Por Ronaldo Faria
Gumercindo, com gumex no
cabelo, esperava Esmeralda chegar. Já tinha consumido algumas cervejas e outra
brejas (redundantes). No boteco no Largo da Glória, estupefato com o tanto de
bondes que bandeavam de lá, ele rodeava os olhos nas mesas pra ver se via a amada.
Mas qual, certamente ela deve ter perdido a condução na Gamboa. E o Rio de Janeiro,
para os poetas e loucos ainda brejeiro, tinha gente de navalha em cada esquina
para levar pertences de gente despreocupada com os batedores de carteiras. Na terra
abençoada por Deus com um Cristo que se diz redentor a receber visitas e
turistas, Gumercindo ia a viver seus dias de capital federal de felizes vozes
embriagadas e corpos de mulheres vestidas de duas peças. “Vou esperar um pouco
mais. Ela vai chegar, tenho certeza. As flores que lhe enviei haverão de mexer
com seu coração.”
-- Seu Gumercindo, estamos fechando o bar. O senhor quer algo mais pra levar?
-- Não, Gonzaga. Muito obrigado. Pode trazer a dolorosa.
Pagou a conta que despontava como boa para o português dono da bagaçada, deu boa noite e saiu no seu caminhar trôpego de funcionário público de repartição. Viu que a lua estava fraca, minguante. Os postes acesos brilhavam mais do que ela. O guarda de quarteirão lhe dá boa noite. Era o Percival, há muito dono do espaço. Substituiu o Pascácio, aposentado por perder a visão. Teve catarata sem nunca ter ido à Floresta da Tijuca ver a Cascatinha. Era gente boa. Morava em Vicente de Carvalho, longe pra caralho. Mas nunca faltou no batente e conhecia toda a gente.
-- Um bom resto de trabalho pra você, Percival...
Gumercindo entrou na pensão, foi direto ao seu quarto e fez chá de hortelã para dormir melhor. Logo cedo terá que ir de bonde à repartição. E o motorneiro, Seu Walfrido da Silva, não perdia a hora. Era mais certo que o relógio cuco que badalava a cada minuto na pensão. “Vamos dormir. Amanhã eu vejo o que aconteceu com a Esmeralda”. E logo lhe chegou o sono. Enternecido de goles a mais, vieram-lhe os pesadelos e desmazelos de quem dorme sabendo que não irá sonhar. Acordou no dia seguinte e leu a manchete do jornal que chegou à mesa na procuradoria federal “Mulher foge com o palhaço do circo soviético”. A partir daí virou radical, se vestiu de verde e se tornou integralista até a última redoma da alma. Morreu só, anos depois, no quarto pequeno no Centro da cidade. Gonzaga, o garçom, Percival o guarda de quarteirão, e o português dono do boteco foram acompanhar o enterro. “Perdi um grande cliente. Que Deus esteja ciente disso e me dê outro”, pensou o lusitano antes do caixão baixar em sete palmos contados a dedo. Defronte do cemitério do Caju, um moleque solta pipa sem dar atenção a tão pouco dramalhão. Ao fim, o fim de outra visão.
-- Seu Gumercindo, estamos fechando o bar. O senhor quer algo mais pra levar?
-- Não, Gonzaga. Muito obrigado. Pode trazer a dolorosa.
Pagou a conta que despontava como boa para o português dono da bagaçada, deu boa noite e saiu no seu caminhar trôpego de funcionário público de repartição. Viu que a lua estava fraca, minguante. Os postes acesos brilhavam mais do que ela. O guarda de quarteirão lhe dá boa noite. Era o Percival, há muito dono do espaço. Substituiu o Pascácio, aposentado por perder a visão. Teve catarata sem nunca ter ido à Floresta da Tijuca ver a Cascatinha. Era gente boa. Morava em Vicente de Carvalho, longe pra caralho. Mas nunca faltou no batente e conhecia toda a gente.
-- Um bom resto de trabalho pra você, Percival...
Gumercindo entrou na pensão, foi direto ao seu quarto e fez chá de hortelã para dormir melhor. Logo cedo terá que ir de bonde à repartição. E o motorneiro, Seu Walfrido da Silva, não perdia a hora. Era mais certo que o relógio cuco que badalava a cada minuto na pensão. “Vamos dormir. Amanhã eu vejo o que aconteceu com a Esmeralda”. E logo lhe chegou o sono. Enternecido de goles a mais, vieram-lhe os pesadelos e desmazelos de quem dorme sabendo que não irá sonhar. Acordou no dia seguinte e leu a manchete do jornal que chegou à mesa na procuradoria federal “Mulher foge com o palhaço do circo soviético”. A partir daí virou radical, se vestiu de verde e se tornou integralista até a última redoma da alma. Morreu só, anos depois, no quarto pequeno no Centro da cidade. Gonzaga, o garçom, Percival o guarda de quarteirão, e o português dono do boteco foram acompanhar o enterro. “Perdi um grande cliente. Que Deus esteja ciente disso e me dê outro”, pensou o lusitano antes do caixão baixar em sete palmos contados a dedo. Defronte do cemitério do Caju, um moleque solta pipa sem dar atenção a tão pouco dramalhão. Ao fim, o fim de outra visão.
(Ao som de Luiz Melodia)
