terça-feira, 11 de outubro de 2022

João Nogueira é o samba

Por Edmilson Siqueira 

João Batista Nogueira Junior nos deixou antes de fazer 59 anos, no ano 2000, mas deixou obra irrepreensível, sambas memoráveis que serão ouvidos e gravados para sempre. 


Quando surgiu na cena musical, João Nogueira impressionou não apenas pelas corretas e boas melodias - sempre samba - que ele perpetrava, às vezes com letras próprias e outras com parceiros. Sua voz, meio metálica e meio grave, trazia uma nova sonoridade ao samba do Rio e suas divisões rítmicas eram próprias dos bambas, como Ciro Monteiro ou Miltinho. 


E, por sorte, a série "Eu Sou O Samba", da gravadora EMI, onde João iniciou a carreira e gravou seus melhores discos, reservou espaço para João Nogueira e lançou um CD com 14 gravações, onze dele mesmo. As outras três são uma de Monarco sozinho, outra em parceria com Alcides Dias Lopes e uma de Noel Rosa. 

É um painel correto da grande obra de João Nogueira que encontrou em Paulo César Pinheiro seu parceiro mais constante. 

João, ao contrário de muitos outros compositores tão bons quanto ele, não nasceu e viveu nos morros cariocas. Filho do advogado e músico João Batista Nogueira e irmão da também compositora Gisa Nogueira, o mundo musical entrou cedo em sua vida. Logo, aprendeu a tocar violão e a compor em parceria com a irmã. 


Começou a compor aos quinze anos, fazendo sambas para o bloco carnavalesco Labareda, do Méier, através do qual conheceu o músico Moacyr Silva, dirigente da gravadora Copacabana, que o ajudou a gravar o samba "Espere, Ó Nega", em 1968. Mas ele apareceu na cena artística nacional quando no início dos anos 70 emplacou o sucesso "Das 200 Pra Lá", samba que defendia a política de expansão de nossa fronteira marítima ao longo de 200 milhas da plataforma continental. Esse samba, inclusive, andou entortando o nariz da esquerda que lutava contra a ditadura, quase marcando João como um compositor "vendido aos milicos". Mas sua obra posterior fez com que todos se curvassem ante seu talento de sambista.  


João Nogueira gravou 19 discos e participou de muitos outros. Seu filho, Diogo Nogueira, cantor e compositor de sucesso, mantém viva a obra do pai, cantando seus sucessos em shows e gravando alguns deles. 


No CD vamos encontrar grandes momentos da música de João: "Pimenta no Vatapá" (com Cláudio Jorge), "Mineira" (com Paulo César Pinheiro); Nó Na Madeira" (com Eugênio Monteiro), "Eu, Hein Rosa" (com Paulo César Pinheiro, samba gravado por Elis Regina) e aquela que é, talvez, a sua música mais citada e que mais sucesso faz nos shows do filho: "Espelho", também uma parceria com Paulo Cesar Pinheiro, mas contando a vida de João e sua relação com seu pai. Uma curiosidade sobre esse magnífico samba: quando Diogo Nogueira o apresenta em seus shows, muita gente imagina que ele está falando do pai, nos versos que dizem “Um dia chutei mal e machuquei o dedo/ E sem ter mais o velho pra espantar o medo/ Foi mais uma vontade que ficou pra trás”. Afinal, Diogo foi jogador profissional de futebol, esporte que abandonou depois de sofrer uma séria contusão. Por coincidência o flamenguista João Nogueira foi também um boleiro frustrado por uma contusão. 

O CD ainda está à venda nos bons sites do ramo e pode ser ouvido na íntegra no YouTube Music em https://music.youtube.com/watch?v=xAGEYrm9OB4&list=OLAK5uy_ksSCjCAabZLYCs1iX3-5i2m1fM767pazM . 

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

A todos cabos da Elis Regina

 Por Ronaldo Faria

Na cadência estropiada da demência, clemência aos amantes. Desconcertantes seres que vivem a ludibriar e driblar saudade e ausência.

José toma mais um gole na degola da saudade amiúde e torpe. Entorpecido, esquecido de si mesmo, a esmo, sonhava com a amada há muito não vista à desdita. Ao fundo, As Times Goes By. Sem um adeus sequer. Um cadavérico ou feérico supor daquilo que poderia ter sido e não foi. Ao som de um trompete na noite, mistura de afago e de açoite.

José, no seu bar com banheiro privativo, vê o altivo tocar de metal tal e qual. Sopro a viralizar a ausência de cheiros de fritura e toques de ternura. Num espaço fora, cataclismos de novos amores, quando dois corpos se juntam e fazem tremer camas que se jogam de lá para cá e vão a correr quartos como se fossem inventadas às lufadas de tesão.

José, homem comum e qualquer, caminha a se desvencilhar de luzes obscuras e escuras que surgiam ao pleno sol do acordar. Solitário, surgia incauto sob o iluminar de postes que brilhavam entre cimentos e concretos coloridos de cor qualquer. Uma hora um vermelho de carros a frearem na esquina, outra vez um rubor de rostos que se entregam ao amor.

José, filho de casamento desfeito desde o momento feito de silêncio e dor, se esmera de ser. Apenas sê-lo. Há muito não lambera um selo para escrevinhar cartas escritas com letra inteligível até para a amada e mulher. No insólito introito de uma poesia finda e finita, sabe agora apenas, ao menos, se desculpar às futuras gerações por se deixar poetizar.


Na clemência tardia da excrecência, ausência dos delirantes. Discrepantes senhores que nada são ou, se muito, pouco em pouco, a pouco, definharão.


sábado, 8 de outubro de 2022

Ao Sérgio Ricardo

 Por Ronaldo Faria

Loucura, diuturna agrura do dia a dia. Em quem acreditar? Se em mim não posso, como em futuros dias creditar diáfanas toucas loucas sem cair do galho? Dependurado no nada, azáfama do que for! Só preciso de um violão para quebrar...

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

A magia do sax tenor no jazz

Por Edmilson Siqueira 

O som aveludado e ao mesmo temo forte do sax tenor está presente em todas as oito faixas desse CD da série Jazz Legends. São quatro saxofonistas do mais alto gabarito tocando clássicos do jazz acompanhados de ótimos músicos. 


O sax tenor, pra quem não sabe, foi inventado por Adolphe Sax no século XIX e, claro, era destinado à música clássica. A intenção era incorporar ao som suave dos instrumentos de madeira a potencialidade do metal. Mas ele não foi bem aceito entre os compositores e orquestras clássicas da época. Mas no jazz... Logo que foi descoberto e incorporado aos grupos de jazz, o instrumento encontrou ali terreno fértil e foi adotado por muitos conjuntos, principalmente como solistas.  

Neste CD, temos uma espécie de suprassumo do sax, a começar pelas primeiras duas faixas, a cargo de Don Byas, um saxofonista que substituiu Lester Young na orquestra de Count Basie. Tocou no conjunto de Dizzy Gillespie e depois no de Charlie Parker. Como se vê, o homem era fera. Morreu aos 60 anos, de câncer no pulmão, na Holanda, onde estava morando há alguns anos, depois de uma temporada em Paris. As duas músicas que ele toca no CD são clássicos do jazz: "Moonlight In Vermont! (Sussedorf e Blackburn) e "All The Thing You Are" (J. Kern e O. Hammerstein). 


Outro herói do sax tenor, Ben Webster, foi simplesmente o primeiro verdadeiro especialista em sax tenor na orquestra de Duke Ellington em 1939 e só saiu dali, três anos depois, para formar seu próprio grupo. Coleman Hawkins e Ben Webster são considerados com os dois primeiros a trazer maturidade à arte de tocar um sax tenor. Aqui ele traz "Days Of Wine And Roses" (J. Mercer e H. Mancini) e Stormy Weather *H. Arlen e T. Koehler), nas quais revela todo seu talento e sensibilidade.  

O grande Dexter Gordon é o artista seguinte, dando sequência à série de clássicos do jazz.  "Misty" (E. Garner e J. Burke) e "Come  Rain or Come Shine" (H. Arlen e J. Mercer) são as duas faixas que ele apresenta. Dexter Gordon, dono de enorme carreira solo, influenciou gerações com seu estilo sempre cheio de calor. Por problemas com drogas, passou duas temporadas na cadeia. Quando saiu da última, em 1960, se reintegrou à vida artística com grandes gravações. Saiu dos EUA e foi para Copenhagen, onde fundou o Clube Montmartre e fez grande sucesso por lá. Ele morreu em 1990, aos 63 anos.  


O último dos quatro grandes desse CD é Johnny Griffin. Apelidado de Pequeno Gigante por sua baixa estatura e estilo vigoroso, a carreira de Griffin começou em meados da década de 1940 e continuou até o mês de sua morte, em julho de 2008, aos 80 anos. Ele fez parte do grande time de talentosos saxofonistas que surgiram durante os anos 1930 e 1940 e que vieram a fazer parte da explosão de talentos do pós-guerra que implicou nas novas direções do jazz. Aqui ele toca "All Throught The Night" (Cole Porter) e "Out Of This World" (H. Arlen e J. Mercer).

 

Um destaque à parte para todos os grupos que acompanham os sax-tenores: são da melhor qualidade, dentro da tradição do jazz norte-americano. Não encontrei o CD para reproduzir, mas ele está à venda ainda no Mercado Livre. 

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Sob o som do Dick Farney Trio em 1956

 Por Ronaldo Faria

Disco com um som de arranhado a rodar e cantar meu Rio de Janeiro um ano antes de eu nascer. Em 1956, um tocar de três instrumentos a brincarem de música inaudita e infinita, iluminada e pródiga. Nas mesas, copos de vodka, gim ou bacardi. No mar, uma garota de Ipanema ainda se prepara para virar moda mundial. Ao som de Tenderly, mãos tupiniquins dão os acordes da noite. Casais tocam as mãos, os lábios senão. Carros brincam de seguir a orla que desenrola marés e mares e enrola corpos e ares mil. A proximidade de duas bocas as fazem roucas, unem línguas e vão, à mingua, para onde for o odor ou a dor. No meio de tudo, creiam, há amor. No computador que virou vitrola, a música rola a mil e enrola o poeta quase senil. Na Valsa de uma Cidade, pode haver tudo, menos maldade. Certamente muita saudade do que foi, daquilo que seria e do tão pouco que as sereias de biquínis mostram num andar pelas calçadas ao louco que as vê passar.

No disco que mudou de aparelho, o coração vive parelho com a saudade que se vai em mansidão. Por certo, perto, haverá uma solidão. Um lábio seco da língua distante da amante que dorme cansada da vida atabalhoada, um decrépito querer que sabe que nunca irá ser, uma imensidão e acalentada saudade que sorve em goles o desejo de um dia voltar à beira-mar. Hoje, entregue às moscas num interior cheio de consagradas orgias e inauditas sangrias, vai tudo murchando como manga no pé. Seja o que deus quiser ou o destino vier. No mundo virtual e novo, a agulha roda entre espaços de uma ou outra nota. O tempo se denota fugaz. Dick Farney ao piano, acreditem, é do meu tempo. E hoje vi um historiador dizer que isso é a melhor forma de você ver que ficou para trás. Ao som do piano, num altiplano e no gás, em arranhada mente, vou a viajar num inexistente acreditar que o passado nada mais é do que eternamente relembrar.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

New Jazz é uma ótima seleção

Por Edmilson Siqueira

Mais uma seleção de jazz muito bem escolhida num CD da Som Livre e com uma grata supressa para quem quer saber quem são os intérpretes e gosta de conhecer as letras das músicas: um encarte muito bem elaborado. O CD se chama New Jazz e, embora seja jazz - e dos bons - não é tão "new" assim, mesmo em 2005, quando foi lançado. 


Jamie Cullun que canta e toca piano na primeira faixa - "Twentysomething", de sua autoria - por exemplo, pode ser considerado uma novidade à época, pois em 2005 tinha 25 anos. Mas John Pizzarelli que comparece com sua guitarra e vocal na segunda música - "I'm Your Guy", dele mesmo e de Gorver Kemble -, já estava com 34 anos quando gravou essa música e tinha vários LPs na praça, inclusive dois sensacionais dedicados à nossa bossa nova.  


Outra veterana está na terceira faixa - Blosson Dearie (1924-2009) - com a deliciosa "Deed I Do" (Fred Rose e Walter Hirsch) e, apesar de toda modernidade que a música apresenta, foi gravada em 1956. 

A quarta faixa é um belo duo com as vozes de Reneé Olstead e Peter Cincotti. No caso é ele cantando no disco dela, gravado em 2004, quando Reneé tinha apenas 25 anos. Reneé gravou até hoje apenas cinco discos de jazz, tendo dedicado sua carreira mais a filmes no cinema e na televisão. Mas é ótima cantora. 


Toda a classe de Steve Tyrel está na quinta faixa do disco - "I've Got A Crush On You", de George e Ira Gershwin. É uma das melhores gravações desse clássico dos irmãos Gershwin, escrito quando a palavra "crush" ainda não era usada, pelo menos no Brasil, com o sentido que tem hoje, era apenas um refrigerante. 


A grande Diane Krall também está presente na ótima seleção, com seu sucesso "Let's Fall In Lover, de Harold Arlen e Ted Koehler, gravado em 1998 e que fez parte do disco "When I Look In Your Eyes".  


Jane Monheit está hoje com 44 anos, mas quando surgiu ganhou prêmios e, logo depois, mais madura, chegou a ser comparada a Diana Krall e Ella Fitzgerald. A música que ela canta aqui é "Love Me Or Leave Me" (Donaldson e Kahn), um clássico do jazz.

 

O consagrado Michael Bublé é outros dos grandes cantores que comparecem nesse disco. E vem com um de seus maiores sucessos: "For Once In My Life", de R. Muller e O. Muiden, gravado em 2003 no disco que leva seu nome. A música, que já era um clássico do jazz, ganhou um novo fôlego com Michael.  


O genial saxofonista David Sanborn convidou a cantora Lizz Wright para juntos apresentarem o sucesso que James Taylor compôs - "Don't Let Me Lonely Tonight" - e o fazem de maneira apaixonante. Uma das melhores faixas do disco, apesar da seríssima concorrência.  


April Barrows gravou a música seguinte aos 42 anos, ou seja, no auge da forma. "My Dream Is You" foi a música que deu o título ao álbum gravado em 1996. O que temos aqui é uma cantora sofisticada e madura nos dando um belo exemplo de uma interpretação leve e prazerosa. 


A faixa número onze foge um pouco ao jazz mais tradicional, esbarra no pop com pitadas de blues. Mas tem dois grandes artistas a executá-la: a voz marcante de Norah Jones e a talentosa guitarra de Peter Malick. A música é a ótima e amargurada "New York City", do próprio Peter.  


O encarte do disco afirma que mesmo antes de nascer, Gwyneth Herbert já ouvia música. Sua mãe, grávida, ouvia muito Steve Wonder e Carole King. E, depois de nascer, seu pai cantava Ray Charles e Paul Robeson para fazê-la dormir. E, claro, aos três anos, começou a aprender piano. A música que ela canta aqui é "Almost Like Being In Love" de Alan Jay Lerner e Frederick Loewe.  


Outra que começou cedo é Alma Thomas. Novaiorquina, aos 7 anos já cantava em corais. Depois passou por óperas encenadas e teatro, até encontrar sua vocação no jazz. Só que hoje ela é praticamente brasileira, pois se casou com brasileiro, vive no Brasil e estreou em disco com essa faixa dessa coletânea de jazz: "Here's Your Chance", pareceria entre ela e o marido Pedro Milman, que também é pianista e arranjador. Nada melhor que ouvirmos a estreia de uma ótima cantora. 


E, por fim, na décima-quarta faixa, outro brasileiro: Peter Jones. Segundo o encarte, trata-se da segunda música que ele interpreta a chegar nas paradas. Ele canta no "Sinatra's style", e bem. A música é "Where Or When", de Richard Rodgers e Lorenz Hartz, tema do filme Babes in Arms.   


O disco ainda está à venda nos bons sites do ramo. 

Cavaleiro solitário

 Por Ronaldo Faria O bar está fechado. Parece há tempo. Mas Hermínio não se dá por vencido. Enquanto houver uma sede por beber, beber-se-á. ...