Por Ronaldo Faria
João e Maria, nomes de
história da carochinha ou quem sabe amantes da mais eterna fidalguia. Na verdade,
ninguém sabe de tal histriônica história ou pouco deles se dirá. Um ou outro conhecedor
de ambos até rirá. “Fazer um texto dos dois? Está de sacanagem!” Mas, se tudo
na vida vale, por que a dupla tem que ser descartada ao nada? Logo aqui que, às
vezes, nada se leva além de uma reles mamada...
Conheceram-se ao acaso, nesse
introito do destino em que cada caso é um caso. Seja este profícuo ou raso. Foi
quase que momento irrisório, cercado de tragédia grega ou notório fado. Era noite,
dessas que chega cercada de bêbados, amores desfeitos, peitos sugados por bocas
e línguas ao descalabro. Numa esquina, onde a quina de concreto reto dos prédios
serve de anteparo aos corpos que já não respondem aos instintos íntimos da
preservação, se viram. Entre sussurros e respiros sôfregos, se falaram. Na
verdade, não. Primeiro se tocaram, se trocaram de salivas e afagos e escreveram
orgia própria na fugidia e tardia madrugada que logo de novo será dia. Depois,
sim, proferiram seus nomes: João e Maria.
E tanto gostaram de tudo vivido
que se fez o próximo minuto vilipêndio de um compêndio do desejo de até trocarem
telefones. Cambaleantes, seguiram aos seus cantos entre cânticos de pássaros
que logo cedo estão a buscar o manjar. Dormiram enquanto a cidade despertava
atávica para reviver sua rotina cretina. Banharam-se de água quente e reviram o
encontro, reviraram a solidão premente e inconsequente que viviam, agradeceram
a dose a mais que os fez se entregarem, solenes, ao corpo desconhecido do desatino.
Contemporizaram os riscos e medos que o novo amor traz. Decidiram que agora era
a hora apenas de voltar a crer e acreditar que há navios que zarpam para longe
e voltam do além-mar. Com seus marujos e histórias de sirenas lindas e portos
habitados por marajás. Afinal, a vida não é um eterno reescrever e tentar?
Logo, fodam-se os medos a singrar. Se despiram dos degredos e ensejos tardios,
brindaram de gelo e copos suados ao novo dia e rumaram ao reencontro vadio.
-- João?
-- Maria?
Não tinha erro. Ambos eram como
se tinham sonhado na madrugada tardia, entorpecida de lucidez e frenesi da
etérea vida. Não deu outra: se refugiaram numa mesa de bar, dessas que escorre
vida, e descobriram que não há loucura maior do que aquela desmedida. Hoje são
apenas e tão somente João e Maria. Moram numa casa assobradada na periferia,
têm quatro filhos e duas filhas. Seguem seu mundo como uma estrada já escrita e
desenhada. Desdenhada de grandes sobressaltos. Onde não há restos de espectros
do amor. Mas são felizes. No quintal criam até perdizes. Já a madrugada de
antes, essa tem novos matizes. Nela, outros Joãos e tantas Marias ainda tentam
ser felizes.
-- Eu não disse antes: “fazer
um texto dos dois? Está de sacanagem!”
(Com Stan Getz e Luiz Bonfá)
