para Januário, que amou
sempre antes de ser amado, pé de ingazeiro é o mesmo que árvore de carvalho. No
trote do seu cavalo, surgem na sua mente alhos e bugalhos. Tem ainda o alpendre
que vê o sol desde o fim até o começo. E haverá ainda recomeço no tédio do solo
seco e sem vida que o sertão por vezes faz em atropelo.
-- Eneida me espera na quimera
que tiver de ser. Te prometo levar chita e o que for. E troco tudo por um beijo
fugaz, desses que se dá rapidinho, mas se guarda para sempre.
Na lonjura que a lonjura do
tempo e das horas nos dão, Januário se aconchega no lombo do cavalo que sua
calor e sal. Tal e qual, transita na loucura e na penúria que apraz. Vai na
volta que revolta e fica nos olhares da procissão que segue em promissão a
vagar e perguntar pelo santo que os abandonou. Num cantinho ou outro de tanta
solidão, no interno inferno de terno e eterno verão, Januário segue a seguir
sua sina quase finda. Nela caminha e sente falta de ser feliz. E se pergunta: “O
que eu me fiz?” O silêncio empedernido e ouvido no silêncio da alma que espera
chegar e se acoitar nos seios da amada soa alto em cada respirar. A sede que
mata o gado magro e prostrado no infortúnio da cerca de arame farpado que os
resguarda da vida é o tom do lugar. Num largar de almas e penitência sofrida, o
padre abençoa a procissão que se esmera a cortar caminhos abertos com mãos
calejadas de enxadas e calos que nem mais sangram a cada servidão.
De repente, num rompante que
só os animais sabem dar, o alazão foge da cobra que está prestes o bote perpetrar.
Januário, disperso no pensar em seu amor, nem vê a cascavel que quase mata seu andar
e andor. Por fim, no fim que sempre há, seus braços cansados abraçam Eneida na
feira do povoado que está a se largar entre moscas na carne seca e ao Deus dará. E assim, no gosto
dos lábios da amada, ressurge a vida como ária a se jogar. Então, no mundo fugidio de quem
nunca esteve no seu mundo, a vida ressurge em léguas que o sertão soube eternizar.
(Ao som de Dominguinhos)