Por Ronaldo Faria
-- Aonde ir? Ir por quê? Seguir
estradas com suas pedras, seus pós, suas distâncias, sóis e chuvas. Pra quê? De
que poderá valer tanto esforço tosco se logo depois o fim é o mesmo, sigamos ou
não? Haverá braços estendidos, mãos repletas de carinhos e aninhos, perplexas a
enxergarem o fim da trilha? Existirão perdões para os erros, consertos para os tropeços,
olhos a sorrirem às lágrimas derramadas? Cálidas faces serão aquilo que de
último veremos, plenos de dúvidas e dívidas consigo mesmo?
Carmelo, verdadeiro flagelo em
si nos devaneios e receios abissais que invadem seu mundo entre o acordar
trôpego e um dormir embriagado de saudades e veleidades, está parado na esquina
a soprar as pétalas que caem das árvores desnudas de galhos. Aos orvalhos
incontidos deixa o rosto para que sua face possa ruborescer de frio e toscas
nuvens entre cinzas da queimada tardia e aves paradas no ar. Ao longe, num canto
qualquer, o seu lar.
-- Valeu tudo o que já foi
escrito e feito? E para onde foram os enfeites e confeitos de Natais e
aniversários passados, deserdados e em degredo feito os porcos que serviram de
assado e sorveram bocas e dentes ávidos de cheiros e temperos? Quando o barco,
tragado em tragos de vinho e vagas de ondas e suas correntezas, deixou o rumo e
foi no prumo errado desandar sua fé? Os amores, seus mil atores e detratores,
suas intermináveis dores, Marias e Dolores, estarão hoje ainda vivos em cores
vivas da aquarela jogada no asfalto em esparrela?
Carmelo, prosaico viajante de
sua própria existência, na querência diuturna da carência soturna, senta no banco
defronte do mar e vê a lua brincar de espumas que desembocam em dunas que as
marés destruíram em lamúrias. Seus sonhos e pesadelos, desmazelos, jusantes que
nunca desembocaram nos istmos da alegria da avó que cerzia as calças rasgadas
entre palavras e risadas, sob a luz de uma lamparina vítrea, são objetos
atirados num baú abjeto que o casal do país distante deixou para seu futuro mudar.
Ao som dos minutos que ainda lhe restam, mísero candidato no sufrágio que nunca
existirá para conquistar o pleito da plenitude, apenas escreve, reescreve e
descreve a paisagem da janela... cavaleiro marginal.
(A Milton Nascimento)