terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Trio na mesa

 Por Ronaldo Faria


São duas da manhã. Na manha os três amigos discutiam política, religião, mulher e futebol. Ou seja, logo os temas que não se deve discutir nem sóbrio, quanto mais cheio de goró a descer a garganta.
-- É sério que você vai votar no Deoclécio?
-- Vou. E qual é o problema?
-- Qual é o problema? Ele é o maior 171 do pedaço...
-- E daí, quem não é?
-- O Florisvaldo não é!
-- Não é? Você tá de sacanagem... manda então o cara pagar o que deve na praça.
-- Deve pra quem, neném?
-- Se você não sabe, devo dizer que és um jumento de quatro patas. Cuidado pra não cair da cadeira. Eu não te levanto...
-- Repete que eu te parto os dentes!
-- Amigos, vamos falar do Brasileirão?
A voz de Clarimundo interrompe a discussão que avançava o relógio rumo ao PS mais próximo.
-- Tudo bem, desculpe a exaltação. Mas é que o Vergílio a defender o Deoclécio pirou a minha cabeça. Tem que ser muito bosta pra isso.
-- Como assim, Teixeira? Por acaso chupar os bagos do Florisvaldo é que é o certo?
-- Qualé, cuzão, vai encarar?
-- Moçada, vamos parar! Futebol! É hora do futebol!
-- Tudo bem, Clarimundo, tudo bem. Vocês viram a seleção?
-- Eu não.
-- Nem eu.
-- Fizeram bem. Coisa mais ruim e fora de propósito não existe. É um chiste. Também, depois que virou camisa oficial de um time deocleciano, não podia dar outra bosta.
-- Porra, cacete, de novo essa merda! A camisa da nossa seleção nunca será vermelha!
-- Puta que pariu, vocês dois: de novo essa merda? Paremos de falar de futebol! Vamos falar de religião. Quer dizer, melhor não. Um de vocês é macumbeiro e o é outro crente. Vai dar merda. Vamos falar de mulher. Concordam?
-- Tudo bem. Eu concordo.
-- Eu também.
-- Ótimo. Vocês viram a Maricotinha como está linda?
-- Maricotinha, a musa da vila?
-- Claro, ela.
-- Não acho tudo isso. A Carlota é bem mais mulherão.
-- Como assim, a Carlota só porque ela vota no Deoclécio?
-- Não, babaca, porque ela é referência além da questão.
-- Seu cu! Maricotinha é mil vezes mais mulher.
-- O quê? Quer voltar pra casa de ambulância ou no rabecão?
Sem mais o que apaziguar, Clarimundo levanta da mesa, paga sua parte na conta e parte morro acima. Puto da vida, repete como mantra que papo de birosca termina sempre em destino findo ou desatino. “Nem sei pra que insisto.” Mas, vielas acima, ouve um cavaquinho tocando e para no boteco do Ferreirinha. “Aqui ao menos tem samba”.
-- Seu Ferreira, traz a saideira pra mim. Chega de discutir...
Não deu meia hora de bom sossego, chegam Vergílio e Teixeira trôpegos e abraçados a cantar a canção de que amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito.
-- Ferreirinha, manda mais umas que o trio sentou de novo pra falar daquilo que é bom: política, religião, mulher e futebol! Mas sem Deoclécio e Florisvaldo. Afinal, no fim, é tudo mesmo só ladrão.
Aos risos altos, resenharam até o dia raiar. Sem política e religião. Só papo sobre mulher, abobrinhas e samba no pé.
 
(Com Luca Argel ao fundo)

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