domingo, 9 de novembro de 2025

Monica Salmaso, uma das melhores do Brasil

Por Edmilson Siqueira


"Minha Casa", da gravadora Biscoito Fino, foi lançado neste ano, mais precisamente em setembro. Forte e delicado, como é toda obra de Monica Salmaso, o disco é um momento de rara beleza, tanto pelas interpretações do fino repertório, como pelos arranjos e músicos que a acompanham com grande qualidade.  
Gravado ao vivo em outubro do ano passado, o disco marca também o reencontro da cantora com seu público, depois do isolamento imposto pela pandemia de covid-19. Nessa época, seus fãs eram presenteados com o projeto "Ô de Casas", onde, usando a tecnologia disponível, ela fazia duplas remotas com grandes nomes da MPB. Do projeto, com mais de 170 encontros virtuais, resultaram inúmeros momentos de emoção que nos confortavam diante do mal que grassava pelo país, tanto na saúde quanto na política.  
Quanto ao disco, ele não foi um projeto estudado e ensaiado. Foi o show ao vivo, que começou em 2023, que o moldou, transformando o espetáculo na matriz gravada.  
Ao mesmo tempo, para Monica, o disco representa um momento de inflexão: pela primeira vez ela concebeu o show primeiro e depois o álbum, não seguindo o modelo habitual de álbum de estúdio seguido de turnê.  
Além da maturidade, artística, esse fato representa uma confiança no repertório e no formato, reafirmando a cantora como uma das grandes intérpretes da música brasileira contemporânea. 
Salmaso assina a direção musical junto com o saxofonista/flautista Teco Cardoso — que também integra a banda em cena. Banda, aliás, cheia de cobras. Além de TEco Cardosos, participaram da gravação: Tiago Costa (piano, arranjos), Neymar Dias (viola caipira e contrabaixo), Lulinha Alencar (acordeom), Ari Colares (percussão) e Ricardo Mosca (bateria). 
A primeira faixa e uma parceria rara entre Egberto Gismonti e Paulo César Pinheiro: "Saudações". Um samba que se inicia com Monica tocando tamborim e cantando. Um samba de chegada, muito próprio para iniciar um espetáculo. 
"Vou na Vida" (Swami Jr. e Virgínia Rosa) é a segunda faixa. Música de raiz mineira, se daria muito bem na voz de Milton Nascimento, com ritmo marcante. Destaque para o solo de flauta de Teco Cardoso. 
A terceira faixa é Noite Severina (Lula Queiroga e Pedro Luís), um xote nordestino típico, com letra filosófica e muito bem resolvida. O acordeom de Lulinha Alencar dá o clima gonzaguiano.  
E por falar no Rei do Baião, a faixa seguinte é Aparição de Gonzaga (Ian Faquini e Guinga). As melodias complicadas e sempre belas de Guinga, ganharam incrível letra de Faquini, à qual se junta trechos do poema "Aos Críticos" de Rogaciano Leite. Uma espécie de obra prima que ganha emoção ainda maior na interpretação de Monica. 


Num repertório tão bem selecionado e quase teatral em sua sequência, não poderia faltar a música de Tom Jobim com uma incrível letra de Chico Buarque. "A Violeira", quinta faixa, é um drama cheio de humor meio negro, sobre a saga de uma mulher que se aventura no mundo, saindo do Nordeste e indo parar em Ipanema.  
A sexta faixa traz uma parceria entre Dori Caymmi e Paulo Cesar Pinheiro; "Quebra-Mar". Trata-se de nada menos que mais uma obra prima da dupla. A emocionante interpretação de Monica faz jus à beleza da melodia e à sensibilidade da letra. Destaque para o contrabaixo tocado com arco de Neymar Dias.  
"Acalanto" (Teresa Cristina) vem a seguir. Canto de areia, samba do amor perdido nas águas e nos braços de Iemanjá. Clara Nunes teria gravado com certeza.  
"Teleco-Teco", samba da Marino Pinto e Murillo Caldas, traz, em seu bojo, a mesma ideia de "Com Açúcar e Com Afeto", de Chico Buarque. É a história do malandro que deixa a mulher em casa enquanto vai pra "orgia", como se dizia antigamente. E, depois, claro, a mulher perdoa.  
Chico Buarque, com Vinicius de Moraes, são os autores da faixa seguinte que, obviamente, dispensa qualquer comentário: trata-se de "Valsinha" que Monica interpreta com a mesma qualidade que dela se espera. O arranjo e a flauta de Teco Cardoso também de destacam na faixa. 
Guinga aparece sozinho como autor da décima faixa, "Paulistana Sabiá". Difícil enquadrar num estilo essa pequena joia que Guinga nos oferece, como tantas outras já oferecidas. E desta vez com uma letra erudita que nos leva a sonhar. 
A décima-primeira faixa traz um samba folclórico adaptado por Xangô da Mangueira e Zagaia, dois históricos compositores da escola de samba. É um samba de roda que remete à roça, como a periferia do Rio era chamada. O arranjo com sons típicos do campo deu ao samba o clima da região em que foi criado. 
Novamente Chico Buarque, presença constante na obra de Monica, comparece, desta vez com uma composição somente sua, "Assentamento" , que se encaixa mais na porção política das músicas do cantor e compositor. Mas, como em toda sua obra, tem beleza de sobra.  
"Morro Velho" (Milton Nascimento) é a décima-terceira faixa. A música já clássica de Milton é um dos pontos altos do show, pois melodia e letra se encaixam perfeitamente na voz de Monica.  
Outra parceria meio rara na MPB nos traz Baden Powell e Paulo César Pinheiro, com a desconhecida "Santa Voz". Desconhecida porque a música tem, obrigatoriamente, mais de 25 anos (Baden morreu em 2000) e não fez o sucesso de outras criações de Baden. Mas se trata de ótimo samba. A letra é uma homenagem aos cantores. 
A décima-quinta faixa "O Tempo Nunca Mais Firmou", de Chico Chico e Sal Pessoa é uma sucessão de prazeres sonoros: o acordeom de Lulinha Alencar na abertura é pungente, seguido da ótima viola caipira de Neymar Dias, também responsável pelo arranjo. A voz de Monica se casa perfeitamente aos dois únicos instrumentos da faixa. Um show. 
A seguir vem "Xote" (Gilberto Gil e Rodolfo Stroeter) versa sobre uma lenda nordestina que Gil tão bem conta na letra. O xote (é o ritmo e nome da música) foi gravado primeiramente no disco "O Sol de Oslo", um dos melhores da carreira da Gil. E Monica honra a qualidade da música e da letra. 
"Mortal Loucura", a faixa número 17 do disco trata-se de um poema de Gregório de Matos musicado por José Miguel Wisnik. O poema se baseia numa série de jogo de palavras, onde o final de uma palavra chama outra com sentido diferente. Esse jogo aliado ao talento do autor - um dos maiores poetas brasileiros - nos dá um poema vigoroso que a música de Wisnik soube incorporar muito bem.  
"Tá?" (Pedro Luis, Roberta Sá e Lula Queiroga) é um baião vestido de protesto ecológico, contra o homem depredador da natureza. Outra letra inteligente que suprime a última sílaba das palavras que encerram cada verso, sem, no entanto, ofuscar o significado.  
A décima-nona música - "Gírias do Norte", de Onildo Almeida e Jacinto Silva - é um côco (ritmo comum por lá) que junta várias gírias locais para contar uma história meio engraçada e que, ao mesmo tempo empresta rara sonoridade aos versos. Mais uma ótima interpretação de Monica que aproveita a penúltima música do CD (no show houve dois bis que não estão no disco) para apresentar a cozinha toda de seus ótimos músicos.  
Por fim, a vigésima faixa nos traz "Menina Amanhã De Manhã?" de Tom Zé e Perna. Uma música deliciosa com mais uma letra mais que esperta que encerra o disco em alto astral. 
O CD está à venda nos bons sites do ramo e quem quiser não só ouvir todo ele, mas também assistir ao show inteiro, inclusive com uma música a mais - "Violada" - é só acessar o YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=-G8mv070FPI&list=PLjMk_448Pd1Nd-XIp01eOGMJQFeqM6H1H . 

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